Os dinossauros do Brasil: país é berço de espécies e tem potencial para novas descobertas

Alguns dos primeiros dinossauros do mundo foram encontrados em solo brasileiro, que também guarda fósseis bem preservados e disputados por museus internacionais.

Ossadas de Caiuajara dobruskii aguardam estudo em museu no Brasil.

Foto de Robert Clark
Por Redação National Geographic Brasil
Publicado 30 de jan. de 2023, 10:51 BRT

Com o tamanho do território que o Brasil possui, não é de se espantar que grandes descobertas acerca de novos dinossauros tenham surgido nos últimos anos. “É um país que pega metade da América do Sul e tem várias bacias sedimentares de diversos períodos geológicos. Seria impossível não encontrar fósseis por aqui”, explica Bruno Navarro, paleontólogo e pesquisador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP).

Entretanto, não é comum ver o Brasil como um país relevante no âmbito da paleontologia, o que seria um erro, de acordo com Navarro. Isso porque o país tem um real potencial para ser um “berço de dinossauros” – até por sua capacidade de abrigar novas espécies a serem descobertas. “Ainda há muito material para ser estudado, muito local para ser prospectado e explorado, e bastante descoberta para ser feita”, adianta o pesquisador. Com mais investimento na área, o Brasil poderia ser uma potência paleontológica, afirmam especialistas.

O primeiro dinossauro encontrado no Brasil foi o Staurikosaurus pricei na década de 1930, no Rio Grande do Sul. A espécie foi descrita pelo paleontólogo norte-americano Edwin Colbert (1905-2001) em 1970, e seu trabalho foi publicado na revista American Museum Novitates, mantida pelo Museu Americano de História Natural dos Estados Unidos.  

Pode-se dizer que o Staurikosaurus inaugurou uma sequência de descobertas paleontológicas brasileiras. Atualmente, segundo o Novo Guia Completo dos Dinossauros do Brasil, livro do paleontólogo Luiz Eduardo Anelli que conta com detalhes onde e por quem foram coletados os fósseis brasileiros, cerca de 54 espécies foram encontradas e catalogadas em território nacional. O número, no entanto, pode estar subestimado já que o processo de identificação de dinossauros é demorado, ou seja, existe a possibilidade de fósseis já encontrados não terem entrado na lista. 

(Veja também: Os maiores dinossauros da América Latina)

Brasil, berço dos primeiros dinossauros do mundo

O Staurikosaurus faz parte de um conjunto de seis espécimes cujos fósseis foram coletados nas rochas avermelhadas da formação Santa Maria, uma formação geológica com 250 quilômetros de extensão, que vai do município de Venâncio Aires até a cidade de Mata, no Rio Grande do Sul. Todos foram datados do Triássico, período geológico que se estende entre 252 milhões a 201 milhões de anos atrás – quando os primeiros dinossauros pisaram a Terra. 

Além do Staurikosaurus, oBruno Navarro elenca as demais espécies encontradas na região. No final dos anos 1990, fósseis do Saturnalia tupiniquim foram escavados em uma expedição liderada pelo paleontólogo Max Cardoso Langer. 

O animal, que viveu entre 227,4 a 220,7 milhões atrás, é um dos dinossauros mais antigos já descobertos no mundo. Provavelmente carnívoro ou onívoro, atingia cerca de 1,5 metro de comprimento, 50 centímetros de altura e 50 quilos.

Depois dos anos 2000, mais quatro espécies foram escavadas na formação Santa Maria: 

  • Pampadromaeus barberenai, encontrado em 2004 por uma equipe da Universidade Luterana do Brasil; 
  • Buriolestes schultzi, achado em 2015 por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); 
  • Bagualosaurus agudoensis, descoberto em 2018 por pesquisadores da UFSM, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da USP;
  • E o mais recente, o Nhandumirim waldsangae, apresentado ao público em artigo no Journal of Vertebrate Paleontology em 2019. 

Em 2021, o Guinness World Records reconheceu que esses espécimes são os dinossauros mais antigos do mundo. “Os dinossauros que foram encontrados ali dão indícios que que os primeiros passos evolutivos desses super animais aconteceram na América do Sul”, diz Marina Bento Soares, professora do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Esses fósseis ainda podem nos dar pistas da dispersão deles pelo globo.”

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Um dinossauro brasileiro no Jurassic Park 

Além de escavar aqueles que podem ser os primeiros dinossauros que andaram na Terra, pesquisadores brasileiros também fizeram importantes descobertas de espécies dos períodos Jurássico (de 205 a 142 milhões de anos atrás) e Cretáceo (entre 144 e 66,4 milhões de anos atrás).

“Encontrar coisas do Jurássico no Brasil é mais complicado, porque há poucas rochas do período expostas por aqui. Mas houve descobertas relevantes, como o dilofossauro encontrado no Nordeste”, conta Soares. 

De acordo com a pesquisadora do Museu Nacional, em 2019 encontrou-se uma vértebra da cauda pertencente a um dinossauro do gênero Dilophosaurus, cujos exemplares também foram verificados nos Estados Unidos. “Um dinossauro bem famoso, inclusive, e que apareceu nos filmes do Jurassic Park”, diz Soares. “Ele estava lá, mesmo que tenha aparecido no filme bem pequeno e cuspindo veneno, o que está um pouco fora do que era na realidade.” 

