Micróbios misteriosos tornam o gelo polar cor-de-rosa. Saiba como

Comunidades prósperas de algas vermelhas estão fazendo algo nefasto com as camadas de gelo do planeta.

Por Marcello Rossi
Publicado 19 de set. de 2018, 17:25 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Pinguins-gentoo abrem caminho de e para seus ninhos em Port Charcot, Antártida.
Pinguins-gentoo abrem caminho de e para seus ninhos em Port Charcot, Antártida.
Foto de Acacia Johnson

UM SURPREENDENTE ECOSSISTEMA feliz e saudável não está apenas transformando partes do manto de gelo da Groenlândia em um rosa avermelhado: está também contribuindo consideravelmente com o derretimento de uma das maiores massas de água congeladas do mundo.

A neve descolorida não é apenas um fenômeno ártico. “É, na verdade, um acontecimento global”, diz Alexandre Anesio, biogeoquímico da Universidade de Bristol.

“Para que elas possam florescer visivelmente e aumentar o derretimento da neve e do gelo, elas precisam apenas das condições certas que, no mínimo, envolvem nutrientes básicos e o derretimento”, diz Anesio. “Com o aquecimento do clima, a disponibilidade de água em forma líquida proveniente da neve e do gelo aumenta, favorecendo o desenvolvimento de algas da neve e do gelo”.

“Acredito que isso já esteja se tornando um problema nas geleiras árticas, alpinas e himalaias” diz Anesio. O surgimento de neve vermelha e gelo marrom também está acontecendo na Antártida.

E especialistas não estão levando em conta os efeitos do aumento do nível do mar em suas projeções, apesar das crescentes evidências que mostram o que o escurecimento da neve está fazendo com as geleiras do planeta.

O efeito de proliferação das algas

Martyn Tranter é biogeoquímico polar na Universidade de Bristol, no Reino Unido, e líder do projeto “Black and Bloom”, uma empreitada plurianual que busca compreender como e por que a camada de gelo da Groenlândia está derretendo. “Apenas as temperaturas mais altas não explicam o aumento do derretimento. Por isso, tornou-se crucial compreender todos os condutores do derretimento do gelo” ele diz.

Um desses condutores, ele acredita, é o escurecimento causado pela proliferação das algas que cobrem a camada de gelo coberta de neve na Groenlândia todo verão.

“Essas algas são organismos fotossintéticos que produzem moléculas biológicas de proteção solar, protegendo-as do sol, que no verão do Ártico mantém-se acima do horizonte por até 24 horas por dia” explica Tranter, o que escurece a superfície do gelo.

A superfície mais escura diminui seu “albedo”, ou seja, sua habilidade de refletir a luz solar de volta ao espaço, e isso resulta em mais luz absorvida e um maior derretimento.

Com a propagação das algas sobre maiores áreas do manto de gelo, o efeito será agravado, levando a um derretimento ainda maior. Um estudo recente constatou que a floração das algas pode contribuir com até 13% mais derretimento do gelo em uma estação.

“É um ciclo vicioso, como é comum acontecer com as mudanças climáticas” diz Joseph Cook, pesquisador de geleiras da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, e membro da equipe do projeto Black and Bloom. “Mais calor significa mais água de degelo e uma área ainda maior onde as algas podem crescer, escurecendo maiores quantidades de gelo e fazendo com que mais dele derreta”.

O manto de gelo da Groenlândia é o maior fragmento de gelo do Hemisfério Norte. A cada ano, ele perde 270 bilhões de toneladas de gelo devido ao aquecimento do planeta, acrescentando globalmente uma fração de centímetro ao nível do mar. O volume de derretimento vêm acelerando ano após ano e, caso toda essa camada de gelo derreta, ela acrescentaria seis metros ao nível do mar.

Os cientistas estão preocupados porque, se ele derreter mais rápido, seus efeitos serão sentidos nas regiões costeiras de Nova York a Shanghai a Miami, além de áreas de baixa altitude, como Bangladesh e Indonésia.

Até o momento, a floração ainda não foi considerada como um fator contribuinte para o derretimento do gelo ártico, que vem acontecendo em velocidades sem precedentes. A possibilidade, por exemplo, não foi incluída nas estimativas para o aumento do nível do mar publicadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, em seu relatório mais recente, em 2013.

Tranter quer que isso mude. “Nossa missão é fornecer números sólidos. Quanto escurecimento? Em quanta área? Resultando em quanto derretimento? Essas são as questões que nos permitirão estimar quanto derretimento poderá ocorrer devido a isso, aprimorando nossas previsões para o aumento do nível do mar” ele diz.

A história do projeto ‘Black and Bloom’

Em um verão há alguns anos, Tranter trabalhava nas margens sudoeste do manto de gelo da Groenlândia quando notou uma sombra de cor malva na superfície da água de degelo em sua volta.

“Primeiro, achei que era porque estava usando um par de óculos de ciclismo com as lentes rosa, no lugar dos meus habituais óculos de proteção. Mas quanto mais eu olhava, mais padrões eu conseguia ver na superfície do gelo” diz Tranter.

Gradualmente, ele percebeu que havia micróbios crescendo no gelo. Mas quando mencionou aos outros na equipe de pesquisa, eles caçoaram dele, já que sua observação contradizia o consenso geral de que o gelo e neve do Ártico seriam estéreis e desprovidos de vida.

Irredutível, Tranter pediu à Marion Yallop, colega especialista em algas que estava indo trabalhar no mesmo local, para dar uma olhada no gelo no microscópio. O que ela constatou confirmou a suspeita de Tranter: logo abaixo da superfície do gelo viviam algas vermelhas que tornavam o gelo cor-de-rosa.

Suas observações serviram de ponto de partida para o lançamento do projeto Black and Bloom, uma empreitada multidisciplinar de U$4 milhões e cinco anos, que visa estudar o papel dos microrganismos, como bactérias pigmentadas e algas que vivem nas águas de degelo, no escurecimento da superfície do manto de gelo da Groenlândia, acelerando seu derretimento.

O projeto está agora em seu terceiro ano. Até o momento, o projeto já realizou três das quatro expedições de campo planejadas à denominada “zona negra”, uma área vasta na margem oeste do manto de gelo onde a redução do albedo tem sido maior. Os dados da expedição foram apresentados e publicados, e há mais estudos por vir, diz Tranter.

Anesio, que também faz parte da equipe do Black and Bloom, disse: “No geral, eu realmente acredito que nosso entendimento sobre o crescimento das algas do gelo na Groenlândia nos ajudará a prever seu desenvolvimento em outras regiões glaciares do planeta”.

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