“Se não agirmos rápido, o tamanduá-bandeira corre o risco de ser extinto”

Explorador da National Geographic, o biólogo Vinicius Alberici participa de uma série de ações voltadas para a conservação da espécie, como o projeto que visa mitigar os impactos dos atropelamentos nas populações de tamanduá-bandeira do Cerrado.

Por Gabriel de Sá
Publicado 6 de abr. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT

Além de servirem de alimento para algumas espécies de grandes predadores carnívoros, os tamanduás-bandeiras atuam no controle das populações de insetos, como formigas e cupins.

Foto de Vinicius Alberici

O simpático tamanduá-bandeira esteve presente em todos os seis biomas brasileiros. Hoje, contudo, a espécie é considerada possivelmente extinta nos Pampas. Já na Caatinga e na Mata Atlântica, segundo o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), o status é de “quase extinta”. Com populações relativamente estáveis no Pantanal e na Amazônia, o tamanduá-bandeira vem sofrendo drásticas reduções no Cerrado, onde há maior concentração da espécie. A ameaça é causada por motivos que vão da fragmentação do habitat aos incêndios, caça e atropelamentos. O biólogo e conservacionista Vinicius Alberici, explorador da National Geographic, vem concentrando seus esforços para mudar essa realidade, como ele conta nessa entrevista.

Durante o mestrado, Vinicius Alberici revisou a distribuição do tamanduá-bandeira e indicou áreas prioritárias para a conservação da espécie nos biomas brasileiros.

Foto de Robin Moore

Por que você optou por estudar especificamente os tamanduás?

A primeira vez que vi um tamanduá-bandeira na natureza foi no Pantanal. Na época, eu cursava o segundo ano de Biologia na Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto. Como um jovem biólogo, nascido e criado no interior de São Paulo, assistindo a documentários sobre vida selvagem e lendo revistas da National Geographic, lembro de ter ficado em êxtase ao ver aquele curioso animal. Embora eu já soubesse na época que queria trabalhar com conservação, nunca imaginei que um dia faria parte de um esforço maior para salvar a espécie da extinção. Alguns anos depois, ao terminar minha graduação, um professor meu, grande especialista em preguiças (os primos mais próximos dos tamanduás), se interessou em trabalhar com o tamanduá-bandeira no estado de São Paulo, onde havia pouca informação. Foi então que iniciei meus estudos de pós-graduação (mestrado e doutorado). Durante o mestrado, revisei a distribuição da espécie e indiquei áreas prioritárias para a sua conservação nos biomas brasileiros. Em 2018, iniciei o doutorado e me juntei ao Projeto Bandeiras e Rodovias, com o objetivo de compreender e mitigar os impactos das estradas nas populações de tamanduá-bandeira do Cerrado.

Qual é a importância desses animais nos ecossistemas que eles habitam?

Tamanduás-bandeiras podem servir de alimento para algumas espécies de grandes predadores carnívoros, como a onça-pintada e a onça-parda. Além disso, os tamanduás atuam no controle das populações de insetos, como formigas e cupins.

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    “O Brasil é um dos países com maior diversidade biológica do mundo e tem grande responsabilidade na conservação da natureza. ”

    por Vinicius Alberici
    Biólogo

    E como podemos definir os riscos que os tamanduás correm atualmente no país?

    No Brasil, embora historicamente o tamanduá-bandeira tenha ocorrido em todos os biomas, de acordo com a avaliação mais recente realizada pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), a espécie é considerada possivelmente extinta nos Pampas, e quase extinta na Caatinga e na Mata Atlântica, onde os registros mais recentes são muito raros. Embora relativamente estável no Pantanal e na Amazônia, o tamanduá-bandeira vem sofrendo drásticas reduções populacionais no Cerrado, bioma que provavelmente abriga a maior fração da população da espécie. As principais ameaças ao tamanduá-bandeira hoje são a perda e a fragmentação de habitat, os incêndios, a caça e os atropelamentos.

    Quais características fazem dos tamanduás animais únicos?

