Reduzir combustíveis fósseis pode evitar extinção em massa no oceano

Se o consumo não desacelerar, mudanças climáticas podem provocar as piores perdas da vida marinha no oceano nos últimos 252 milhões de anos da Terra, diz um novo estudo.

Por Craig Welch
Publicado 2 de mai. de 2022, 18:53 BRT

Uma tartaruga marinha nada acima do coral no Parque Natural de Recifes de Tubbataha.

Foto de David Doubilet, Nat Geo Image Collection

Perto do final do período Permiano, cerca de 252 milhões de anos atrás, um único supercontinente dominava o planeta. O oceano era repleto de peixes ósseos cobertos por cascos resistentes e escorpiões marinhos do tamanho dos humanos modernos. Artrópodes do corpo segmentado, como trilobitas, dominavam as profundezas, junto com diversos tipos de braquiópodes, que pareciam mariscos, mas não eram, e amonóides, que se assemelhavam a nautiloides sem concha, mas eram mais próximos de lulas e polvos.

Hoje essas criaturas são conhecidas graças ao registro fóssil: no final do Permiano, 90% de toda a vida marinha foi exterminada pelo maior evento de extinção da história da Terra. Os cientistas hoje suspeitam que ele foi causado por liberações maciças de dióxido de carbono, provavelmente da atividade vulcânica em uma região conhecida como Trapps siberianos, uma formação geológica de rocha vulcânica no atual território russo da Sibéria. A causa mais comum de morte, mostrou uma equipe de pesquisadores em 2018, foi provavelmente o estresse fisiológico do aquecimento dos mares e a perda de oxigênio, um subproduto das mudanças climáticas causadas pelos gases de efeito estufa.

Em um artigo publicado na revista Science, dois dos cientistas que fizeram essa descoberta de 2018 argumentam que, se nossas próprias emissões de efeito estufa continuarem sem controle, o aquecimento das águas e a perda de oxigênio no mar podem levar a uma extinção em massa que rivaliza com as cinco piores catástrofes do planeta. Eles sugerem que o desastre pode apagar grande parte da diversificação de espécies que ocorreu desde a extinção do final do Cretáceo, que matou os dinossauros há 65 milhões de anos.

Mas, afirmam os pesquisadores, podemos alterar essa trajetória. Cortar as emissões de gases estufa rapidamente poderia reduzir os riscos de extinção em 70%. A combinação de reduções de gases de efeito estufa com esforços conjuntos para deter a poluição do oceano, a pesca excessiva, a destruição de habitats e outros tipos de pressão no ambiente marinho daria à vida oceânica uma chance ainda maior de sobrevivência a longo prazo.

“Se revertermos nossas emissões rapidamente, ainda podemos perder algo como 5% das espécies marinhas”, diz o coautor Curtis Deutsch, cientista climático da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. “Com 2ºC de aquecimento, você pode ver uma perda de 10%. Haverá uma mudança na comunidade geral de espécies que vivem na maioria dos lugares. Mas esses são números relativamente pequenos. Estaríamos evitando uma extinção em massa.”

Denise Breitburg, especialista em oxigênio oceânico do Centro de Pesquisa Ambiental do Instituto Smithsonian, que não participou do estudo, chama as descobertas de “fortes, mas importantes”. Ela acrescentou que o trabalho oferece uma “base para a esperança” de que “podemos preservar grande parte da vida do oceano”.

“Esse artigo cristalizou as escolhas à nossa frente”, diz Malin Pinsky, cientista oceânico da Universidade Rutgers, em Nova Jersey, Estados Unidos, coautor de um artigo de opinião que apareceu ao lado do estudo. “Parece um momento único na humanidade para preservar o futuro da vida no planeta.”

Água com baixo teor de oxigênio

A chave para a nova pesquisa de Deutsch e o principal autor Justin Penn, pesquisador associado de Princeton, não é apenas descobrir como o aquecimento das temperaturas afeta o oxigênio nos mares, mas também como a vida marinha usa esse oxigênio.

Nos últimos 15 anos, novas pesquisas mostraram que as zonas naturais de baixo oxigênio no oceano estão se expandindo rapidamente, mas de forma desigual, empurrando grande parte da vida marinha para uma faixa cada vez mais estreita de água rica em oxigênio perto da superfície. Essas regiões com pouco oxigênio – da Baía de Bengala a um trecho do Atlântico na África Ocidental e grandes regiões do Pacífico oriental –aumentaram em quase 4,4 milhões km² desde a década de 1960 e estão subindo até um metro por ano. No sul da Califórnia, 200 metros abaixo da superfície, o oxigênio caiu quase um terço em alguns lugares no último quarto de século. As áreas do mar completamente desprovidas de oxigênio aumentaram quatro vezes desde meados do século passado.

Ao contrário das zonas mortas costeiras, como a que aparece regularmente no Golfo do México, essas zonas de baixo oxigênio não são resultado da poluição por nutrientes que escorrem da terra. Elas são impulsionadas pelo aumento das temperaturas. À medida que as águas superficiais aquecem, elas absorvem menos oxigênio dissolvido do ar acima. Como a água quente é mais leve que a água fria abaixo, isso reduz a mistura oceânica, o que significa que menos oxigênio chega nas profundezas.

