Conheça este estranho ancestral do urso

O Eoarctos vorax era do tamanho de um guaxinim, com garras de um gato e dentes frágeis. Não é de se admirar que os cientistas tenham levado décadas para descobrir o que ele é.

Por Riley Black
Publicado 5 de jun. de 2023, 10:30 BRT
Eoarctos

A nova espécie Eoarctos vorax é retratada em um ambiente fluvial há 32 milhões de anos no que hoje é a Dakota do Norte, nos Estados Unidos. O animal, semelhante a um guaxinim, representa um momento importante na evolução dos mamíferos.

Arte de Mark Hallett

Um dos primeiros parentes dos ursos era mais parecido com um guaxinim, que gostava de esmagar conchas de caracóis. Batizado de Eoactos vorax pelos paleontólogos, o mamífero fóssil ajuda a revelar como o grupo que contém gambás, guaxinins, ursos e até mesmo focas teve seu início há cerca de 32 milhões de anos, quando a era dos mamíferos entrou em pleno andamento.

Os paleontólogos levaram décadas para desvendar a identidade do eoarctos. Expedições de campo ao sítio de fósseis do Rancho Fitterer, em Dakota do Norte, Estados Unidos, começaram a revelar as mandíbulas bizarras e quebradas de algum tipo de mamífero carnívoro na década de 1940. Toda vez que os paleontólogos retornavam ao local, eles esperavam encontrar mais do animal na rocha antiga. Então, em 1982, uma equipe de campo liderada pelo paleontólogo Robert Emry finalmente encontrou o fóssil indescritível – um esqueleto quase completo do pequeno carnívoro.

Na época, Emry e o paleontólogo Richard Tedford, especialista em carnívoros fósseis, planejaram descrever o esqueleto. O animal parecia ser um arctoide, que é um grupo amplo de mamíferos mais próximo dos cães do que dos gatos.

"Tedford percebeu há décadas que havia uma espécie importante e não descrita no Rancho Fitterer que poderia fornecer informações importantes sobre a evolução dos arctoides se eles conseguissem tirar um espécime bom o suficiente do solo", detalha o paleontólogo do North Dakota Geological Survey, Clint Boyd. No entanto, Tedford faleceu em 2011 e o projeto ficou inacabado. Agora, Emry, Boyd e seus colegas concluíram o que levou quase 80 anos para ser descoberto, publicando sua descrição do animal no Journal of Vertebrae Paleontology.

O esqueleto quase completo de um eoarctos macho, que incluía um báculo ou osso do pênis para identificar o sexo do animal, funcionou como uma espécie de quebra-cabeça paleontológico que permitiu que outros fósseis da mesma espécie fossem reconhecidos. Os paleontólogos não tinham apenas um espécime impressionante, mas mandíbulas e fragmentos de crânio de vários eoarctos.

"O eoarctos é certamente um táxon novo e muito interessante", diz o paleontólogo do Museu Sueco de História Natural, Lars Werdelin, que não participou do novo estudo. Até agora, ele conta, os primeiros arctoides eram tão pouco conhecidos que o eoarctos oferece uma das primeiras visões detalhadas de como essa família de mamíferos se movia e se comportava na paisagem antiga.

Finalmente remontado, o eoarctos não é exatamente como qualquer mamífero vivo atualmente. O mais antigo mamífero comedor de conchas já conhecido tinha proporções de guaxinim e garras de gato que provavelmente o ajudavam a subir e descer as árvores do antigo pântano que ele chamava de lar. "Nosso nome interno para ele era kitten-otter-bear (gato-lontra-urso, em português)", conta Boyd, um animal mais estranho do que os paleontólogos esperavam quando os primeiros fragmentos de mandíbula começaram a emergir da rocha.

Eoarctos: um escalador de dentes frágeis

Boyd e seus colegas confirmaram que, na árvore evolutiva dos mamíferos, o eoarctos é um arctoide primitivo. O grupo abrange tudo, de focas a ursos pardos e gambás. Embora o eoarctos não seja o membro mais antigo do grupo, observa Boyd, a maioria dos primeiros arctoides é conhecida apenas por pedaços de crânio e mandíbula. "Havia grandes dúvidas sobre o que os primeiros arctoides faziam em termos de locomoção", diz ele. Enquanto os primeiros cães evoluíram rapidamente para serem corredores, ninguém sabia realmente o que seus parentes arctoides faziam na mesma época.

Em vez de ser um corredor, conta Boyd, o eoarctos tinha as proporções de um animal escalador. O carnívoro provavelmente se alimentava no chão, mas podia subir rapidamente em uma árvore se um predador maior se aproximasse demais. De fato, ressalta Boyd, as proporções do mamífero se assemelham mais às de um arctoide vivo, o guaxinim, de modo que o eoarctos provavelmente se comportava de maneira semelhante. Mas nem tudo no eoarctos é familiar. As mandíbulas do animal deixaram os paleontólogos com um quebra-cabeça.

A mandíbula inferior do melhor esqueleto de eoarctos estava danificada. Algo havia acontecido durante a vida do animal que fez com que ele perdesse vários dentes da bochecha inferior. A lesão não era uma anomalia. Outras mandíbulas de eoarctos mostram o mesmo padrão de dano, uma indicação de que os animais estavam fazendo algo que quebrou seus dentes e triturou seus molares.

"A falta de dentes e as infecções ósseas foram muito surpreendentes", aponta Boyd. De vez em quando, os paleontólogos encontram dentes quebrados ou cáries, mas esse grau de dano dentário é incomum. "Se fosse um único espécime, eu daria de ombros e diria que encontramos um indivíduo único", diz Boyd. "Mas com tantos espécimes e uma infecção tão extensa com evidência de cura, fica claro que isso acontecia rotineiramente com esses animais."

Tinha que ser algo que os mamíferos estavam comendo. Até o momento, os paleontólogos não encontraram conteúdo intestinal ou fezes fossilizadas que possam oferecer evidências diretas de sua dieta. Mas outros fósseis encontrados no local oferecem uma pista.

"No Rancho Fitterer e em outros locais de mesma formação, é comum encontrar caramujos de tamanho decente", diz Boyd. Uma descoberta futura pode mudar a história, mas a anatomia do eoarctos se assemelha à de outros mamíferos comedores de conchas, e os caramujos eram abundantes e duros o suficiente para causar os danos vistos nos fósseis.

Os autores defendem que o eoarctos estava comendo caramujos, diz Werdelin, e observa que esses danos extensos provavelmente tiveram consequências mais profundas para esses mamíferos. "De certa forma, podemos estar assistindo a um instante da evolução em ação", observa ele, pois os eoarctos com dentes mais resistentes provavelmente teriam vivido mais e sofrido menos infecções. Ainda não se sabe se o eoarctos deixou uma espécie descendente com mandíbulas e dentes mais fortes, mas é possível que esse fóssil esteja por aí.

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