Fumaça dos incêndios florestais pode prejudicar baleias e golfinhos – veja como

Conforme os incêndios avançam pela costa oeste da América do Norte, os cientistas temem que os mamíferos marinhos sejam prejudicados pela inalação de fumaça, fenômeno ainda não estudado.

Por Brishti Basu
Publicado 6 de out. de 2020, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Fumaça encobre Mondos Beach, perto de Ventura, Califórnia, em 2017. Golfinhos e botos que nadam perto ...

Fumaça encobre Mondos Beach, perto de Ventura, Califórnia, em 2017. Golfinhos e botos que nadam perto da costa são particularmente vulneráveis a inalar fumaça.

Foto de Mark Ralston/AFP, Getty Images

Existem poucas pesquisas sobre como os mamíferos marinhos são afetados pela exposição prolongada à fumaça e substâncias químicas liberadas durante os incêndios florestais, mas se as consequências da explosão da plataforma petrolífera Deepwater Horizon no Golfo do México servirem como indicador, esses animais podem sofrer sérios efeitos na saúde nos próximos anos.

Dez anos atrás, quando trabalhava como socorrista em Nova Orleans, a veterinária Cara Field viu com seus próprios olhos como o pior derramamento de petróleo da história dos Estados Unidos afetou a vida selvagem da região. O derramamento liberou mais de 757 milhões de litros de petróleo no oceano e grande parte subiu à superfície. Como parte da limpeza, as equipes queimaram esse petróleo. Mas uma pesquisa realizada apenas cinco anos depois indicou que os golfinhos-nariz-de-garrafa que respiraram a fumaça carregada de substâncias químicas desenvolveram doenças pulmonares graves, ficaram mais propensos a infecções e suas crias morriam em taxas mais elevadas.

Field, atualmente diretora médica do Marine Mammal Center, organização sem fins lucrativos voltada para a conservação em Sausalito, Califórnia, teme que os mamíferos marinhos ao longo da costa oeste da América do Norte possam enfrentar um destino semelhante durante a temporada de incêndios florestais desastrosos, que destruíram quase três milhões de hectares.

A fumaça de incêndios florestais é composta por uma série de gases, incluindo monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio, hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHs) e partículas nocivas, que comprovadamente aumentam os riscos de doenças respiratórias e cardiovasculares em humanos.

As baleias, os golfinhos, os botos e outros mamíferos marinhos estão adaptados à vida no mar, onde há menos poluentes atmosféricos do que em terra firme, portanto “ficam mais suscetíveis a lesões por partículas inaladas”, explica Field. Isso pode ter consequências graves para espécies como lontras marinhas e orcas, ou “baleias assassinas”, que já estão em declínio na região.

Uma vez que não se sabe exatamente como a fumaça dos incêndios florestais afeta os mamíferos marinhos e o potencial dessa ameaça, Field incentiva os cientistas da Costa Oeste a começarem a coletar dados agora sobre a saúde dos mamíferos marinhos nas áreas afetadas pelos incêndios. Embora não haja relatos de mamíferos marinhos encalhados sofrendo com a inalação de fumaça nesta temporada de incêndios, ainda é possível que isso ocorra, diz Field.

“Agora é a hora de obter os dados de referência, escolher quais amostras procurar e começar a identificar espécies ou populações que seriam possíveis candidatos para estudo”, afirma ela.

Anatomia vulnerável

A anatomia das baleias, golfinhos e botos os deixa mais vulneráveis aos efeitos nocivos da fumaça de incêndios florestais, diz Field. Como eles trocam grandes quantidades de ar rapidamente através de seus espiráculos, podem inalar com facilidade partículas de fumaça.

Um lobo-marinho-de-guadalupe nada em uma piscina no Marine Mammal Center, em Sausalito, em meio à fumaça dos recentes incêndios florestais da Califórnia. O animal foi resgatado antes do início das queimadas.

