
Quem foi a real Maria Bonita, a mulher poderosa do cangaço brasileiro?
Acima, uma foto de Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, feita pelo fotógrafo libanês Benjamin Abrahão Botto em 1936, quando ele teve a permissão de Lampião de registrar imagens do Cangaço.
A história popular brasileira é marcada por personagens reais muito ricos, que fazem parte do ideário cultural nacional até os dias de hoje. Porém, muitas vezes eles são cercados de folclore e suas vidas reais acabam desconhecidas. Como é o caso da lendária Maria Bonita, companheira do chefe do Cangaço, o Lampião, que é conhecida em todo o Brasil. Mas quem foi realmente Maria?
Essa pergunta – e muitas outras acerca da vida de Maria e das demais mulheres que participaram do Cangaço no sertão do Nordeste nos anos 1930 – estão sendo respondidas pelo livro da jornalista Adriana Negreiros, “Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço” e, agora também, na nova série brasileira do Disney+, “Maria e o Cangaço”, produção inspirada na obra de Negreiros.
Tanto o livro quanto a série possuem uma perspectiva inovadora sobre a história do Cangaço, pois focam na na vida real de Maria Gomes de Oliveira (interpretada na série pela atriz Isis Valverde) – nome real da mulher que ficaria conhecida no país posteriormente como “Maria Bonita” – e também na vida das demais mulheres do grupo liderado por Lampião, na ficção vivido por Julio Andrade na nova série.
A National Geographic conversou com a autora Adriana Negreiros por conta do lançamento da série que apresenta quem foi realmente Maria Bonita. Mas como ela entrou para o grupo de Lampião? E qual foi a sua trajetória real dentro desse universo de pobreza, aridez e violência? Confira abaixo.
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A atriz Isis Valverde interpreta Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, na nova série do Disney+: "Maria e o Cangaço".
Qual é a verdadeira história de Maria Bonita?
Maria foi uma mulher de origem simples, que nasceu no povoado de Malhada do Caiçara, interior do sertão da Bahia, em 8 de março de 1911. Ela teve que se casar muito jovem com um homem bem mais velho que ela e que era violento, como relata o livro biográfico. Apesar da trajetória de poucos recursos, Maria se alfabetizou, era muito inteligente – e naturalmente uma mulher transgressora.
Muitas vezes retratada somente como a companheira do líder mais famoso do Cangaço, Lampião (cujo nome era Virgulino Ferreira da Silva), Maria Gomes de Oliveira – que também era conhecida como Maria de Déa (sua mãe) – não foi a mulher idealizada de muitas histórias que viraram livros e filmes. Eles tinham enfoque nos homens cangaceiros, mas não retratavam quem eram as mulheres do Cangaço.
“Foi difícil obter informações verídicas para escrever, fiz um longo trabalho de pesquisa, porque os jornais da época não estavam interessados em retratar as mulheres. Eles queriam saber das histórias de Lampião e Corisco”, diz a autora. “Quando falavam das mulheres era de uma forma muito secundária. Sobre a Maria, por sua vez, se comentava que ela tinha pernas muito bonitas, ou que se vestia bem, falas parecidas com aquelas que são feitas ainda hoje sobre as mulheres que ocupam posições de comando e visibilidade”, conta a escritora Adriana Negreiros.
De acordo com a obra de Negreiros, ela ainda era somente uma jovem dona de casa já vivendo com o marido quando conheceu Lampião em 1928. Foi então que decidiu largar tudo e se juntar ao bando de cangaceiros no ano seguinte, tornando-se a primeira mulher do grupo – e a primeira a entrar por escolha própria – ao contrário de outras que acabaram sendo raptadas ou terminavam seguindo o Cangaço por falta de opção.
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Na foto, o fotógrafo Benjamin Abrahão com Maria Bonita e Lampião no sertão nordestino, nas proximidades do Rio São Francisco, em 1936.
Como era a vida de Maria no grupo de Lampião?
Dentro do grupo, a jovem era chamada de Dona Maria, Maria de Déa ou Maria do Capitão (como Lampião era também chamado). A alcunha “Maria Bonita” só surgiu depois de sua morte, quando a mídia se referia a ela dessa forma por a considerarem bonita e vaidosa, segundo as fotos realizadas em seus últimos anos e amplamente divulgadas na época.
Também de acordo com o livro — e tal como ela é retratada na nova série “Maria e o Cangaço” — Maria era respeitada dentro do grupo de Lampião e, por ser alfabetizada, contribuía com algumas estratégias do bando. Segundo as informações coletadas para a sua biografia, Maria Bonita foi, de fato, um ponto fora da curva, uma mulher que rompeu regras para época e que realizou certas mudanças dentro do Cangaço, devido à sua forte personalidade e ao devotamento de Lampião por ela.
Apesar de sua entrada no grupo ter levado a certa abertura e algumas melhorias para as cangaceiras, o ambiente ainda era extremamente machista, opressor e insalubre para ela e as companheiras. E mesmo em meio a tudo isso, Maria e Lampião realmente tiveram uma relação de amor.
“Maria foi para o Cangaço porque quis. Encontrar o mítico Lampião sempre foi o desejo dela. A relação dos dois era realmente afetuosa, com muitas dificuldades, mas se tratava de um relacionamento de amor genuíno – eles conseguiam encontrar uma doçura no meio da aridez”, explica Adriana.
Oficialmente, o casal teve uma única filha, Expedita Ferreira Nunes, nascida em 1932 e que eles nunca conseguiram criar — afinal, os acampamentos dos cangaceiros não eram locais para crianças. Expedita está viva até hoje e tem 92 anos. De acordo com o livro de Negreiros, a maternidade trouxe para a Maria a vontade de sair do Cangaço, porém ela seguiu com o companheiro até o último dia dos dois.
Maria e Lampião — bem como muitos integrantes de seu bando — foram mortos a tiros e decapitados no dia 28 de julho de 1938, na Grota do Angico, em Sergipe, por tropas lideradas por João Bezerra da Silva, um policial militar de Alagoas. O episódio ficou conhecido por "Massacre de Angico", como conta um artigo sobre o tema do Centro Universitário Maurício de Nassau de Salvador, da Bahia.
A nova série do Disney+, “Maria e o Cangaço” é inspirada no livro biográfico sobre Maria Bonita, conta com seis episódios e estará disponível a partir do dia 4 de abril.
