Finalmente encontrado vulcão colossal por trás do 'misterioso' resfriamento global
A erupção devastou povoados maias e destruiu plantações em todo o mundo.
O gelo da Groenlândia e da Antártida possuem as marcas de um monstro: uma gigantesca erupção vulcânica ocorrida no ano de 539 ou 540 d.C. que matou dezenas de milhares de pessoas e colaborou com o desencadeamento de um dos piores períodos de resfriamento global dos últimos 2 mil anos. Agora, após anos de buscas, uma equipe de cientistas finalmente localizou a origem da erupção.
A pesquisa da equipe, publicada na revista científica Quaternary Science Reviews, apresenta novas evidências que ligam o desastre natural ao Ilopango, um vulcão atualmente adormecido em El Salvador. Os pesquisadores estimam que, em sua erupção no século 6, o Ilopango expeliu o equivalente a 43,77 quilômetros cúbicos de rocha densa, fazendo da erupção um dos maiores fenômenos vulcânicos do planeta nos últimos sete mil anos. A explosão foi mais de cem vezes maior que a erupção do Monte Santa Helena em 1980 e várias vezes maior que a erupção do Monte Pinatubo em 1991. Foi um golpe tão devastador nos povoados maias que mudou para sempre sua história.
“Essa é a maior erupção da América Central já testemunhada pelo homem”, afirma Robert Dull, autor principal do estudo, geólogo da Universidade Luterana da Califórnia. “A importância do fenômeno é ainda maior quando se considera a forma de sua superação pelos maias e seus impactos posteriores.”
O novo estudo ajuda a desvendar um mistério geológico de longa data. Relatos históricos datados do ano de 536 descrevem uma névoa escura que turvou o sol e deflagrou uma onda de destruição nas plantações. Até recentemente, os estudiosos ainda cogitavam a ideia de que essas nuvens fossem reminiscências de um asteroide ou cometa. Contudo dados modernos confirmam que o fenômeno foi vulcânico — e que se deveu a duas erupções com um intervalo de até quatro anos de diferença e não só uma.
Núcleos de gelo extraídos na Groenlândia e na Antártida apresentam picos de sulfato, subproduto de grandes erupções vulcânicas, no ano de 536 e no ano de 539 ou 540. Os dois vulcões eram tão imensos e tão violentos que lançaram partículas e gases sulfurosos a quilômetros de altura. Quando esse material refletiu a luz solar para longe da superfície terrestre, ele desencadeou um intenso resfriamento global: um estudo de 2016 descobriu que os vulcões reduziram as temperaturas mundiais médias em até 2oC.
As plantações no norte da Europa e em outros locais foram assoladas, trazendo fome e doenças. Embora suas ligações com vulcões permaneçam tênues, a infame Praga de Justiniano — que matou milhões de pessoas — teve início em 541, durante o auge do resfriamento.
Geólogos supunham que a erupção de 536 tinha partido de um vulcão de latitude elevada — talvez na Islândia ou no Alasca — e que a erupção de 539/540 tinha ocorrido em uma região tropical. Entretanto as identidades dos vulcões permaneciam desconhecidas.
Uma data predestinada
Anteriormente, alguns cientistas consideravam Ilopango um possível suspeito da erupção de 536. Estava claro que ele tinha entrado em erupção em algum momento entre os séculos 3 e 6 d.C., depositando cinzas e pedras ao longo de El Salvador de modo a criar uma formação rochosa chamada de Tierra Blanca Joven (que significa “terra branca jovem”, em espanhol). No entanto a época exata da erupção do Ilopango — e seus impactos sobre a população local — permaneciam uma incógnita.
No fim da década de 1990, Dull fazia doutorado e estudava o uso passado das terras de El Salvador por meio de uma análise da vegetação em núcleos de sedimentos. Mas quanto mais ele analisava, mais notava uma camada esbranquiçada de cinzas: a Tierra Blanca Joven. “Meu orientador disse: ‘Concentre-se em seu objetivo, esse assunto de vulcão é uma distração.’ Mas não pude me desviar. Quantos morreram? Qual a extensão da área afetada?”, conta Dull.
Em 2001, Dull tentou estimar os efeitos do Ilopango sobre os maias na região, mas não progrediu muito até 2008, quando dois importantes estudos chamaram a atenção de Dull. Em um deles, geólogos publicaram novas evidências de que o histórico “véu de poeira” ocorrido no ano de 536 foi causado por um vulcão. No outro, pesquisadores anunciaram que a Tierra Blanca Joven se estendia por sedimentos marinhos até perto da costa de El Salvador. A erupção da Tierra Blanca Joven foi ainda maior que Dull e outros pensavam.
No entanto identificar a época da erupção do Ilopango — e se ele poderia ter provocado o resfriamento em meados do século 6 — tornou-se um enorme desafio.
Para determinar a época da erupção, os pesquisadores recorreram à datação de radiocarbono, que se utiliza do fato de que plantas vivas (e qualquer ser vivo que se alimentar delas) absorvem traços de carbono 14 radiativo. Animais e plantas param de absorver carbono 14 quando morrem e o carbono aprisionado começa o decaimento pontualmente. Ao contabilizar os subprodutos desse decaimento, os cientistas podem determinar quando a planta ou animal morreu, um indício da idade dos objetos encontrados ao redor.
Porém os níveis de fundo do carbono 14 variam naturalmente ao longo do tempo, o que pode levar a “plateaus”: períodos em que organismos que viveram em décadas diferentes parecem ter a mesma idade de radiocarbono. Por mais que tentassem, os primeiros pesquisadores não conseguiram determinar a época da erupção da Tierra Blanca Joven porque ela estava contida em um plateau de 120 anos entre os séculos 5 e 6 d.C.