O fóssil, coletado por uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco, era de um animal de mais de seis metros de altura e que podia chegar a pesar 750 quilos. “Mas evidências dizem que ele tinha a crista óssea dupla na cabeça, como na representação do filme", diz Soares.

Brasil tem os fósseis mais bem preservados do mundo

A paleontologia brasileira se destaca ainda por ter encontrado alguns dos fósseis mais completos e bem preservados do mundo. Por exemplo, um estudo liderado por Navarro e divulgado em 2022 descreveu o Ibirania parva, um titanossauro de cinco a seis metros de comprimento que é uma espécie herbívora conhecida por ter um grande pescoço. 

Por seu tamanho, ele foi considerado o primeiro titanossauro “anão” encontrado na América do Sul. A título de comparação, em 2014 um exemplar de titanossauro foi encontrado na Patagônia Argentina por pesquisadores da Fundação Azara, da Universidade Maimónides. A ossada tinha 20 metros de comprimento. 

“Além do tamanho do animal, a descoberta também foi importante porque a ossada tinha o crânio mais completo desse tipo de dinossauro já encontrado no mundo”, reforça Navarro. “Por estar bem preservado, ele pode nos ajudar a responder muitas questões da evolução dos titanossauros e os aspectos da sua biologia.”

Outro dinossauro brasileiro que chama atenção da ciência por seu estado de conservação é o Santanaraptor placidus, encontrado na região da Chapada do Araripe, uma formação geológica do Cretáceo que abrange os estados de Pernambuco, Piauí e Ceará. Segundo Soares, esse espécime que foi descrito na década de 1990 ganhou espaço na comunidade científica por conter tecidos moles fossilizados, algo muito difícil de acontecer. 

“O fóssil do Santanaraptor tinha pele, fibras musculares e vasos sanguíneos cristalizados junto com os ossos, algo inédito até então”, afirma Soares. A descoberta, publicada em 1996 na revista científica Nature, permitia que a fisiologia do animal fosse observada na forma original. 

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    Leito ósseo de uma única espécie, Caiuajara dobruskii, Brasil.

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    Foto de Robert Clark

    Roubo de fósseis: o dinossauro Ubirajara jubatus em um embate internacional

    Além de prestígio, os dinossauros brasileiros também protagonizam embates internacionais polêmicos, como o roubo de fósseis. “O caso mais famoso foi o do Ubirajara jubatus, também encontrado na Chapada do Araripe”, diz Soares. 

    O caso do Ubirajara, que segundo Navarro é o primeiro dinossauro emplumado (com penas) encontrado no Hemisfério Sul, começa em 1995 quando um museu no sudoeste da Alemanha adquiriu o fóssil incomum, de 120 milhões de anos. 

    Duas décadas mais tarde, a partir de uma publicação de 2020 no periódico Cretaceous Research, cientistas brasileiros solicitaram a devolução do fóssil por parte da Alemanha, questionando a legalidade da exportação do espécime. Segundo a lei brasileira, os fósseis do país são de propriedade do Estado, e proíbe o envio para o exterior sem o conhecimento e aprovação das autoridades competentes. Entretanto, a aplicação irregular da lei permitiu um mercado paralelo de venda de fósseis. 

    “Ele chamou a atenção, mas está longe de ser o primeiro. Envios ilegais – ou pelo menos irregulares – são recorrentes”, afirma Navarro. “Existem diversos fósseis brasileiros que saíram de forma ilegal e estão em coleções particulares e museus internacionais. Eles poderiam trazer muito benefício para as comunidades locais, colocando as cidades onde foram achados no cenário mundial da paleontologia.”

    O potencial paleontológico brasileiro

    Inegavelmente, o Brasil é um país com solo rico em dinossauros, o que o torna muito relevante para estudos e novas descobertas na área. Para Marina Bento Soares, do Museu Nacional, o Brasil começou a aparecer mais no cenário da paleontologia mundial nas últimas décadas, principalmente pelo incentivo à formação de pesquisadores. “Tivemos um aumento no número de universidades públicas que estabeleceram programas excelentes de mestrado e doutorado, que é da onde sai a pesquisa no Brasil”, diz ela. “O Brasil também equiparou seu trabalho com o de pesquisadores do exterior. Começamos a publicar [artigos científicos] em inglês e tivemos acesso a ferramentas e bancos de dados internacionais que melhoraram nossa capacidade de pesquisa."

    Mas falta incentivo e financiamento para que o país atinja seu potencial de potência paleontológica. “Dinheiro é um problema. Muitos laboratórios passam dificuldades por falta de recursos para a pesquisa, falta de acesso à equipamentos, como tomografias”, diz Soares. “E, mesmo assim, conseguimos publicar trabalhos excelentes. Imagina se tivéssemos o que países como os Estados Unidos tem.” 

    Já Navarro afirma que, mais além do reconhecimento internacional, a paleontologia brasileira precisa ser reconhecida pelos órgãos que cuidam dos investimentos de ciência e pesquisa no Brasil. “É um campo que cresceu muito e precisa ser notado”, diz ele. “E ainda tem chão para crescer. Tem muito local para ser prospectado, explorado, muita descoberta para ser feita.”

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