Lama tóxica da barragem de Mariana contaminou corais de Abrolhos, diz novo estudo

Pesquisadores da UERJ constataram que chegada de pluma de sedimentos ao parque nacional, no litoral sul da Bahia, ameaça espécies nativas.

Por Kevin Damasio
Publicado 21 de fev. de 2019, 13:18 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Pesquisadores confirmaram que a lama do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), chegou ao ...
Pesquisadores confirmaram que a lama do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), chegou ao Parque Nacional Marinho de Abrolhos. Resíduos tóxicos ameaçam a saúde da vida marinha.
Foto de Enrico Marcovaldi, projeto Baleia Jubarte

Um estudo recente identificou altas quantidades metais pesados, sobretudo zinco e cobre, em corais do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos. A pesquisa é uma nova etapa da investigação sobre o impacto do rompimento da barragem de Fundão, em Minas Gerais, no principal recife de corais do Atlântico Sul, situado em Caravelas, na Bahia.

“Zinco, cobre, arsênio, lantânio, césio – todos os elementos aumentaram em dez vezes durante a chegada da pluma de sedimentos da Samarco, em janeiro de 2016”, observa Heitor Evangelista, professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador da pesquisa, realizada em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Para Evangelista, o resultado da pesquisa “acende o sinal vermelho”. O cientista afirma que o dano já existe e é irreparável, uma vez que os corais incorporaram metais em volumes anômalos, mas que a dimensão do efeito biológico requer mais tempo para ser compreendida. “Muitos dos corais que existem na costa brasileira são nativos daqui, então não podemos levar em conta impactos observados em corais do Caribe e da Indonésia, por exemplo. Precisamos continuar esse monitoramento e realizá-lo em outros lugares de Abrolhos, para saber até onde vai essa contaminação”, afirma.

A pluma de sedimentos liberada pelo rompimento da barragem de rejeitos do Fundão, em Mariana (MG), demorou pouco mais de dois meses para atingir a região do Parque Nacional Marinho de Abrolhos. Análises em laboratório comprovaram a contaminação dos corais.
Foto de Universidade Estadual do Rio de Janeiro

O estudo foi encaminhado para o ICMBio em 4 de janeiro. No dia 10 do mesmo mês, foi submetido à Coordenação Geral de Proteção Ambiental e para à Coordenação de Fiscalização da autarquia – esta última é responsável pela apuração dos impactos da lama de Mariana nas unidades de conservação federais.

“Entendemos que já é um resultado que comprova a relação entre a chegada da lama no mar com o aumento dos níveis de metais”, avalia Fernando Repinaldo Filho, analista ambiental do ICMBio e chefe do Parna Marinho dos Abrolhos. “Agora precisamos da validação das coordenações para direcionar a tomada de decisão, que pode ser representada, por exemplo, pela autuação, responsabilização ou exigência de compensação pelos impactos comprovados.”

Nesta semana, a pesquisa da UERJ está na pauta das reuniões do grupo de trabalho do ICMBio em Vitória (ES), para acompanhar as ações de reparação do rio Doce.

Impactos para além do Rio Doce

O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), aconteceu em 5 de novembro de 2015 e liberou cerca de 50 milhões de m³ de rejeitos de mineração, compostos por óxido de ferro, manganês e sílica. A estrutura pertencia ao complexo minerário de Germano, da empresa Samarco, joint-venture da Vale S.A. A lama alcançou o subafluente Gualaxo do Norte, percorreu cerca de 660 km do rio Doce e alcançou o mar 17 dias depois, em 22 de novembro, na foz situada na vila de Regência, no Espírito Santo.

Pelo caminho, os rejeitos incorporaram outros elementos antes sedimentados no leito da bacia hidrográfica, oriundos “de quase dois séculos de ocupação por minerações, urbanização e industrialização marginais, fertilizantes da agricultura regional e material alóctone resultante do processo erosivo do fluxo sedimentar”, aponta o estudo.

Em janeiro de 2016, técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) constataram que a pluma de sedimentos percorreu 250 km ao norte da foz do rio Doce até o Banco dos Abrolhos, a partir de imagens de satélite.