Uma forma de evitar plateaus é encontrar árvores dentro dos sedimentos de interesse. Com alguma sorte, as árvores viveram parte de suas vidas antes ou após o plateau. Nesse caso, poderiam gerar dados para determinar a idade da árvore — e, por sua vez, a idade do sedimento.
É por isso que a equipe de Dull ficou empolgada ao saber de uma pedreira a cerca de 16 quilômetros do Ilopango, onde operários que trabalhavam na terraplenagem de uma estrada encontraram árvores intactas na Tierra Blanca Joven. Na época da erupção, a queda suave de cinzas sepultou as árvores como estavam. “Uma delas parecia uma árvore caída recentemente”, afirma Dull. “As condições de preservação nesse local são algumas das mais incríveis que já vi.”
Como as árvores estavam muito bem conservadas, Dull e sua equipe conseguiram determinar sua idade quando a erupção do Ilopango as matou. Esses novos dados — uma centena de novas datas de radiocarbono — indica que a morte das árvores ocorreu na primeira metade do século 6, muito provavelmente entre as décadas de 530 e 540.
A equipe de Dull ainda alterou sua estimativa da dimensão do Ilopango, levando em consideração a espessura e distribuição dos depósitos da Tierra Blanca Joven. Eles dizem que o Ilopango pode ter até sido muito maior que a erupção do Tambora em 1815, um enorme fenômeno vulcânico que causou “um ano sem verão” em razão do resfriamento global que provocou. O Ilopango provavelmente lançou até um milhão de toneladas de enxofre a quilômetros de altura, alto o bastante para os ventos estratosféricos espalharem aerossóis por todo o planeta e desencadear um resfriamento global.
Apenas uma erupção nos dados referentes aos núcleos de gelo condiz com a época e a magnitude do Ilopango e seu provável efeito sobre o clima global: aquela ocorrida em 539 ou 540. “Em 1980, contei a meus colegas que estava decidido a identificar uma data precisa dessa erupção antes de morrer — e finalmente, a identificamos”, afirma Payson Sheets, coautor do estudo, arqueólogo da Universidade de Colorado em Boulder e o primeiro cientista a experimentar o uso da datação de radiocarbono na erupção. “Finalmente, estou satisfeito”.
Recuperação após o apocalipse
Além dos impactos globais, Ilopango foi um fenômeno apocalíptico para quem vivia em El Salvador na época, muitas pessoas viviam em centros maias densamente povoados ou ao seu redor. De 40 mil a 80 mil pessoas morreram diretamente com a erupção, estima a equipe de Dull, esmagados pelas pedras e gases superaquecidos lançados pelos flancos do Ilopango.
Para quem vivia na periferia, o pesadelo do Ilopango estava apenas começando. As cinzas taparam o sol, transformando o dia em noite. Telhados de palha podem ter caído com o peso das cinzas e rochas. Suprimentos de água e alimentos foram dizimados quando mais de meio metro de cinzas enterrou reservatórios e lavouras. Entre 100 mil a 400 mil outras pessoas teriam sido afetadas; quem não morreu de fome ou doenças foi obrigado a fugir, talvez aos centros maias menos afetados em direção ao norte na atual região da Guatemala.
“Essa é uma erupção catastrófica”, afirma Janine Krippner, vulcanóloga do Programa de Vulcanismo Global da Instituição Smithsoniana, que não participou do estudo. “Mesmo com a ciência e a compreensão que possuímos atualmente, esse fenômeno seria muito terrível. (...) Mal posso imaginar o que a população local pensou que estava acontecendo”.
A crise dos refugiados causada pelo Ilopango pode ter alterado a história da cultura maia. Dull afirma que exatamente a forma como ocorreu essa alteração ainda servirá de assunto para pesquisas futuras — mas já existe espaço para especulação. Durante o século 6, os centros maias entraram em um período descrito por alguns estudiosos como um “hiato” na construção de monumentos. Alguns estudiosos maianistas questionam se o hiato realmente existiu, mas, se tiver existido, poderia ser um sinal de uma sociedade ocupada com as consequências do Ilopango?
A erupção do Ilopango também coincide aproximadamente com uma nítida mudança no Período Clássico dos maias. Longe de paralisar a civilização maia como um todo, os centros localizados nas regiões atuais da Guatemala e do México prosperaram após a erupção. Entre meados do século 6 e 900, um período chamado de Clássico Terminal, alguns centros maias aumentaram seu tamanho e influência e acentuaram os conflitos entre eles. É possível que a chegada de refugiados tenha contribuído para uma expansão das populações de alguns centros, mão-de-obra e exércitos.
“Se realmente entre 100 mil e 400 mil pessoas migraram e parte delas, se não a maioria — já que estavam ligadas culturalmente aos maias — migraram para o norte dessa região, esse pode ter sido um dos maiores fatores do Clássico Terminal”, afirma Lisa Lucero, antropóloga da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, que não participou do estudo.
O que está evidente é que anos após a erupção do Ilopango, a paisagem em torno do vulcão mostrou sinais de renovação, durante décadas, Sheets estudou Joya de Cerén em El Salvador, um vilarejo maia sepultado de forma semelhante a Pompeia em outra erupção vulcânica ocorrida em 660 d.C. O vilarejo foi construído sobre a Tierra Blanca Joven. “As pessoas que fundaram a bela cidadezinha fizeram parte dessa recuperação do homem”, afirma Sheets.