Surto de febre amarela está dizimando bugios de São Paulo [imagens fortes]

Mais da metade dos bugios selvagens do estado e 90% do município podem ter morrido desde julho de 2016. Violência humana também preocupa pesquisadores.

Por Victor Moriyama
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Publicado 17 de mai. de 2018, 17:59 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
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Corpo de macaco bugio é analisado no Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres do Parque Anhanguera, em São Paulo. Os dados oficiais estimam que 2,5 mil bugios, de uma população de 40 mil, foram mortos entre julho de 2016 e janeiro de 2018. No entanto, esse número pode ser apenas 10% do total de mortes.
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Era um fim de tarde de outubro de 2017 quando Thais Sanches, veterinária da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), recebeu a carcaça de um macaco bugio na unidade de Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres do Parque Anhanguera, Zona Norte de São Paulo. “Ele chegou em estado avançado de decomposição, cheio de larvas”, conta ela, responsável pela necropsia do primata.

A morte do bugio, encontrado no Parque Horto Florestal, era uma evidência de que o vírus da febre amarela, originário provavelmente da Amazônia, tinha, pela primeira vez, atingido a região metropolitana da capital paulista. “Os meses de novembro e dezembro foram terríveis. Chegávamos a receber 14 carcaças por dia e não podíamos fazer nada para ajudá-los”, lembra a veterinária. “Estou acostumada a fazer necropsias, mas a quantidade de animais mortos foi tão grande que chorávamos em alguns procedimentos”, desabafa.

Poucos dias depois da primeira necropsia, o Instituto Adolfo Lutz confirmou o contágio do primata por febre amarela. O Horto e o vizinho Parque da Cantareira foram fechados a fim de evitar o contágio de pessoas.

O bugio é mais sensível ao vírus que outras espécies de macacos, como saguis ou macacos-prego. Em todo o estado de São Paulo, estima-se que 2,5 mil bugios, de uma população de 40 mil, foram mortos entre julho de 2016 e janeiro de 2018 – a maioria vítima de febre amarela, segundo dados do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE).

Contudo, para Adriano Pinter, pesquisador da Superintendência do Controle de Endemias (Sucen), a falta de notificação das mortes leva a crer que esses números seriam ainda maiores. “Acredito que perdemos mais da metade da população de bugios do estado de São Paulo e 90% da população da região metropolitana da capital”, diz Pinter.

Violência humana

Além das mortes por febre amarela, os primatas também sofrem com ações de violência humana. Em cidades mais próximas a florestas – como Mariporã e Aitibaia, locais com alta concentração de bugios –, macacos foram encontrados envenenados por chumbo colocado em bananas. Casos de espancamento também foram relatados.

Mas a violência contra os animais, além de cruel, é burra: os bugios não transmitem a febre amarela para os humanos e ainda atuam como sentinelas da floresta. Por serem mais sensíveis, eles são os primeiros bioindicadores da presença do vírus na mata. O motivo para a alta letalidade por febre amarela ainda é incerto, mas uma das hipóteses é de que a espécie é mais lenta e, portanto, mais suscetível às picadas. [ Veja também: Macacos infectados pela febre amarela não contagiam os seres humanos ]

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    O Parque da Independência, que abriga o Museu do Ipiranga, foi um dos cerca de 30 parques municipais de São Paulo a fecharem as portas para evitar a contaminação de seres humanos por febre amarela.
    Foto de Victor Moriyama

    Os macacos são infectados pelos mosquitos transmissores Haemagogus e Sabthes, responsáveis pela versão silvestre da febre amarela, que infectou 1,261 pessoas em todo o país entre julho de 2017 e 8 de maio de 2018, segundo dados do Ministério da Saúde. No total, 409 pessoas morreram neste período em decorrência da doença. Todos os óbitos ocorreram em populações que moram em áreas consideradas de risco, a até 300 metros de fragmentos de floresta onde vivem mosquitos e macacos.

    A versão urbana da doença – clinicamente igual à silvestre –, surge quando uma pessoa infectada é picada pelo mosquito Aedes aegypti, que passa a ser o transmissor do vírus na cidade. A febre amarela urbana não é registrada no Brasil desde 1942.

    Adriano Pinter desenvolveu um mapa no qual podemos compreender a evolução da epidemia da febre amarela no estado de São Paulo como uma onda. “O vírus é como um incêndio, ele anda para frente na medida em que se expande para novas áreas e não volta para locais que já foram queimados. O fogo é o mosquito e o capim, o macaco”, explica Pinter. Quando chegam a um fragmento de mata nativa, os mosquitos transmissores da doença infectam os macacos bugios no topo das árvores. Sensíveis à doença, os macacos morrem em poucos dias e os mosquitos voam em busca de novos vetores vivos.

