Como destinos estão ajudando turistas LGBTQ+ a viajar com orgulho

Destinos que abraçam comunidades LGBTQ+ são recompensados ​​com visitantes. Seu sucesso mostra como o turismo pode ser mais inclusivo.

Faixas de pedestres em um cruzamento no distrito de Castro, em São Francisco (EUA), são pintadas com as cores do arco-íris da bandeira do orgulho gay. Destinos como a cidade californiana estão trabalhando para que os viajantes LGBTQ+ se sintam em casa.

Foto de Jason Doiy Getty Images
Por Connor McGovern
Publicado 30 de jun. de 2022, 14:54 BRT

Apenas passa de meia-noite, e a Praça de Chueca, em Madri, honra seu título como o coração do bairro gay da capital espanhola. O ar quente estremece com o som de vozes, não só em espanhol, mas também em idiomas de todo o mundo.

Leis progressistas e atitudes amplamente liberais tornaram a Espanha um paraíso para viajantes LGBTQ+ que há muito se aglomeram nas cidades, costas e ilhas do país.

Talvez exista um vínculo natural entre a comunidade LGBTQ+ e o turismo, como diz John Tanzella, presidente da Associação Internacional de Viagens LGBTQ+ (IGLTA, na sigla em inglês).

“A própria natureza de ser LGBTQ+ significa que há uma mente aberta e um desejo de ver o mundo”, explica. "Esta é uma comunidade leal que gosta de viajar várias vezes por ano e sempre gasta muito. De repente, fica claro por que somos alvo das empresas", acrescenta.

Barcelona, Espanha, em uma animada cena gay, principalmente nos bairros de Eixample e Gràcia. Um lugar popular para ver o pôr do sol é no Bunkers del Carmel, no distrito de El Carmel.

Foto de Westend61 Veam, Getty Images

As recompensas podem ser lucrativas: uma pesquisa da consultoria corporativa e gestora de ativos LGBT Capital estima que o setor tenha um poder de compra global de 3,9 trilhões de dólares. Existe até um nome para isso — "dinheiro rosa". Mas as experiências oferecidas em troca nem sempre estão à altura.

“Muitas vezes, os viajantes pagam centenas por noite e têm uma experiência ruim”, explica Simon Mayle, diretor de eventos da Proud Experiences, uma convenção para empresas de viagens LGBTQ+ "Muitas vezes, o que é oferecido é muito pouco." Como exemplos, Mayle cita chinelos para ‘ele’ e ‘ela’ nos banheiros e conversas incômodas sobre camas de casais no check-in. Alguns casais, ele acrescenta, são até rejeitados por completo.

Outros podem coçar a cabeça pensando por que o estabelecimento vê a necessidade de adaptar o serviço para casais heterossexuais — afinal, a maioria dos viajantes procura as mesmas coisas: exploração, relaxamento, paisagens bonitas e locais históricos, de acordo com estudos recentes.

Mas, apesar de todos os pontos em comum, a experiência de viagem em si pode ser muito diferente para a comunidade LGBTQ+: quando e onde demonstrar afeto, leis sobre atividades do mesmo sexo e questões de gênero relacionadas a passaportes, para citar alguns.

 Em 2010, a Preferred Hotels & Resorts criou o programa Preferred Pride  — uma coleção de hotéis que coloca a experiência dos viajantes LGBTQ+ em primeiro lugar. Para Rick Stiffler, vice-presidente sênior de vendas-lazer do programa, isso foi parcialmente motivado pelo desejo de ver mais iniciativa no mundo hoteleiro. Ele acreditava que poucas marcas estavam fazendo esforços reais no que diz respeito à inclusão.

“Queríamos que nossos hotéis realmente se envolvessem com a comunidade, tanto local quanto internacional”, conta. "Se eles realmente estão interessados nesse negócio, precisam mostrá-lo... Se um hotel é inclusivo com pessoas LGBTQ+ então será inclusivo com todos, e isso importa", acrescenta.

Então, como os destinos ao redor do mundo estão representando todo o espectro da comunidade? E o que resta fazer em nome das empresas que procuram anunciar aceitação e igualdade? Este é o estado atual da situação.

