Revelada nova espécie de incrível dinossauro comparável a um 'tanque de guerra'

Até os ferozes tiranossauros temeriam o Zuul, a fera do Cretáceo com uma espécie de clava na cauda, conhecida como o "destruidor de canelas".

Por Michael Greshko
fotos de Mark Thiessen
Publicado 30 de dez. de 2018, 10:00 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Temíveis pregos ósseos se projetam do crânio do Zuul crurivastator, um dos mais completos dinossauros encouraçados ...
Temíveis pregos ósseos se projetam do crânio do Zuul crurivastator, um dos mais completos dinossauros encouraçados já encontrado. O aspecto demoníaco do Zuul inspirou os pesquisadores a batizá-lo em homenagem a um monstro do filme Caça-fantasmas—porém o animal se alimentava de brotos e não de sangue; Zuul era herbívoro.
Photograph Mark Thiessen

No segundo andar do Museu Real de Ontário, em Toronto, o esqueleto de um primo mais velho, mais magro e mais alto do Tyrannosaurus rex é exposto com orgulho. Contudo, se a criatura estivesse viva hoje, poderia estar mancando. Mais de 70 milhões de anos atrás, este Gorgosaurus teria sido um predador do topo da cadeia alimentar na região que hoje corresponde às terras áridas de Montana e do oeste do Canadá. Entretanto, topo da cadeia alimentar não significa invencível. A canela direita do animal é uma profusão de ossos quebrados que cicatrizaram ao longo do tempo.

O que quebrou a pata do pobre tiranossauro? Sem entrar em uma máquina do tempo, os pesquisadores não podem saber ao certo. No entanto, em outra parte do mesmo museu, os visitantes podem ver um dos maiores suspeitos—e mais belos—dessa investigação de arquivo morto do Cretáceo.

Anquilossaurídeos são mais conhecidos por suas caudas, que evoluíram para o formato de duras marretas recobertas ...
Anquilossaurídeos são mais conhecidos por suas caudas, que evoluíram para o formato de duras marretas recobertas de nós ósseos com largura máxima aproximada de 60 centímetros. A clava do Zuul pode tê-lo ajudado a se defender de predadores ou rivais de sua própria espécie, recebendo o nome da espécie de crurivastator—expressão latina que significa “destruidor de canelas”.
Foto de Mark Thiessen

Conheça o Zuul crurivastator, a nova espécie de anquilossaurídeo que também é o fóssil mais completo do tipo já encontrado na América do Norte. Em vida, o animal era como um tanque de guerra com cerca de 6 metros, equipado com blindagem e com o peso de um rinoceronte branco. Na morte, seu fóssil maciço está incrivelmente bem-preservado do focinho até a cauda, semelhante a uma marreta—a arma perfeita para despedaçar ossos.

Embora a descoberta do Zuul tenha sido anunciada em maio de 2017, o crânio e a cauda do fóssil foram revelados ao público somente em 15 de dezembro como parte da nova exposição do museu. É uma extravagância de multimídia, contando com um modelo do fóssil em tamanho real, uma animação gigante do Zuul em ação e até jogos educativos de fliperama.

O resto do fóssil ainda está sendo desvencilhado de sua tumba de arenito em um depósito bem mais tranquilo a cerca de 160 quilômetros a leste do museu. Em uma gelada manhã de dezembro alguns dias antes da revelação, visitei essa instalação, de propriedade da Research Casting International, uma empresa especializada em exposições de museus localizada em Trenton, Ontário. Enquanto a neve caía suavemente do lado de fora, Peter May, presidente da RCI, me levou até a área de trabalho principal. O odor acre de resina de poliéster impregnava o ar enquanto os ventiladores roncavam ao fundo.

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    May me apressou pelo corredor principal do depósito até uma barraca marrom cobrindo o que parecia ser uma caixa de areia cheia de concreto. Quatro técnicos com aventais azuis empoeirados agitavam-se freneticamente sobre o bloco com minúsculas furadeiras portáteis. Milímetro por milímetro, as ferramentas com ponta de agulha revelavam elementos minerais amarronzados. Para meu espanto, as pedrinhas semelhantes a couro eram fragmentos da couraça e escamas individuais.

    Desprender esse fóssil extraordinariamente detalhado é um trabalho extremamente preciso, porém valerá muito a pena. Fósseis de anquilossauro são raros e, mesmo quando encontrados, é comum estarem despedaçados como peças de quebra-cabeças devido ao processo de deterioração. Com o Zuul, é quase como se todo o animal tivesse se transformado instantaneamente em pedra.

    “Está entre os melhores exemplares existentes do tipo”, afirma Victoria Arbour, paleontóloga e curadora do Museu BC Real do Canadá e especialista em anquilossauros. Os cientistas já conseguiram identificar uma ruptura na couraça ao longo da costela, um indício de que o Zuul sofreu ferimentos em uma batalha com outros anquilossaurídeos.

    “A qualidade da couraça e a preservação da pele ultrapassaram nossos sonhos mais loucos”, acrescenta David Evans, paleontólogo do Museu Real de Ontário, que estuda o dinossauro.

    Contra a corrente

    Quando Arbour e Evans anunciaram pela primeira vez o Zuul, a descoberta foi manchete no mundo todo. Contudo, em uma reviravolta do destino, eles não foram os únicos paleontólogos canadenses a mostrar um dinossauro na mesma semana. Em questão de dias, o Museu Real Tyrrell de Alberta revelou seu próprio dinossauro encouraçado extraordinário, uma nova espécie batizada depois de Borealopelta markmitchelli.

