Como um tubarão nadou mais de 6 mil quilômetros? Essa jornada recorde era considerada impossível
Ao longo de sua migração de Moçambique para a Nigéria, um tubarão-fêmea de 2,5 metros de comprimento teria encontrado – e superado – uma zona de água fria que manteve as populações de tubarões-touro da África separadas por 55 mil anos.

Os tubarões-touro tendem a ser agressivos e vivem perto das linhas costeiras, o que lhes rendeu uma reputação temível. Uma fêmea de mais de 2 metros de comprimento registrou recentemente uma viagem recorde de cerca de 6.400 quilômetros.
Quanto será que um tubarão pode nadar? A resposta para essa pergunta veio quando Turawa Hakeem capturou um tubarão-touro (Carcharias taurus) perto de Lagos, a maior cidade da Nigéria, no verão de 2024, este capitão ganense não tinha ideia de que sua tripulação estava puxando um vencedor de recorde para seu barco de pesca de madeira.
A fêmea de mais de 2 metros de comprimento havia feito uma jornada épica de cerca de 6.400 quilômetros, o mais longo movimento conhecido de sua espécie e a primeira vez que um tubarão-touro foi documentado nadando por dois oceanos. O tubarão viajou do Canal de Moçambique no Oceano Índico, nadou ao redor da ponta sul da África e depois viajou para o norte através do Atlântico até a Nigéria, de acordo com pesquisa publicada este mês na revista científica “Ecology”.
“Fiquei surpreso”, diz Hakeem. “Eu não sabia que eles podiam viajar tão longe.”
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Tubarões-touro se reúnem para se alimentar na Passagem de Beqa, uma lagoa e passagem entre as ilhas de Viti Levu e Vanua Levu em Fiji. Coube a um animal desta espécie quebrar o recorde de distância de quanto um tubarão pode nadar.
Como esse tubarão atravessou de um oceano para outro?
Outro autor do estudo e biólogo marinho do Instituto Nigeriano de Oceanografia e Pesquisa Marinha, Dunsin Abimbola Bolaji, confirmou a história de Hakeem.
No ano seguinte à sua marcação, a fêmea de tubarão-touro foi detectada 567 vezes ao longo da costa leste da África do Sul e de Moçambique por um conjunto de 43 receptores subaquáticos diferentes.
Então, ela desapareceu em 25 de março de 2022 e não foi vista novamente até que a equipe de Hakeem capturou o tubarão em 11 de julho do ano passado.
Como parte de sua pesquisa sobre migração de tubarões, Daly e seus colegas também marcaram e rastrearam 102 tubarões-touro, tubarões-ponta-negra, tubarões-tigre e tubarões de recife no sul da África.
A migração mais longa registrada entre esses tubarões foi de 2.250 quilômetros, apenas um terço da distância percorrida pelo tubarão-touro fêmea que acabou perto de Lagos.
Os tubarões-touro são espécies costeiras, não conhecidas por viagens de longa distância em mar aberto. Eles preferem águas rasas, onde a água doce se encontra com o mar, e precisam de uma temperatura da água superior a 18ºC.
Durante sua viagem para o norte, a fêmea de tubarão-touro teve de navegar pela ressurgência de Benguela, uma das maiores correntes de água fria do mundo que se estende ao longo da costa oeste da África do Sul e da Namíbia. Essa ressurgência formou uma barreira fria que separa as populações de tubarões-touro da África pelo menos nos últimos 55 mil anos.
Os cientistas acreditam que esse tubarão-touro contornou a água fria nadando ao redor da ressurgência, que pode se estender por até 144 quilômetros da costa. Também é possível que ele tenha navegado em bolsões de água mais quente ao redor da África do Sul para o Oceano Atlântico durante um evento do Benguela Niño.
Esse padrão climático é semelhante aos eventos do El Niño que influenciam as temperaturas do mar na costa oeste das Américas. Alguns peixes de água fria, como a cavala e a sardinha, também foram empurrados para o norte durante os eventos do Benguela Niño.