Esse desenvolvimento já está destruindo a vida marinha, reduzindo o habitat para algumas espécies e concentrando presas para outras. Espécies de peixes de bico, como marlim e agulhão-vela, estão diminuindo em centenas de metros seus mergulhos em busca de comida. Eles – e tubarões, atuns, bacalhaus-do-pacífico, arenques e cavalas – estão passando mais tempo amontoados perto da superfície, tornando mais fácil para as frotas de pesca – ou pássaros e tartarugas-marinhas – capturá-los.

Há outras mudanças, algumas delas estranhas. Alguns caranguejos e lulas lutam para enxergar em condições de baixo oxigênio. Muitos zooplânctons minúsculos, alimento para criaturas maiores no mar, já vivem no limiar de seus níveis mínimos de oxigênio e provavelmente não sobreviverão a mais reduções, a não ser que mudem de lugar. O baixo oxigênio está reduzindo a reprodução de alguns peixes e aumentando as doenças em outros.

A mudança mais significativa envolve a respiração. Quanto mais quente fica, mais oxigênio as criaturas precisam para sustentar suas demandas de energia. Mas isso acontece à medida que o suprimento de oxigênio no oceano reduz.

“É muito, muito perturbador”, diz Matthew Long, cientista oceânico do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos Estados Unidos. “À medida que o aquecimento global continua a progredir, estamos mudando o estado metabólico básico do maior ecossistema da Terra.”

Um cenário improvável, mas instrutivo

Penn e Deutsch reuniram dados metabólicos para dezenas e dezenas de espécies de animais oceânicos, de moluscos a tubarões, de todos os oceanos, latitudes e profundezas, para ver quanto oxigênio cada um precisa para sobreviver. Eles coletaram dados sobre como as temperaturas já estão mudando e, em seguida, usaram simulações de computador para descobrir como a tolerância crítica ao oxigênio e o habitat mínimo exigido por cada espécie provavelmente mudariam à medida que as temperaturas continuassem a subir.

“Há muitas boas razões para pensar que estamos representando uma visão global e capturando um amplo espectro, embora estejamos olhando apenas para um número relativamente pequeno de espécies”, diz Deutsch.

Algumas espécies, como o atum, claramente se moveriam à medida que seu habitat fosse restrito, enquanto espécies menos móveis, como os corais, não teriam essa opção. O registro fóssil também ajudou a dupla a reconhecer quanta perda de habitat é necessária para extinguir uma espécie ou uma população local. Eles calibraram os modelos e suas projeções com base no estudo que haviam feito sobre as mudanças oceânicas causadas pelo evento de extinção do final do Permiano.

Os pesquisadores descobriram que, no cenário de emissões mais altas – em que nossas emissões continuam a subir, o que muitos cientistas dizem agora parecer improvável – o aquecimento do oceano e a perda de oxigênio acabariam com mais espécies até o final do século do que todos os outros estressores oceânicos, como sobrepesca e poluição, combinados. Mas as perdas não serão distribuídas uniformemente. Os mares tropicais perderiam a maioria das espécies, mas muitas delas sobreviveriam mudando-se para regiões mais frias. Criaturas encontradas principalmente em mares de latitudes mais altas, como o altamente produtivo Pacífico Norte, onde grande parte da América do Norte obtém seus peixes, seriam muito mais vulneráveis.

“As espécies tropicais são mais propensas a sobreviver porque, à medida que as condições quentes e hipóxicas se espalham globalmente, essas espécies já estão adaptadas a esses tipos de ambientes”, diz Penn. “As espécies acostumadas ao frio e com alto teor de O2 não têm para onde ir para buscar refúgio.” Esse mesmo padrão – maior risco de extinção para espécies polares – também foi detectado no registro fóssil da extinção do final do Permiano.

Até o final deste século, ele e Deutsch concluem, os gases de efeito estufa em crescimento colocariam o planeta no caminho de uma extinção em massa no nível do Permiano até o ano 2300. Embora esse futuro seja improvável – espera-se que o aumento da energia solar e eólica comecem a reduzir a demanda por combustíveis fósseis, embora muito lentamente – as lições aprendidas são relevantes. Mesmo que o futuro seja menos terrível, os mesmos mecanismos que mataram a vida marinha há 252 milhões de anos continuam em jogo. (As outras quatro extinções em massa do passado foram impulsionadas por outros tipos de mudanças, do resfriamento global ao impacto de asteroides.)

O novo estudo é “um trabalho impressionante”, diz Karen Wishner, oceanógrafa biológica da Universidade de Rhode Island, Estados Unidos. Os pesquisadores “realmente entendem o quadro geral” – mas, acrescenta ela, a vida no oceano é complexa e ainda há muito a aprender sobre como os animais podem reagir às mudanças nas condições. “As espécies individuais têm suas próprias maneiras de se adaptar”, diz Wishner.

O importante, diz Deutsch, é que essas perdas de espécies são previsíveis. “A mudança é bastante linear”, diz ele. Para cada 0,5°C de aumento de temperatura, as extinções de espécies aumentam alguns pontos percentuais.

Em outras palavras, mesmo que controlemos as emissões rapidamente, algumas perdas serão inevitáveis ​​– as temperaturas globais já aumentaram cerca de 1°C. Mas se limitarmos o aumento da temperatura ao que os países concordaram no acordo de Paris de 2015, não mais que 2°C, as perdas provavelmente ficariam abaixo de 10%.

Das 2,2 milhões de espécies oceânicas, esse “ainda é um grande número absoluto”, diz Penn. “Mas é uma ordem de magnitude menor do que poderia ser.”

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