
A época dos faraós teve períodos de paz? A resposta está no casal real mais poderoso do Egito Antigo
Um retrato do jovem Amenhotep 3º, à esquerda, usando um khepresh, também conhecido como coroa azul. Museu Egípcio, Cairo. O retrato de Tiye, à direita, foi criado após a morte de seu marido e seu filho ter herdado o trono. Museu Egípcio, Berlim
O longo reinado de Amenhotep 3º ao lado de sua esposa real Tiye, foi uma era de ouro para o Egito Antigo. Governando juntos por 38 anos, o casal supervisionou um vasto e próspero império de cerca de 1391 a 1353 a.C., durante a 18ª dinastia do Egito. A riqueza fluía da Núbia e do Levante, financiando uma nova era de construção de monumentos e expressão artística.
O reinado de Amenhotep 3º é um dos mais bem documentados do Egito antigo. Seu pai, Tutmés 4º, deixou para ele um reino rico e expansivo no auge de seu poder e influência. O império de Amenhotep se estendia por 1.900 km, do Eufrates, na atual Síria, até a Quarta Catarata do Nilo, hoje parte do Sudão.
No início de seu reinado, Amenhotep empreendeu campanhas militares bem-sucedidas contra a Núbia, uma terra rica em ouro. Depois de reivindicar esse novo território para o Egito, seu reinado foi bastante pacífico, permitindo que o Egito se tornasse rico e próspero.
Esse reinado tranquilo se tornou um presente para os arqueólogos e historiadores atuais, devido à riqueza de documentos e registros que deixou para trás. National Geographic aproveita a efeméride do Dia Internacional da Paz, celebrado anualmente em 21 de setembro, e mergulha em um dos raros momentos sem conflitos de um dos impérios que moldaram o mundo como ele é hoje. Acompanhe abaixo.
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Uma procissão transporta figuras de Amenhotep 3º e da rainha Tiye em trenós. Tumba do sacerdote Ameneminet, 18ª dinastia.
Os primeiros anos de reinado do casal Amenhotep e Tiye
Os primeiros anos do rei foram documentados por meio de uma série de escaravelhos de pedra-sabão que proclamavam os sucessos e marcos de Amenhotep. Durante seu reinado, Amenhotep 3º e Tiye construíram cerca de 250 estruturas enormes: palácios, complexos mortuários, templos e monumentos, todos decorados com obras de arte atemporais que contavam a história de seu reinado. As três celebrações do jubileu do rei, por exemplo, foram documentadas com detalhes minuciosos.
O casal real também manteve registros cuidadosos de suas interações com potências estrangeiras. Os estudiosos consultam as Cartas de Armana, um rico acervo de correspondência que detalha as negociações e os assuntos entre o Egito e seus aliados.
Com esses relatos detalhados, uma imagem dessa época e desse lugar existe de forma mais clara do que quase qualquer outra no Egito antigo, e as vidas de Tiye e Amenhotep podem ser investigadas mais do que qualquer outro casal da realeza egípcia.
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Um escaravelho comemorativo de pedra emitido por Amenhotep 3º divulgou a notícia de suas caçadas bem-sucedidas a leões. Museu Britânico, Londres.
A ascensão de Amenhotep 3º ao trono
Governando por cerca de nove anos, o faraó Tutmés 4º – pai de Amenhotep 3º – garantiu alianças valiosas que enriqueceram o Egito antes de sua morte.
Os estudiosos discordam sobre a idade exata em que Amenhotep sucedeu o pai como faraó; muitos acreditam que ele ainda era uma criança, com idade entre sete e 12 anos. Como o novo faraó era tão jovem, sua mãe, a segunda esposa de Tutmés 4º, a rainha Mutemwiya, atuou como regente.
Mais tarde em seu reinado, Amenhotep mandaria esculpir a história de sua concepção divina nas paredes do templo de Luxor: o deus Amon-Rá, na forma do faraó Tutmés 4º, visita a rainha Mutemwiya enquanto ela dorme. Quando ela acorda, Amon-Rê anuncia: “Amenhotep, governador de Tebas, é o nome da criança que coloquei em seu corpo. Ele exercerá bem a realeza em todo o país”.
Os arqueólogos têm a sorte de contar com muitos amuletos escaravelhos produzidos durante o reinado de Amenhotep para comemorar eventos especiais. Esculpidos em pedra-sabão, muitos desses objetos em forma de inseto apresentam inscrições que proclamam os grandes feitos de Amenhotep 3º e também fornecem informações sobre os marcos de seu reinado. Mais de 200 foram encontrados em sítios arqueológicos por todo o império egípcio. Um conjunto de amuletos descreve uma caçada bem-sucedida a um touro selvagem, por exemplo.