Foto de Bill Hunnewell, The Marine Mammal Center, Noaa Permit #18786

Eles também não têm seios paranasais e outras estruturas nasais encontradas em animais terrestres — barreiras físicas que retêm as partículas no muco e permitem que os animais as expectorem pelo espirro ou tosse, impedindo que uma grande quantidade de partículas cheguem aos pulmões, diz Stephen Raverty, patologista veterinário do Ministério da Agricultura na Colúmbia Britânica.

“Devido à inalação e exalação mais rápidas, a ausência dessas estruturas protetoras e o grande volume de troca pulmonar a cada respiração, as baleias, os golfinhos e os botos correm um risco maior” com a exposição à fumaça, explica ele.

As necrópsias dos 46 golfinhos encontrados mortos na costa após o derramamento de petróleo da BP também oferecem algumas informações sobre os danos causados pela fumaça de incêndios florestais nos mamíferos marinhos, diz Field.

Os golfinhos mortos tinham doenças pulmonares graves e glândulas adrenais degeneradas — órgãos que regulam os hormônios, o sistema imunológico, as respostas ao estresse e muito mais. Os cientistas concluíram que isso pode ter sido causado pela exposição aos hidrocarbonetos da fumaça porque, em animais de laboratório, a exposição aos PAHs pode levar à atrofia adrenal semelhante e prejudicar seus sistemas reprodutivos. Em humanos e animais, as substâncias químicas foram associadas a diversas formas de câncer.

Sinal de fumaça

É impossível determinar o que prejudicou mais os golfinhos no Golfo: a inalação da fumaça quando o petróleo derramado foi queimado, a ingestão de petróleo pela cadeia alimentar ou uma combinação de ambos, diz Field.

De qualquer modo, os golfinhos e botos têm maior probabilidade de sofrer irritação das vias respiratórias e absorver mais hidrocarbonetos do que as baleias, pois tendem a ficar mais perto da costa e respirar com mais frequência do que os mamíferos que submergem a grande profundidade.

“Por sabermos que as vias respiratórias dos golfinhos são provavelmente mais suscetíveis à inalação dessas partículas, é muito plausível que a inalação de cinzas e partículas acarrete danos”, diz ela.

Os cientistas também analisaram o impacto da fumaça e das substâncias químicas nas lontras-marinhas, uma espécie ameaçada de extinção na Califórnia.

Um estudo de 2014 com 39 lontras-marinhas da Califórnia constatou que a exposição à fumaça e ao escoamento de incêndios florestais — uma mistura tóxica de sedimentos, metais e substâncias químicas que fluem para corpos d'água adjacentes a incêndios florestais — debilitou seus sistemas imunológicos. Um estudo de acompanhamento mostrou que, 15 meses depois, o sistema imunológico das lontras parecia ter se recuperado.

Porém, segundo Field, o número de animais no estudo era pequeno e os impactos de longo prazo para a espécie permanecem desconhecidos.

Desafios de pesquisa

Realizar pesquisas sobre esse assunto é difícil, pelo motivo óbvio de que os cientistas não podem estudar facilmente animais vivos em pleno incêndio, conta Raverty.

“Não podemos sair e capturar animais vivos por uma série de razões éticas e logísticas, então temos que analisar animais mortos e encalhados”, diz ele. Por exemplo, cientistas na Colúmbia Britânica examinaram mais de seis mil mamíferos marinhos encalhados durante uma década como parte de um projeto de longa duração que revelou dados sobre a saúde geral dos animais, como os níveis e tipos de poluentes encontrados no tecido de um animal.

Devido às mudanças climáticas, as temporadas de incêndios florestais no oeste dos Estados Unidos serão cada vez mais extremas, e Raverty espera que os cientistas iniciem estudos semelhantes para investigar como a fumaça dos incêndios afeta os mamíferos marinhos.

Segundo Field, é importante realizar o acompanhamento dos animais — muitos deles são espécies longevas — ou seja, vivem por décadas.

“Os efeitos dos incêndios florestais costumam ser cumulativos”, diz ela. “Podem não haver evidências durante anos, então é preciso contar com a longevidade para continuar com esses estudos.”

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