    À primeira vista, a dupla poderia pensar ser o mesmo dinossauro, mas eles são animais bem diferentes. O Borealopelta viveu 35 milhões de anos antes e, ao contrário do Zuul, ele não tinha uma clava na cauda. O Borealopelta ainda foi encontrado anos antes do Zuul, permitindo que seus curadores começassem antes a preparação do fóssil. Em 2017, o mundo pôde ver o Borealopelta em toda a sua glória, mas, na época, a notoriedade do Zuul estava apenas começando.

    O Zuul iniciou sua marcha à imortalidade 76 milhões de anos atrás, próximo a um exuberante estuário localizado no que é atualmente o norte de Montana. Samambaias e primas dos plátanos balançavam ao vento enquanto crocodilos e tartarugas espreitavam embaixo da água. De algum modo, o Zuul acabou morrendo na parte rasa de um rio. Conforme sua carcaça inchou e flutuou de barriga para cima, ela ficou presa em um bloqueio e entrou em um redemoinho. Ondas de areia envolveram rapidamente a maior parte do fóssil—mas talvez não todo ele. Os pesquisadores ainda não encontraram as patas do Zuul, que animais saprófagos podem ter comido como um lanchinho de dinossauro.

    Uma vez sepultado, o dinossauro foi transformado em uma estátua, já que minerais ricos em ferro preservaram sua carne e ossos. Aproximadamente 12 metros de rocha então se acumularam sobre o casulo de arenito do Zuul e a erosão das encostas nunca chegou a 10 metros do fóssil. Posteriormente, a terra acima do Zuul se tornou um rancho particular pouco abaixo do sul da fronteira dos Estados Unidos e Canadá.

    Em 2014, colecionadores comerciais de fósseis juntamente com uma empresa chamada Theropoda começaram a escavar ali em busca de ossos espalhados de Gorgosaurus. Conforme a equipe procurava o esqueleto por uns 30 metros de terra, eles se depararam com arenito duro. De repente, um escavador gritou: “Essa coisa é um extraterrestre!” Ele estava olhando para algo que certamente não pertencia a um tiranossauro: a cauda de clava de um anquilossaurídeo.

    Apesar de comercializar diversos de seus fósseis a colecionadores particulares, a equipe da Theropoda sabia que o Zuul era especial e que tinha que passar ao domínio público. Logo após encontrá-lo, a empresa procurou Evans, que encorajou o Museu Real de Ontário a adquirir o fóssil em 2016 (Saiba mais sobre a negociação do fóssil na revista National Geographic).

    “É assim que o sistema deve funcionar”, afirma Tommy Heitkamp, diretor de operações da Theropoda.

    Quem você vai chamar?

    Para Arbour, a mudança do Zuul para o Canadá representou uma oportunidade dos sonhos. Em um golpe de sorte, ela estava iniciando uma permanência de dois anos no museu justo quando chegou o fóssil. Quando Evans e ela começaram a estudar o crânio e a cauda do dinossauro, já libertado da rocha, eles perceberam que o dinossauro era um tipo de anquilossaurídeo nunca visto antes.

    Em homenagem à cauda do animal usada como arma, a dupla batizou a espécie de crurivastator, expressão latina que significa “destruidor de canelas”. Para o gênero, seus chifres lembravam as placas “adornadas” do Zuul, o vilão do filme “Caça-fantasmas” de 1984. Para oficializar o nome, Evans pediu a bênção de um amigo seu: Dan Aykroydo, entusiasta de paleontologia, corroteirista e um dos astros do filme. Aykroyd concordou com grande entusiasmo.

    Por certo período, o bloco de 20 toneladas contendo o corpo do Zuul permaneceu no depósito da RCI, um lembrete silencioso da enorme tarefa à frente. Até mesmo levá-lo para dentro do depósito foi um desafio: o fóssil era tão pesado que a empilhadeira que o transportava afundou no estacionamento.

    O bloco permaneceu intocado até janeiro de 2018, quando os preparadores começaram a trabalhar para deixar expostas as costelas e a coluna vertebral do Zuul. Oito meses depois, estavam prontos para passar à couraça das costas do dinossauro, o que exigiu que a RCI cortasse o bloco pela metade e o virasse como uma panqueca de quase 8 mil quilogramas.

    Desde então, Amelia Madill, a preparadora, e sua equipe expuseram meticulosamente a couraça do Zuul. As cinco mulheres da equipe agora conhecem a magnitude da descoberta mais que qualquer um. “Quando o bloco chegou, conversei com meu pai a respeito e disse: é o trabalho de uma vida inteira bem na nossa frente”, conta Madill. “É um trabalho maravilhoso, bem fora da realidade.”

    Zuul é tão incomum que atrasou o cronograma da RCI. Levará à equipe de Madill até o fim de 2018 para terminar o trabalho, se não mais. Só então a história científica do fóssil realmente iniciará—inclusive pesquisas químicas de algumas das proteínas originais do dinossauro.

    De volta ao Museu Real de Ontário, o astro incontestável da nova exposição aguarda em uma caixa de acrílico: o crânio do Zuul, sua boca aberta, sua testa eternamente franzida. Ao encarar a criatura, ela parece quase encarar de volta, até eu sentir que estou vivenciando a vida cotidiana que o dinossauro levava há 76 milhões de anos. Essas mandíbulas já mastigaram os prados do Mesozoico. Esses olhos com pálpebras ósseas já contemplaram um mundo perdido.

    Quanto mais observo, mais as placas e caixas de exposição parecem desaparecer. Aqui não existe presente, apenas o passado trazido de volta a uma vida petrificada. Não existe museu, existe apenas o Zuul.

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