À medida que as águas se aquecem e os afloramentos se deslocam devido à mudança climática, Daly diz que a barreira de água fria de Benguela pode se romper com mais frequência, permitindo que os animais do oceano se desloquem para latitudes diferentes. Essas mudanças de temperatura da água relacionadas ao Niño podem alterar toda a composição de espécies de determinadas áreas marinhas, afetando tudo na cadeia alimentar, desde algas, plâncton e tubarões.
Para os tubarões-touro, entretanto, a maior movimentação é provavelmente um sinal positivo. “Se isso significa mais fluxo gênico, normalmente é algo bom”, ressalta Daly. “Precisamos nos adaptar para sobreviver em um mundo em transformação.”
Daly acha que talvez este indivíduo que viajou tão longe fosse um tubarão imaturo que estava “apenas explorando”. As fêmeas só atingem a maturidade sexual por volta dos 20 anos de idade. Depois disso, elas retornam várias vezes ao mesmo estuário para se reproduzir. Até lá, no entanto, elas podem sair para “encontrar seu ritmo e o padrão que funciona para elas”, diz Daly.
É possível que a jornada extraordinária dessa fêmea “não seja nada incomum”, diz Rachel Graham, bióloga de tubarões que não participou desse estudo e diretora executiva da MarAlliance, uma organização de conservação sem fins lucrativos sediada na costa oeste da África.
Os tubarões-touro podem sempre ter viajado mais longe do que os cientistas imaginam, ou talvez essa fêmea seja “o ponto fora da curva de sua família, aquela que faz algo completamente e totalmente diferente para manter nosso pool genético robusto”, sugere Graham.
“Globalmente, o número de tubarões caiu pela metade desde 1970. A pesca excessiva é responsável por 90% do declínio dos tubarões.”
Quais são as maiores ameaças que os tubarões enfrentam?
Apesar de sua longa jornada, esta fêmea não transmitirá sua genética depois de sofrer um destino comum de tubarão. Globalmente, o número de tubarões caiu pela metade desde 1970.
A pesca excessiva é responsável por 90% do declínio dos tubarões, mas três quartos dos cerca de 100 milhões de tubarões que são capturados a cada ano são mortos acidentalmente.
À medida que os estoques de outros peixes caem globalmente, mais pessoas estão recorrendo à carne de tubarão para obter proteína, especialmente em países da África Subsaariana, como a Nigéria, onde as pessoas dependem da pesca para sua subsistência.
“O tubarão tinha uma passagem só de ida para lá porque a pressão da pesca é muito grande”, diz Daly. "Os tubarões estão enfrentando dificuldades. Em todos os países, eles estão enfrentando diferentes tipos de ameaças, além das mudanças climáticas."
Hakeem diz que sua equipe não fisgou o tubarão-touro fêmea marcado de propósito. Ela mordeu a isca destinada à garoupa e ao pargo, que são mais lucrativos.
Para garantir a sobrevivência dos tubarões – incluindo os futuros recordistas –, Graham diz que os cientistas precisam contar mais com pescadores como Hakeem para rastrear os tubarões e saber se outras espécies marinhas estão fazendo viagens transoceânicas.
“Os pescadores de pequena escala são nossos aliados na ciência”, diz Graham. “Eles têm doutorado em mar”.
Esses tipos de parcerias inovadoras podem ajudar os cientistas a entender melhor como e onde as espécies marinhas estão se mudando para novos habitats.
O aquecimento da água pode permitir que as espécies tropicais expandam sua área de distribuição para os polos, o que pode aliviar a pressão da pesca ou permitir que elas se espalhem para novos lares. Mas, ao mesmo tempo, a mudança climática também está criando eventos de frio mais intensos em suas áreas históricas, como uma ressurgência extrema ao longo da costa sudeste da África do Sul que matou indivíduos de 81 espécies em 2021, incluindo tubarões.
"É como uma armadilha climática", explica Daly. "As águas aquecem, mas depois surgem esses intensos eventos de ressurgência [correntes ascendentes], que podem aprisioná-los no extremo do território habitável para uma espécie tropical – levando-os à morte".
