Como o asteroide que extinguiu os dinossauros preparou a Terra para a ascensão da vida moderna
Dados sugerem que extinção de espécies marinhas após o impacto pode ter permitido desenvolvimento das formas de vida sobreviventes.
UMA NÉVOA MORTAL cobriu o planeta há 66 milhões de anos, após a colisão de um asteroide gigante com a Terra, deixando uma cratera com mais de 170 quilômetros de largura na Península de Yucatán, centralizada na atual cidade mexicana de Chicxulub. Esse impacto lançou mais de 80 mil quilômetros cúbicos de partículas no ar, causando um inverno que durou décadas e acidificou os oceanos. Quando a névoa se dissipou, três quartos de todas as espécies da Terra, inclusive muitos dinossauros, haviam morrido.
No entanto, em retrospecto, as consequências não foram de todo ruins.
De acordo com pesquisa realizada por uma colaboração internacional de mais de trinta cientistas, a extinção em massa que marcou o fim do período Cretáceo pode ter permitido que os oceanos atenuassem os efeitos de uma erupção vulcânica colossal ocorrida aproximadamente na mesma época da colisão do asteroide. O asteroide preparou os mares para absorver parte da enorme quantidade de gases de efeito estufa emitidos por um planalto vulcânico nas Armadilhas de Deccan, antiga região da Índia, o que refreou o aquecimento que, não tivesse sido contido, seria prejudicial aos primeiros mamíferos e a muitas das demais espécies que sobreviveram ao impacto.
Estudos sugerem que essa erupção épica já estava em andamento havia 400 mil anos quando ocorreu a colisão do asteroide, e alguns cientistas alegam que gases vulcânicos podem ter sido responsáveis, em parte, pela extinção em massa. Contudo, com base em novas estimativas das temperaturas globais nessa época — publicadas no periódico Science — parece improvável que os vulcões gigantescos tenham contribuído para a hecatombe dos dinossauros.
Ao que parece, o asteroide agiu sozinho — e sua dramática influência no plâncton oceânico pode ter amenizado o aquecimento global posterior, já que as erupções vulcânicas persistiram por mais 300 mil anos.
Cataclismo à frente
Para tanto, os pesquisadores adaptaram um modelo de computador utilizando equações para analisar o elo entre as mudanças na temperatura do planeta e o ciclo do carbono durante vários períodos, inclusive a atualidade.
Esse modelo ajuda a resolver um debate de 40 anos reacendido por dois estudos publicados em fevereiro de 2019, também na revista Science.
Os cenários mais bem fundamentados supõem que os gases de efeito estufa de Deccan foram emitidos principalmente 200 mil a 350 mil anos antes da extinção ocorrida no fim do Cretáceo, ou aproximadamente no mesmo intervalo antes e após o evento de extinção. A última hipótese de uma divisão igual foi sugerida pela primeira vez por Courtney Sprain, geocronologista da Universidade da Flórida, e por seus colegas em um dos artigos publicados em fevereiro de 2019.
“Estou, naturalmente, muito animada em ver que esse estudo confirma as nossas conclusões”, afirma Sprain, e acrescenta que ambos os estudos do ano passado admitem a hipótese de que metade dos gases foi lançada após a colisão do asteroide. A principal distinção é o que estudo liderado por Blair Schoene, geocronologista, propôs a ocorrência de atividade vulcânica intermitente no intervalo de 100 mil anos imediatamente anterior ao evento de extinção. Essa intermitência teria afetado os seres vivos e conspirado com o asteroide para impulsionar a devastação global das espécies do planeta.
Mas esse cenário não condiz com o novo modelo de computador, que insiste que as temperaturas globais resfriaram no período anterior à colisão do asteroide, o que nos leva a questionar a quantidade de gases emitidos antes e após a extinção em massa. Uma análise dos períodos mais pronunciados de aquecimento mais próximos do impacto do asteroide revela um pico de cerca de 2oC cerca de 200 mil anos antes da extinção em massa. Um segundo período mais discreto de aquecimento ocorreu cerca de 200 mil anos após o evento de extinção.
Mas menos aquecimento não significa necessariamente uma menor emissão de gás pelos vulcões de Deccan, afirma Donald Penman, geoquímico de Yale e cocriador dos novos modelos. Pode haver uma explicação mais intrigante.
“Após a extinção da maior parte do plâncton calcário, o modelo sugere que o acúmulo de compostos que seriam utilizados em suas conchas, caso o plâncton estivesse vivo, permitiu que os oceanos absorvessem mais CO2 vulcânico, reduzindo seu efeito de aquecimento global”, conta Penman.
Heather Birch, micropaleontóloga da Universidade de Bristol, na Inglaterra, que não participou do desenvolvimento dos modelos, concorda que a composição do plâncton parecia muito diferente no período posterior ao impacto do asteroide, o que pode ter afetado a captação de carbono. Mas Birch adverte que “apenas uma pequena fração do plâncton fossiliza, então são necessárias mais pesquisas para compreender como teria sido a absorção dessas grandes quantidades de CO2”.
Mas como os oceanos estão acidificando novamente, desta vez, devido ao aumento de CO2 causado pelo homem, poderia outra extinção em massa de plâncton calcário nos salvar do pior das mudanças climáticas?
Hull afirma que é improvável. Após a extinção do plâncton no fim do Cretáceo, as temperaturas subiram por milhares de anos antes que os oceanos começassem a absorver mais CO2. Em uma escala de tempo equivalente para a humanidade, significa que teremos milênios de cataclismos pela frente.
Palmeiras planctônicas
Em sedimentos lodosos coletados no fundo do oceano, o súbito desaparecimento de espécies de plâncton com conchas calcárias geralmente coincide com uma camada de pequenas esferas de vidro que caíram após a colisão do asteroide, afirma Pincelli Hull, paleoceanógrafa da Universidade de Yale e coautora do estudo.
“Como essas espécies parecem ter sido as mais atingidas pelo impacto do asteroide, acreditamos que o enxofre e o óxido nitroso desprendidos pelo impacto podem ter acidificado o oceano, dissolvendo as conchas dessas criaturas”, afirma Hull. Seria semelhante ao que acontece quando você joga um pedaço de giz — constituído de restos de plâncton calcário — em um copo de vinagre. Entretanto, o oceano não chegou a ser tão ácido assim e, por isso, as conchas de plâncton se dissolveram muito mais lentamente, sem efervescência.
Os mesmos sedimentos também podem nos mostrar como as temperaturas globais mudaram com o passar do tempo, explica Hull — mudanças que provavelmente são um reflexo de quaisquer grandes efeitos dos gases emitidos pelos vulcões de Deccan, como o CO2.
“A lama fina do fundo do mar encontrada nessas amostras apresenta consistência comparável à da pasta de dente”, afirma Hull. “Não é feita de rocha, como a lama com a qual estamos acostumados em terra, mas de fósseis microscópicos de espécies de plâncton calcário que se depositam no fundo do mar após sua morte”.
A simples identificação do plâncton incrustado nas várias camadas de sedimento do fundo do mar pode ser um indicativo do clima do oceano na época, pois algumas espécies são o “equivalente a encontrar palmeiras no Polo Norte”, explica Pincelli.
Mas as composições químicas de suas conchas guardam ainda mais informações.
As temperaturas dos oceanos afetaram os tipos de isótopos de carbono e oxigênio que o plâncton incorporava em suas conchas protetoras. Juntando os dados obtidos com a lama do fundo do mar coletada em todo o mundo, os pesquisadores chegaram a uma reconstituição das mudanças nas temperaturas globais ao longo de centenas de milhares de anos.