    O tamanduá-bandeira é um mamífero de médio porte, parente das preguiças e dos tatus. É o maior entre os tamanduás, podendo atingir 2 metros de comprimento e pesando cerca de 40 kg. Esses animais têm uma cauda grande, com pelos grossos, e é por causa dela que recebem seu nome popular: “bandeira” (em espanhol, é chamado de oso hormiguero ou urso-formigueiro; em inglês, de giant antater ou gigante comedor de formigas). O tamanduá-bandeira possui um focinho alongado e uma boca sem dentes. Eles usam suas garras dianteiras afiadas para desenterrar formigas e cupins, que capturam com a ajuda de uma língua comprida (chega até 60cm) e pegajosa. Tamanduás-bandeiras podem comer até 30 mil formigas em um único dia. Ao nascer, o filhote de tamanduá sobe nas costas da mãe, que o carrega por cerca de seis meses. Se olhar com atenção, perceberá que as listras pretas e brancas da mãe e do filhote se alinham perfeitamente, servindo como camuflagem contra possíveis predadores. O tamanduá-bandeira é uma espécie endêmica da região neotropical e ocorre nas Américas do Sul e Central. Eles vivem em ambientes abertos e florestais. Apesar de preferirem habitats naturais, sua presença em paisagens agrícolas e até mesmo urbanas não é tão incomum. O tamanduá-bandeira não tolera ambientes muito frios, nem muito quentes. Nos períodos mais quentes do dia, ele gosta de descansar sob a sombra das árvores, ou tomar um banho para se refrescar.

    Vinicius Alberici monta uma armadilha fotográfica para registrar os animais. O projeto Bandeiras e Rodovias tem como objetivo entender, quantificar e mitigar os impactos das estradas nas populações de tamanduá-bandeira. 

    Foto de Bruna Oliveira

    Uma das principais ameaças ao tamanduá-bandeira é o atropelamento, particularmente no Cerrado do Mato Grosso do Sul. A espécie está entre os de mamíferos com maior taxa de mortalidade nas estradas brasileiras.

    Foto de Débora Yogui

    Por que devemos focar na conservação de espécies específicas da biodiversidade brasileira?

    A conservação de espécies brasileiras da fauna e da flora, bem como dos ambientes em que elas vivem, garante a sustentabilidade dos recursos naturais e a manutenção de serviços ecossistêmicos essenciais ao bem-estar humano. O Brasil é um dos países com maior diversidade biológica do mundo e tem grande responsabilidade na conservação da natureza. Ações de conservação que reduzam o risco de extinção das espécies ameaçadas são positivas para o meio ambiente e para a sociedade brasileira.

    Conte um pouco sobre os esforços de conservação para essa espécie.

    Uma das principais ameaças ao tamanduá-bandeira é o atropelamento, particularmente no Cerrado do Mato Grosso do Sul. O Cerrado está passando por um rápido desenvolvimento agrícola e é fragmentado por uma rede cada vez maior de estradas. O tamanduá-bandeira está entre as espécies de mamíferos mais atropeladas e a alta mortalidade de indivíduos nas estradas representa uma séria ameaça à sobrevivência da espécie. O Projeto Bandeiras e Rodovias é um projeto de conservação que surgiu da necessidade de lidar com essa ameaça. Esta iniciativa pioneira envolve uma equipe multidisciplinar, com mais de 15 pessoas e 40 parceiros, coordenada pelo biólogo Arnaud Desbiez, e tem como objetivo entender, quantificar e mitigar os impactos das estradas nas populações de tamanduá-bandeira. Especificamente, queremos avaliar os efeitos das estradas no comportamento, na estrutura populacional e na saúde da espécie. Para isso, estamos monitorando indivíduos com colares GPS e armadilhas fotográficas, além de monitorar as estradas. Em apenas três anos de monitoramento, foram registrados mais de 750 tamanduás-bandeira atropelados nas estradas do Mato Grosso do Sul. Também procuramos envolver as comunidades locais na conservação da espécie, além de contribuir para a elaboração de estratégias de manejo e medidas mitigadoras dos impactos negativos das estradas na biodiversidade. O meu projeto do EDGE surgiu justamente para cumprir um dos objetivos do Projeto Bandeiras e Rodovias.

    Existem outras iniciativas para a conservação da espécie no Brasil, como as desenvolvidas pelo Instituto Tamanduá, o Instituto Jurumi e o Projeto TamanduASAS. Em 2019 foi elaborado o primeiro Plano de Ação Nacional (PAN) para a conservação do tamanduá-bandeira e do tatu-canastra, que tem como objetivo minimizar as principais ameaças que acometem as espécies nos próximos cinco anos (2019-2024) e estabelece estratégias prioritárias de conservação para estes dois táxons ameaçados de extinção. Por enquanto, é muito cedo para saber se os esforços de conservação estão surtindo efeito na recuperação da espécie.

    “A conservação de espécies, bem como dos ambientes em que elas vivem, garante a sustentabilidade dos recursos naturais e a manutenção de serviços ecossistêmicos essenciais ao bem-estar humano. ”

    por Vinicius Alberici
    Biólogo

    E quando as populações de tamanduás começaram a diminuir?

