Origem dos filisteus pode ser finalmente revelada por DNA antigo

Relatos históricos e arqueologia concordam que os maiores vilões da Bíblia Hebraica eram ‘diferentes’ — mas diferentes em que sentido?

Por Kristin Romey
Publicado 15 de jul. de 2019, 11:42 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O DNA coletado em sepulturas dos séculos 10 a 9 a.C. no cemitério de Ascalão foi comparado com sepulturas anteriores de crianças filisteias e sepulturas de indivíduos que viveram na região antes da chegada dos filisteus no início do século 12 a.C.
Foto de Melissa Aja, Leon Levy Expedition

O PRIMEIRO ESTUDO JÁ realizado no DNA obtido em um sítio arqueológico filisteu está oferecendo um vislumbre genético único sobre as origens de alguns dos mais notórios encrenqueiros do Antigo Testamento.

Os autores da Bíblia Hebraica deixaram claro que os filisteus eram diferentes deles: esse grupo "não circuncidado" é descrito em várias passagens como originário da "Terra de Caftor" (a atual ilha de Creta) antes de se apoderar da costa da atual região sul de Israel e da Faixa de Gaza. Eles guerrearam com seus vizinhos israelitas, até mesmo tomando a Arca da Aliança por certo período. Seus representantes na Bíblia incluíram o gigante Golias, derrotado pelo futuro rei Davi, e Dalila, que privou o israelita Sansão de sua força cortando seu cabelo.

Os arqueólogos modernos concordam que os filisteus se distinguiam dos vizinhos: sua chegada aos litorais do leste do Mediterrâneo no início do século 12 a.C. é caracterizada por cerâmicas com estreitas semelhanças com o antigo mundo grego, pelo uso de manuscritos egeus (em vez de semitas) e pelo consumo de carne de porco.

Muitos pesquisadores também associam a presença dos filisteus às façanhas dos povos do mar, uma misteriosa aliança de tribos que, segundo fontes egípcias e outras fontes históricas, parecem ter trazido destruição ao leste do Mediterrâneo no fim da Idade do Bronze no século 13 e início do século 12 a.C.

Estudo publicado no periódico Science Advances, inspirado pela descoberta sem precedentes de um cemitério em 2016 na antiga cidade filisteia de Ascalão, na costa sul de Israel, oferece um olhar intrigante sobre as origens genéticas e legado dos filisteus. Ao que parece, a pesquisa confirma a procedência estrangeira desse povo, mas revela que os forasteiros difamados logo se miscigenariam com as populações locais.

O estudo analisou o DNA de dez conjuntos de restos mortais humanos de três épocas diferentes coletados em Ascalão: um local de sepultamento da metade ao final da Idade do Bronze (aproximadamente 1650-1200 a.C.), que antecede a presença dos filisteus na região; sepulturas de crianças do fim dos anos 1100 a.C., após a chegada dos filisteus no início da Idade do Ferro; e indivíduos enterrados no cemitério filisteu mais adiante na Idade do Ferro (séculos 10 e 9 a.C.)

Novo estudo de DNA foi inspirado pela descoberta de um antigo cemitério filisteu no sítio arqueológico de Ascalão em 2016, na atual região sul de Israel.
Foto de Melissa Aja, Courtesy Leon Levy Expedition to Ashkelon

As quatro amostras de DNA do início da Idade do Ferro, todas extraídas de crianças sepultadas sob o piso de casas filisteias, possuem proporcionalmente mais “ancestralidade europeia adicional” em suas assinaturas genéticas (aproximadamente 14%) do que as amostras da Idade do Bronze anteriores à chegada dos filisteus (de 2% a 9%), segundo os pesquisadores. Embora não sejam conclusivas as origens dessa “ancestralidade europeia” adicional, os modelos mais plausíveis apontam para a Grécia, Creta, Sardenha e Península Ibérica.

Daniel Master, diretor da Expedição Leon Levy a Ascalão e coautor do estudo, considera os resultados uma “prova concreta” da teoria de que os filisteus migraram a partir do oeste e se instalaram em Ascalão no século 12 a.C.

“Os resultados condizem com textos egípcios e outros textos que possuímos, além de material arqueológico."

O que intriga os pesquisadores ainda mais é que esse “vestígio pontual europeu” específico rapidamente desaparece e deixa de ser estatisticamente significativo no DNA das amostras do estudo coletadas no cemitério de Ascalão apenas alguns séculos depois dos sepultamentos das crianças. As sepulturas filisteias posteriores passam a ter assinaturas genéticas muito semelhantes às de populações locais que viveram na região antes da vinda dos filisteus.

“Conseguimos rastrear o deslocamento dos povos que vieram do sul da Europa até Ascalão”, afirma Michal Feldman, arqueogeneticista do Instituto Max Planck e coautor do estudo. “Depois o deslocamento desaparece bem rápido em 200 anos, provavelmente pela miscigenação dos filisteus que fez com que esse tipo de assinatura genética se diluísse na população local”.

“Por mais de um século, questionamos a procedência dos filisteus”, escreve Eric Cline, arqueólogo, em um e-mail em sua escavação no sítio arqueológico cananeu de Tel Kabri (Cline não participou da pesquisa atual). “Agora sabemos que a resposta é o sul da Europa e provavelmente a Grécia continental, Creta ou Sardenha, para ser mais específico. Isso condiz com o que parecia ser o mais provável anteriormente, sobretudo a julgar pelos restos mortais arqueológicos e, assim, tudo indica que essa é uma descoberta lógica".

Entretanto, Aren Maeir, arqueólogo no comando das escavações da cidade filisteia de Tell-es-Safi/Gath e que também não participou da pesquisa atual, adverte contra o excesso de simplificação da história dos filisteus, considerando os vilões bíblicos “um grupo ‘heterogêneo’ ou ‘transcultural’, composto de povos de várias origens.”

“Embora eu concorde totalmente que houve um componente estrangeiro expressivo entre os filisteus no início da Idade do Ferro, esses componentes estrangeiros não tinham uma origem única e, ainda por cima, miscigenaram-se com populações locais levantinas a partir do início da Idade do Ferro”, escreve Maeir, por e-mail.

Para Master, o mais interessante é o fato de que — apesar da rápida assimilação genética pela qual passaram os filisteus — eles permaneceram sendo um grupo cultural distinto claramente identificável entre seus vizinhos por mais de cinco séculos, até serem conquistados pelos babilônios em 604 a.C.

“É interessante notar a mudança tão acelerada na composição genética dos filisteus”, observou o arqueólogo. “Porque, se alguém fosse contar apenas com os textos hebreus, imagina-se que ninguém iria querer uma miscigenação com os filisteus, não é mesmo?”

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