Ver o espectro

Nas últimas décadas, existe uma melhor compreensão e serviços mais inclusivos que ajudaram à comunidade LGBTQ+ a ganhar maior confiança ao viajar, mas ainda é preciso se atualizar.

Uma rápida pesquisa de imagens no Google usando as palavras “viagem gay” revela que não faltam casais bem tonificados, amantes da praia e predominantemente masculinos. Para uma comunidade definida por sua diversidade, a realidade on-line ainda pode parecer unidimensional.

Multidões lotam a Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, um destino popular para viajantes LGBTQ+.

Foto de Robert Harding Picture Library Nat Geo Image Collection

Mas alguns países já tomaram nota. Em 2013, a Tailândia lançou seu “Go Thai. Be Free”, com uma lista abrangente de experiências, hotéis e guias de destinos dirigidos à viajantes LGBTQ+, com participação de pessoas de todas as cores e orientações. Enquanto isso, Malta se posicionou como um dos destinos mais acolhedores da Europa por meio de um marketing mais inclusivo, em sintonia com as leis de igualdade aprimoradas no país.

Stiffler acredita que houve uma mudança genuína nas viagens para refletir um público eclético mais do que nunca, incluindo famílias com pais do mesmo sexo e viajantes trans e não binários. “Os anúncios devem incluir pessoas reais da comunidade, não apenas modelos posando em uma praia”, explica.

Jill Cruse é vice-presidente de experiência do hóspede na Olivia Travel, uma operadora sediada em San Francisco com clientela majoritariamente lésbica. Ela está entusiasmada com a afinidade que existe nas viagens em grupo da empresa, que, segundo ela, ganham ainda mais valor após dois anos de isolamento social. 

Ela acredita que os viajantes LGBTQ+ estão vendo novamente o benefício de estar entre pessoas que pensam da mesma forma. “Significa que você é livre para ser você mesmo e, na verdade, não há nada como se sentir aceito.”

Os tipos de viagens que esta comunidade está procurando também estão mudando. Darren Burn, fundador da empresa de viagens LGBTQ+ de luxo Out of Office, diz que destinos LGBTQ+ bem estabelecidos, como Tailândia, Gran Canária e Ibiza, ainda são populares, mas ele também vê viajantes mais confiantes em busca de viagens mais aventureiras. “Também estamos vendo cada vez mais viajantes individuais no mercado; homens gays solteiros em grupos de trilha em Machu Picchu, por exemplo”, relata.

Por mais atraentes que esses destinos possam ser, muitos ainda são hostis, até mesmo perigosos para viajantes LGBTQ+. O rastreador de igualdade Equaldex lista mais de 70 países com leis homofóbicas, vários deles até mesmo impondo pena de morte para atividades entre pessoas do mesmo sexo. Mas ter a mente aberta pode ser benéfico, diz Burn. “Vale lembrar que esses países também têm cidadãos gays”, destaca. “O turismo pode mostrar às pessoas que, afinal, não somos diferentes. ”

Os benefícios de receber viajantes diversos e de mente aberta valeram a pena para alguns destinos. Tel Aviv e Rio de Janeiro, diz Mayle, estão se abrindo não apenas para as recompensas financeiras de uma abordagem inclusiva, mas também para os benefícios mais humanos. “As pessoas LGBTQ+ são, por natureza, acolhedoras e abertas”, diz. “Além disso, muitos de nós temos uma grande rede de pessoas com ideias semelhantes em casa”, complementa.

Começar a agir

Qualquer mudança legislativa começa pelo topo, é claro, mas certos governos representam um desafio para o setor. Nesses casos, as empresas que procuram anunciar diretamente para viajantes gays, lésbicas ou trans raramente podem fazê-lo abertamente.

As Ilhas Seychelles estão entre os poucos países africanos que oferecem proteção para pessoas LGBTQ+.

Foto de Thomas P. Peschak Nat Geo Image Collection

Burn argumenta que esses destinos — que geralmente aceitam reservas de viajantes LGBTQ+ — precisam começar a agir. “Muitos deles dependem do dinheiro desses viajantes, mas eles estão fazendo incursões para mudar as leis?”, pergunta. “Não é justo ter uma regra para os cidadãos e outra para os visitantes.”