    Não se sabe ao certo, pois carecemos de informações sobre monitoramento das populações desta espécie. O tamanduá-bandeira foi incluído pela primeira vez na lista de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) há quase 40 anos (1982). Atualmente é classificado como vulnerável à extinção nesta lista porque, apesar de sua ampla distribuição, vem enfrentando extinções locais, principalmente devido à perda e à fragmentação de habitat, aos incêndios, à caça e aos atropelamentos. De acordo com a última avaliação da IUCN, é provável que a população tenha sofrido uma redução de mais de 30% nas últimas três gerações.

    Como as mudanças climáticas afetam a redução da população dessa espécie?

    Os tamanduás, assim como as preguiças e os tatus (grupo também conhecido como Xenarthra) estão entre os mamíferos placentários com as menores taxas metabólicas basais. O metabolismo lento está diretamente associado à dieta pouco nutritiva dessas espécies – no caso dos tamanduás, formigas e cupins. Por conta dessa limitação fisiológica, esses animais não toleram variações extremas de temperatura (muito frio ou muito calor). Esse é inclusive um dos fatores que restringem a distribuição geográfica do tamanduá-bandeira. Isso explica alguns hábitos da espécie, como se abrigar no interior da floresta ou se banhar nos períodos mais quentes do dia, além de se cobrir com a própria cauda ao deitar para dormir. Por isso, é plausível a hipótese de que as mudanças climáticas podem afetar a espécie direta ou indiretamente, por meio do aumento na variação de temperatura, com a maior incidência de temperaturas extremas que podem afetar tanto os indivíduos quanto o ambiente ocupado pelo tamanduá-bandeira.

    Tamanduá-bandeira capturado por armadilha fotográfica, parte do projeto Bandeiras e Rodovias.

    Foto de Vinicius Alberici

    Como a perda dessa espécie afetaria o ecossistema em que vive e a Terra em geral?

    Ao perdermos uma espécie, uma parte importante da história evolutiva se perde com ela – os tamanduás pertencem a um grupo muito antigo de mamíferos, originados no nosso continente, e são animais únicos pela sua anatomia, fisiologia, ecologia e genética. São presas e predadores importantes na cadeia alimentar. Com a sua extinção, extinguem-se também novas possíveis descobertas científicas. Além disso, são animais carismáticos e despertam o interesse das pessoas. Eu desejo que meus filhos possam se encantar um dia ao observar um tamanduá-bandeira na natureza.

    Como um cidadão comum pode colaborar com tarefas de conservação?

    Algumas maneiras pelas quais você pode ajudar:

    - Aprenda mais sobre espécies ameaçadas de extinção, como o tamanduá-bandeira, e as principais ameaças à sua sobrevivência, como o desmatamento, a caça e os atropelamentos. Ensine seus amigos e familiares sobre isso. Compartilhe o que aprender.

    - Visite uma Unidade de Conservação (ex. Parque Nacional, Estação Ecológica) ou qualquer outra área protegida perto de você. Estes são alguns dos melhores lugares onde você pode se conectar com a natureza e a vida selvagem.

    - Visite o zoológico! Muitos jardins zoológicos desempenham um papel fundamental na conservação de espécies ameaçadas de extinção. Saiba mais sobre seus programas de conservação e como você pode contribuir. O Projeto Bandeiras e Rodovias é financiado por muitos zoológicos, incluindo o Disney Conservation Fund.

    - Procure conhecer os projetos de conservação das espécies ameaçadas que despertam o seu interesse e entre em contato para saber como ajudar.

    O tamanduá-bandeira possui um focinho alongado e uma boca sem dentes. Usam as garras dianteiras afiadas para desenterrar formigas e cupins, que capturam com a ajuda de uma língua comprida e pegajosa. Podem comer até 30 mil formigas em um único dia.

    Foto de Vinicius Alberici

    Se os projetos de conservação continuarem, qual é a projeção que essa espécie poderá ter em 10 anos?

    É muito difícil prever o futuro da espécie. A segunda fase do Projeto Bandeiras e Rodovias irá focar em medidas mitigatórias para diminuição dos atropelamentos, além de buscar compreender melhor a biologia reprodutiva do tamanduá-bandeira. Um aprendizado importante é que a conservação depende das pessoas. No Cerrado do Mato Grosso do Sul, por exemplo, desenvolvemos nossas atividades em propriedades privadas, o que só é possível com o apoio dos fazendeiros. O engajamento das comunidades locais é fundamental para proteger a espécie, principalmente fora de áreas protegidas, onde o cenário é ainda mais preocupante. Por isso, estamos ampliando nossas atividades de educação e comunicação ambiental. Ainda é cedo para afirmar o impacto das ações de conservação, mas uma coisa é certa: se não agirmos de maneira rápida e eficiente, o tamanduá-bandeira corre o risco de ser extinto na natureza.

    Se você deseja doar para o Projeto Bandeiras e Rodovias, visite o site. Para saber mais sobre o trabalho, siga no Facebook e no Instagram.

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