Mudanças climáticas já assolam nossa saúde, diz novo relatório do IPCC

Três quartos da população mundial podem sofrer com estresse térmico até 2100 se não controlarmos as emissões de carbono.

Por Sarah Gibbens
Publicado 9 de mar. de 2022, 10:36 BRT
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No deserto do oeste do Paquistão, uma mulher desmaia pelo calor. As mudanças climáticas tornaram as ondas de calor mais frequentes, mas os cientistas dizem que podemos tomar medidas para ajudar as pessoas a se adaptarem ao aquecimento global.

Foto de Matthieu Paley Nat Geo Image Collection (269113)

Quando uma onda de calor sem precedentes atingiu a região noroeste dos EUA no verão passado, a emergência do Centro Médico Harborview, em Seattle, passou a atender pacientes a um ritmo não visto desde os primeiros dias da pandemia do covid-19, diz o médico emergencista Jeremy Hess.

“Foi a primeira vez que me senti parte de uma equipe de cuidados que respondia muito ativamente às mudanças climáticas”, diz Hess, que também é pesquisador de saúde pública na Universidade de Washington. “Pessoalmente, foi meio triste.”

Essa onda de calor de 2021 resultou em mais de mil mortes nos EUA e no Canadá. Um estudo publicado um mês depois descobriu que ela teria sido “virtualmente impossível” sem as mudanças climáticas.

Mudanças climáticas e saúde: o que diz o relatório da ONU?

O calor é apenas um exemplo de como as mudanças climáticas colocam a vida humana em risco, de acordo com um grande relatório publicado na segunda-feira (28/02) pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU.

O relatório abrangente – toca desde agricultura a desenvolvimento urbano –, do qual Hess é coautor, descreve como as mudanças climáticas já nos afetam e como podemos nos adaptar.

Emissões de dióxido de carbono, metano e outros gases de efeito estufa aqueceram o globo em 1,1°C em comparação aos tempos pré-industriais. Com 1,5°C de aquecimento, algo extremamente difícil de evitar neste momento, essas consequências se tornam mais terríveis, e algumas estratégias de adaptação serão menos eficazes.

Se nada mudar, as consequências diretas para a saúde humana serão severas e devem piorar as desigualdades sociais, diz o relatório.

Quem contribuiu menos para as mudanças climáticas – indivíduos de baixa renda e nações em desenvolvimento – terá que suportar o calor extremo, as doenças transmitidas por vetores e péssima saúde mental.

As mudanças climáticas já provocam mortes

“É urgente aumentarmos nossos investimentos e fortalecermos nossos sistemas de saúde”, diz Kristie Ebi, autora do relatório e especialista em saúde global na Universidade de Washington.

“Já estamos vendo pessoas morrerem por mudanças climáticas, e a menos que nos adaptemos, mais pessoas morrerão.”

Hoje, observa o relatório, um terço da população mundial está exposta ao estresse térmico. Dependendo das ações que são tomadas para limitar as emissões, isso pode aumentar para 48 a 76% da população até 2100.

O relatório do IPCC é produzido por alguns dos principais cientistas do mundo, especialistas em suas áreas, que revisam as pesquisas mais recentes sobre mudanças climáticas. O relatório mostra o estado atual das mudanças climáticas e oferece um prognóstico de como ele alterará as condições de vida no futuro.

O último relatório do IPCC que se concentrou em quem foi impactado pelas mudanças climáticas e como devemos nos adaptar foi publicado em 2014, e desde então os cientistas reuniram mais evidências de como as emissões estão mudando o clima. Hoje, pode-se dizer com mais confiança que as mudanças climáticas estão causando desastres e doenças mortais. O capítulo sobre saúde cita mais de 1,6 mil fontes.

Calor extremo, inundações, agravamento de tempestades, seca, poluição atmosférica de incêndios florestais, proliferação de doenças transmitidas por vetores como a febre do nilo ocidental e a malária – o relatório é claro, diz Robert McLeman, co-autor e cientista ambiental da Universidade Wilfrid Laurier, no Canadá: "Os riscos para o bem-estar humano são enormes".

Pela primeira vez, o relatório detalha o impacto que as mudanças climáticas têm na saúde mental. Desastres naturais e seca prolongada estão cada vez mais ligados a transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão.

O relatório também observa que o calor extremo tornou-se mais intenso nas cidades, aumentando substancialmente o risco de morte por calor para moradores de bairros de baixa renda e especialmente para indivíduos sem casa.

[Relacionado: Onda de calor extremo atinge América do Sul. O que acontece com o clima?]

Por que o calor excessivo é tão perigoso para a saúde?