Em seguida, iniciaram-se sobrevoos para monitorar o percurso da pluma feitos no início por notificação do Ibama, depois por imposição do Termo de Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC), da Justiça Federal. O ICMBio é responsável por acompanhar todos os sobrevoos.

De agosto a dezembro de 2016, a equipe do professor Evangelista, em parceria com o ICMBio, instalou armadilhas de sedimento de fundo. Esta etapa constatou que a pluma de sedimentos de fato chegara a Abrolhos. A pesquisa com a análise dos corais representou a fase seguinte da investigação, para identificar se realmente houve contaminação por metais neste bioma.

O Parque Nacional Marinho de Abrolhos abrange 87.943,14 hectares de bioma marinho costeiro. Estabelecida por decreto em 6 de abril de 1983, a unidade de conservação corresponde a 2% da área total do Banco dos Abrolhos e é habitat de um terço de toda a biodiversidade marinha mundial.

Entre as espécies que habitam a região, 14 ameaçadas de extinção estão protegidas no arquipélago: a anêmona-gigante, a baleia-franca, o tubarão-limão, o coral-de-fogo, a gorgônia, o peixe-néon, as aves marinhas rabo-de-palha-de-bico-vermelho e rabo-de-junco-de-bico-laranja e cinco espécies de estrelas-do-mar.

Os recifes de coral são importantes reguladores da quantidade de carbono na atmosfera, por absorver o CO2 e transformá-lo em esqueleto de carbonato de cálcio, explica Repinaldo Filho. Além disso, “ao menos um quarto das espécies marinhas do Banco dos Abrolhos dependem dos corais em algum momento de sua vida. Consequentemente, os recifes saudáveis garantem o equilíbrio da geomorfologia dos ambientes”.

As conclusões de pesquisa

Os corais são animais cnidários e, à medida que se desenvolvem, produzem um exosqueleto calcário que cresce em forma de camadas que indicam sua cronologia. Estas camadas registram as condições do oceano e o impacto ambiental, como níveis de poluição e temperatura da água do mar, explica Evangelista.

Evangelista estudou duas colônias de espécies diferentes representativas da região e as comparou com análises feitas antes da chegada da pluma de sedimentos nos limites opostos da unidade de conservação. Em 30 de setembro de 2017, coletou a espécie Mussismilia harttii, que habita de águas rasas (2 a 3 metros de profundidade) a profundidades moderadas (15 a 30 metros). Já a Siderastrea siderea vive a até 40 metros de profundidade e foi coletada em 16 de janeiro de 2018.

Durante um ano, a equipe realizou análises em laboratório que avaliaram as composições elementar e isotópica do esqueleto coralino. Já a densitometria calculou o conteúdo mineral e a microtomografia detectou as características morfológicas das amostras. Além disso, o estudo analisou coletas de sedimentos realizadas antes e depois do rompimento da barragem de Fundão nas águas da foz do rio Doce e em áreas de recife de Abrolhos.

Em ambas as espécies os resultados constataram incorporação anômala de zinco e cobre no esqueleto coralino após a chegada da pluma de sedimentos da Samarco, assim como a presença significativa de outros metais, como fósforo, arsênio e bário no Parque Nacional dos Abrolhos. Tais elementos químicos também foram encontrados na foz do rio Doce após a chegada da lama. O coral Siderastrea siderea, por sua vez, demonstrou redução na taxa de crescimento a partir do final de 2015.

“Estes resultados comprovam a grande habilidade dos corais como monitores do impacto no ambiente marinho em Abrolhos relacionado ao aporte sedimentar”, conclui o estudo, “e sobre a necessidade de um acompanhamento de médio/longo prazos dos corais no Parque Nacional Marinho de Abrolhos e em outras comunidades recifais do Espírito Santo e da Bahia.”

Na avaliação de Repinaldo Filho, do ICMBio, essa metodologia de pesquisa passa a ser prioritária para o monitoramento e tem de ser aplicada para outras espécies, a exemplo do coral-cérebro Mussismilia brasiliensis, endêmico de Abrolhos. “A partir dela, nos próximos anos teremos a oportunidade de entender o que vai acontecer com os recifes de coral na região como um todo”, afirma.

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