    Desmatamento e altas temperaturas

    Alguns pesquisadores avaliam que o avanço da febre amarela pode estar associado ao desmatamento florestal. Em grandes áreas de mata preservada, os mosquitos sofrem concorrência de outras espécies e sobrevivem sugando o sangue de outros animais, não só o de macacos. Regiões preservadas de Mata Atlântica na região Sudeste, por exemplo, oferecem uma barreira natural contra a doença. Já em áreas onde os fragmentos de floresta são menores, a ocorrência do vírus tende a ser maior.

    “O pior cenário é o do desmatamento desenfreado. As áreas preservadas não se comunicam, são fragmentos que não se conectam e isso faz com o que o mosquito voe e se expanda de maneira acelerada, onde chega a percorrer até 2,7 km por dia em busca de uma nova área”, afirma Pinter.

    Os bugios do Centro de Manejo de Animais Silvestres do Parque Anhanguera são protegidos por telas de proteção contra mosquitos.
    Foto de Victor Moriyama

    Outro fator que pode contribuir para o avanço da epidemia são as mudanças climáticas. Os mosquitos Haemagogus e Sabthes são endêmicos da região amazônica, mas viajam para o interior do país a cada oito anos. Em 2008 e 2009, por exemplo, houve dois casos de febre amarela registrados no estado de Minas Gerais – algo que não aconteceu entre 2010 e 2016. Contudo, para Adriano Pinter, algo mudou nos últimos 10 anos. “Alguma barreira natural que impedia que o vírus chegasse foi comprometida. Acreditamos que a elevação da temperatura global seja um destes motivos”, diz ele.

    A Sucen está cruzando os dados das temperaturas médias dos invernos e a taxa de febre amarela para avaliar o deslocamento da doença no país. “Nos últimos anos, tivemos invernos mais quentes e observamos a transmissão do vírus no período. Isso nunca aconteceu antes porque nos invernos rigorosos todos os mosquitos morrem”, diz Pinter. Estima-se que, em baixas temperaturas, o mosquito consiga se deslocar apenas 300 metros por dia.

    Neste ano, apesar de já nos aproximarmos do inverno, o ciclo da febre amarela ainda parece estar longe do final. Estudos do CVE indicam que, neste momento, os mosquitos estão se deslocando pela região do Vale do Paraíba e litoral sul de São Paulo, e devem alcançar a cidade de Joinville na primavera. “A onda de transmissão chegará até os pampas, onde não encontrará receptores e logo se encerrará”, comenta Pinter.

    Preservação dos primatas

    Na contramão da epidemia que dizimou a população de bugios na cidade de São Paulo, o Parque Fontes do Ipiranga, que abriga instituições como o Jardim Botânico e o Parque Zoológico, implementa ações para preservar os macacos paulistanos. Fechado em janeiro de 2018, depois da morte de um bugio por febre amarela, o parque e o zoológico foram reabertos em março. “Colocamos telas nos espaços onde ficam os primatas sob risco de extinção, como o mico-leão-dourado e o mico-leão-de-cara-dourada, para evitar que o mosquito extermine também essas espécies”, detalha Pinter.

    Quanto aos bugios, o parque, em parceria com o setor de veterinária do zoológico, pretende criar uma população de “back-up”, caso o animal seja exterminado na cidade. O macaco Billy, um bugio adulto, é o primeiro a integrar o programa de conservação e sua saúde é monitorada de perto. “Ele será fundamental para a reprodução da espécie e depois retornará à mata vizinha ao zoológico”, diz Fabricio Rassy, veterinário responsável pelo programa.

    Veterinários do zoológico de São Paulo realizam testes e exames de rotina no macaco Billy, capturado na mata para servir como reprodutor caso a espécie seja exterminada das matas do município.
    Foto de Victor Moriyama

    Diretora da Divisão de Fauna da SVMA, Juliana Summa realiza a reinserção dos animais silvestres na natureza há mais de uma década. Neste ano, entretanto, os bugios do Parque Anhanguera, onde ela trabalha, deverão permanecer presos sob os cuidados de sua equipe. “Só conseguiremos medir o verdadeiro impacto sobre a população de bugios depois que acabar o surto da febre”, explica ela.

    A bióloga lamenta o extermínio dos bugios, importantes dispersores de sementes e conhecido pelos gritos guturais que podem atingir 132 decibéis – tão alto quanto uma britadeira. “É muito triste. Na Zona Norte, morreram todos de uma vez. As pessoas que moram próximas à Cantareira e ao Horto deixaram de escutar seus gritos tradicionais”.

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