Apesar disso, houve um progresso provisório em países que, até recentemente, estavam muito atrasados em termos de igualdade. Em 2019, o Tribunal Superior de Botswana decidiu a favor da descriminalização da homossexualidade, e nos últimos anos movimentos semelhantes foram feitos nas Ilhas Seychelles, Moçambique, Trindade e Tobago.

A mudança leva tempo, diz Cruse, alegando que alguns destinos, como as Bahamas, hesitaram em receber um cruzeiro lésbico no início dos anos 1990. “Uma vez que nós [a empresa] entramos no mercado, as pessoas nos conheceram e perceberam que não éramos diferentes. As coisas começaram a mudar. ”

Mayle acredita que ainda não é tarde para as empresas que desejam fazer uma mudança positiva, mas a chave é fazê-lo com propósito e autenticidade. Tanzella concorda, dizendo que o discurso já não é suficiente para convencer os viajantes de que a indústria se importa. “Se você afirma apreciar a diversidade, mas seu conselho de diretores é todo igual, você não está sendo coerente”, aponta. “Você precisa realmente acreditar no que você faz. ”

Streff diz que os viajantes de hoje são experientes e que um adesivo de arco-íris na janela não é ruim, mas precisa ir muito além. “A diversidade precisa ser refletida também nos bastidores, para que os consumidores compreendam que é genuíno”, ressalta.

A autenticidade funcionou para Madri, pelo menos. Claro, há bandeiras de arco-íris e adesivos em abundância, mas o que realmente conta é o progresso: esta é a capital de um país onde o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi legalizado em todo o país em 2005 — o terceiro país do mundo a fazê-lo depois da Holanda e Bélgica. Talvez seja a prova de que, se você mostrar ao mundo que tem a mente aberta, as pessoas virão.

Outras nações poderiam tomar nota: afinal, onde os viajantes LGBTQ+ vão, outros seguem. “Aconteceu com Ibiza, e agora estamos vendo isso com Mykonos — de repente todo mundo está indo”, diz Burn. "É quase uma questão de 'para onde os gays irão depois?'"

CINCO CIDADES PARA VER

Brighton e Hove, Reino Unido
Depois de quase três anos de pandemia, desde que a cidade sediou pela última vez um evento Pride, este verão será o retorno da maior (e possivelmente a melhor) celebração Pride do país. Um fim de semana repleto de shows, desfiles, festas de rua, cabaré e até um show de cães serão parte das comemorações atrasadas dos 30 anos. De 5 a 7 de agosto.

Belgrado, Sérvia
Embora as atitudes na Sérvia permaneçam ambivalentes, as leis melhoraram consideravelmente na última década. A primeira-ministra abertamente gay, Ana Brnabić, assumiu o cargo em 2016 e, este ano, a cidade sediará o Europride, o maior festival do orgulho gay do continente. Eventos anteriores na cidade enfrentaram intensa hostilidade, então, este é um momento decisivo para a comunidade LGBTQ+ do país. De 12 a 18 de setembro.

Toronto, Canadá
Em dezembro, o Canadá seguiu países como Brasil, Alemanha e Malta ao proibir a controversa prática da terapia de conversão — outro sinal da postura progressista do país em relação à igualdade. A multicultural Toronto é o nexo da cena LGBTQ+ do país — pronta para ganhar vida por um mês de celebrações Pride em Junho.

Valeta, Malta
Malta liderou o Índice ILGA-Europe Rainbow pelo sexto ano consecutivo, em 2021. A métrica analisou as políticas de igualdade de 49 países europeus e descobriu que Malta tem uma mentalidade aberta e está muito à frente de muitos de seus vizinhos, com alterações recentes que incluem uma política atualizada para reivindicações de refugiados LGBTQ+.

Sydney, Austrália
A cidade australiana cosmopolita assume o rol de anfitrião do World Pride em fevereiro de 2023. Esta será a primeira vez que o evento será realizado no Hemisfério Sul, então, espere um programa comemorativo de 17 dias de Marchas do Orgulho, festas na praia, conferências e Primeiro Concerto de Gala das Nações. De 17 de fevereiro a 5 de março de 2023.

Connor McGovern é editor comissionado da National Geographic UK. Você pode encontrá-lo no Twitter.
Este artigo é adaptado de uma história publicada na edição de abril de 2022 da National Geographic Traveler (Reino Unido).

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