O poder compartilhado entre Tiye e seu marido é retratado em um relevo no túmulo do mordomo de Tiye, Kheruef, em El Assasif, parte da necrópole de Tebas. Tiye aparece ao lado do faraó sentado em uma plataforma elevada; abaixo estão os povos escravizados dos estados conquistados pelo Egito. A imagem tem como objetivo retratar o poder supremo do faraó como monarca do universo. Nos relevos laterais do trono da rainha, duas prisioneiras estão algemadas para enfatizar a igualdade da rainha com seu marido e seu governo compartilhado. Tiye aparece até mesmo na forma de uma esfinge esmagando os inimigos do Egito, um motivo clássico usado para representar governantes masculinos como triunfantes.
O grande templo de Luxor, construído por Amenhotep 3º, continua sendo um dos templos mais bem preservados e admirados do Egito.
A descrição vívida de como o faraó e seu exército mataram dezenas de touros selvagens enviou não apenas uma mensagem de sua proeza e força, mas também um aviso sutil de que o novo rei derrubaria qualquer estado vassalo que tentasse se rebelar.
Os arqueólogos também utilizaram esses escaravelhos para determinar quando Amenhotep e Tiye se casaram. Outra série de amuletos foi criada apenas para comemorar o evento. Cinquenta e seis foram recuperados, e cada um deles proclama o casamento real com alegria e reverência. Eles mencionam o nome do pai dela, Yuya, e da mãe, Tuya.
Embora os estudiosos continuem a debater os papéis e as origens exatas dos pais de Tiye, há um consenso de que eles eram uma família nobre e que Tiye cresceu na corte. Prometida ao rei ainda jovem, ela recebeu uma boa educação para se preparar para a vida como rainha. Ela parece ter sido uma pessoa culta e possuía sua própria biblioteca.
A parceria ao longo da vida de Amenhotep e Tiye resultou em pelo menos seis filhos: quatro filhas – Sitamun, Henuttaneb, Ísis e Nebetah –; e dois filhos – Tutmés e Amenhotep. Os escaravelhos de casamento não atribuem um ano exato da união, mas os escaravelhos de touro mostram que os dois se casaram no segundo ano de Amenhotep no trono. Eles também mostram que, logo após o casamento, Tiye foi nomeada Grande Esposa Real.
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Amenhotep 3º (ao centro) e Tiye sentados enquanto duas de suas filhas (à direita) agitam chocalhos. Placa de cornalina, 18ª dinastia.
Como era o harém das esposas reais
Os faraós egípcios podiam ter muitas esposas, mas aquela considerada “a grande esposa real” era a principal entre elas. Amenhotep construiu um harém, mas sua relação com Tiye foi diferente desde o início.
Os historiadores descobriram que ela exercia grande influência na corte, algo incomum para uma mulher naquela época. Seu nome aparecia em atos oficiais, incluindo o anúncio do casamento de Amenhotep com uma princesa estrangeira.
No décimo ano de seu reinado, Amenhotep havia solicitado repetidamente uma filha ao rei de Mitanni, no norte da Mesopotâmia, e finalmente uma princesa foi enviada ao Egito carregada de presentes e acompanhada por uma grande comitiva.

A rainha Tiye anunciou a nova esposa do rei, Gilukhepa. Embora o faraó tenha se casado com uma princesa de Arzawa, duas da Babilônia e mais duas de Mitanni, elas nunca alcançaram o status ou o poder de Tiye. Muitas vezes, os nomes dessas princesas estrangeiras foram perdidos nos registros, enquanto a presença de Tiye, a grande esposa real, é reiterada nas fontes, não deixando dúvidas sobre qual mulher detinha o poder sobre o Egito.
Um ano após a chegada de Gilukhepa, outro escaravelho anunciou o importante presente que o faraó ofereceu à sua grande esposa real, Tiye: um lago artificial construído perto de sua cidade natal.
“Nas estátuas do casal real, ela e Amenhotep têm a mesma altura, simbolizando uma relação de igualdade. ”
O estudo das obras de arte criadas durante o reinado de Amenhotep mostra como a influência de Tiye cresceu ao longo dos anos. As primeiras representações mostram-na como sendo diminuta; nas representações posteriores, Tiye é mais alta e suas vestes são mais ornamentadas. Nas estátuas do casal real, ela e Amenhotep têm a mesma altura, simbolizando uma relação de igualdade.
Além disso, vários selos, usados para lacrar papiros, foram encontrados com o cartucho real dela. O faraó incluía sua esposa nos assuntos governamentais, tanto domésticos quanto internacionais. Historiadores que estudam as Cartas de Amarna, uma coleção de correspondências entre líderes egípcios e aliados, descobriram que líderes estrangeiros mencionavam a rainha Tiye pelo nome e reconheciam sua habilidade e inteligência.
Os escritos da rainha demonstram que ela pode ter estudado línguas estrangeiras; sua correspondência com o rei Tushratta de Mitanni parece indicar que ela sabia acádio.
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A Carta de Amarna, uma correspondência entre Amenhotep 3º e Tushrattta, rei de Mitanni.
A morte do rei e da rainha que garantiram anos de paz e prosperidade no Egito Antigo
Amenhotep 3º morreu em 1353 a.C. e seu túmulo (agora identificado como WV22) está localizado no Vale dos Reis. Após sua morte, Tiye recebeu cartas de governantes estrangeiros, como Tushratta de Mitanni, expressando suas condolências e garantindo seus laços com o novo monarca, Amenhotep 4º, filho do falecido faraó e da rainha – e que, mais tarde, mudou seu nome para Akhenaton quando impôs reformas religiosas em todo o Egito.
Tiye sobreviveu ao marido, mas os estudiosos não sabem por quantos anos. Seu túmulo não foi identificado, embora sua múmia e a de seu marido sim.


Pote de kohl com os nomes de Amenhotep 3º e Tiye. Museu do Louvre, Paris.
O túmulo de Amenhotep foi saqueado pouco depois de sua morte, mas os sacerdotes transferiram sua múmia na antiguidade para protegê-la dos ladrões. Em 1898, estudiosos encontraram a múmia do faraó escondida em KV35, o túmulo de seu avô Amenhotep 2º.
Outras múmias reais também estavam escondidas lá, incluindo uma mulher não identificada com cabelos longos. Conhecida até recentemente como a “Senhora Idosa”, a múmia foi confirmada por meio de análise de DNA como sendo a rainha Tiye, reunida na morte com seu marido.