Ondas de calor matam mais pessoas a cada ano do que qualquer outro tipo de evento climático. Um estudo publicado no verão passado descobriu que mais de um terço de todas as mortes relacionadas ao calor podem agora estar diretamente ligadas às mudanças climáticas.

“Humanos são animais tropicais. Evoluímos de um lugar quente no mundo”, diz Larry Kenney, fisiologista da Universidade Estadual da Pensilvânia que não estava envolvido com o relatório do IPCC.

“Em geral, os humanos podem suportar temperaturas muito altas por um curto período de tempo, desde que possamos suar e que o suor possa evaporar.”

Mas o suor não pode evaporar quando a umidade é muito alta – e à medida que o planeta aquece, mais pessoas correm o risco de serem expostas a combinações perigosas de calor e umidade.

Qual é o limite de calor e umidade que um humano pode suportar?

Em experimentos recentes, Kenney encontrou evidências de que o limite letal pode ser significativamente menor do que se pensava.

Em uma sala onde o calor e a umidade podiam ser controlados, Kenney e seus colegas monitoravam a temperatura interna de indivíduos saudáveis enquanto caminhavam em uma esteira ou se sentavam.

Estudos anteriores haviam sugerido que a uma temperatura externa de 35ºC e 100% de umidade, ou 46,1ºC e 50% de umidade, os humanos não seriam mais capazes de evitar um aumento letal na temperatura interna.

Mas Kenney descobriu que o limite era mais baixo: 31ºC a 100% de umidade em indivíduos jovens e saudáveis. Em idosos ou em pessoas com condições como pressão alta, pode ser ainda menor.

“Pessoas morrerão. Essa é a realidade. Muitas ondas de calor têm sido realmente mortais”, diz Mojtaba Sadegh, climatologista da Universidade Estadual de Boise. Uma onda de calor de 2003 na Europa, por exemplo, causou mais de 70 mil mortes.

Quem é que mais sofre o aquecimento global

Sadegh, que não estava envolvido com o relatório do IPCC, publicou um estudo no início deste mês mostrando que, em todo o mundo, pessoas de baixa renda estão 40% mais expostas a ondas de calor perigosas do que as de alta renda, tanto porque são mais propensas a viver em regiões quentes quanto porque são menos propensas a ter acesso a ar-condicionado.

Espera-se que essa desigualdade aumente à medida que as mudanças climáticas se intensificam.

“Se não nos adaptarmos, continuaremos a ver cada vez mais perdas. Ondas de calor piores estão vindo em nossa direção”, diz ele.

Cidades cada vez mais quentes: a saúde em risco

“Temos pensado sobre as mudanças climáticas e como ela afetará nossas comunidades e como teremos que agir de forma diferente por algum tempo”, diz Lauren Jenks, secretária adjunta de saúde pública ambiental do Departamento de Saúde Pública do estado de Washington, Estados Unidos.

“Uma das coisas que aprendemos com nossa onda de calor [de 2021] é o quão frágil a infraestrutura pode ser”, diz ela. Geladeiras de restaurantes e mercearias, por exemplo, não conseguiram manter as baixas temperaturas no calor castigante, forçando os vendedores a jogar fora alimentos perecíveis.

Em Seattle, onde menos da metade das casas da cidade têm ar-condicionado, Jenks diz que a cidade agora está procurando maneiras de todos terem acesso a um ar doméstico ou a um centro de resfriamento comunitário.

Embora as mudanças climáticas se tornem cada vez mais mortais, fornecer acesso mais igualitário aos cuidados de saúde e criar cidades mais resilientes pode salvar vidas, diz o relatório do IPCC.

Efeitos das mudanças climáticas na saúde: estamos preparados?

Os sistemas de alerta antecipado – uma previsão meteorológica detalhada, por exemplo – são ferramentas que os órgãos municipais e estaduais podem usar para ajudar as pessoas a se planejarem para um clima extremo e buscarem recursos quando precisarem, como um centro de resfriamento, diz o relatório.

De acordo com o Ebi da Universidade de Washington, a necessidade de melhorar tanto as redes de energia quanto os sistemas de saúde para o aumento do calor é "urgente e imediata... não estamos preparados''.

“As pessoas estão sofrendo e morrendo agora por mudanças climáticas, e não estamos vendo investimento para nos preparar para um futuro ainda mais quente”, diz ela.

Seu colega Jeremy Hess, que viu o impacto da onda de calor de 2021 de dentro de uma sala de emergência, diz que os socorristas precisam estar melhor preparados para os desastres consecutivos que as mudanças climáticas trarão.

“Vamos ser atingidos por uma onda de calor, depois por um incêndio florestal, então a energia vai se apagar, e então vai acontecer de novo”, diz ele. “Parece apocalíptico, mas é verdade.”

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