Amazônia pode estar agravando mudanças climáticas, indica estudo inédito

A primeira análise extensa de todos os gases de efeito estufa que afetam a atividade natural na Amazônia — não apenas do CO2 — revela um sistema à beira do colapso.

Por Craig Welch
Publicado 14 de mar. de 2021, 08:30 BRT
Floresta amazônica não está mais armazenando carbono para nosso planeta, aponta novo estudo. Em vez disso, ...

Floresta amazônica não está mais armazenando carbono para nosso planeta, aponta novo estudo. Em vez disso, está contribuindo para o aquecimento.

Foto de Jak Wonderly, Nat Geo Image Collection

Provavelmente a floresta amazônica agora também esteja contribuindo para o aquecimento do planeta, segundo análise inédita realizada por mais de 30 cientistas.

Durante anos, pesquisadores vêm expressando preocupação com o fato de que o aumento das temperaturas, a estiagem e o desmatamento estão reduzindo a capacidade da maior floresta tropical do mundo de absorver dióxido de carbono da atmosfera, contribuindo para a redução da quantidade existente no local em decorrência das atividades humanas. Estudos recentes sugeriram que algumas regiões da paisagem tropical já podem até mesmo estar liberando mais carbono do que a quantidade que armazenam.

Mas a inalação e a exalação de CO2 são apenas uma das maneiras pelas quais essa selva úmida, a que possui a maior variedade de espécies da Terra, influencia o clima global. As atividades na Amazônia, tanto naturais quanto humanas, podem alterar a contribuição da floresta tropical de maneiras significativas, aquecendo o ar de forma direta ou liberando outros gases de efeito estufa que causam o aquecimento.

A seca nos pantanais e a compactação do solo devido à exploração madeireira, por exemplo, podem aumentar as emissões de óxido nitroso, um gás de efeito estufa. Os incêndios para limpeza de terrenos agrícolas liberam carbono negro, pequenas partículas de fuligem que absorvem a luz solar e aumentam o calor. O desmatamento pode alterar os padrões de chuva, o que resseca e aquece ainda mais a floresta. Inundações regulares, construção de barragens e a pecuária, liberam o potente gás metano, um dos principais motivos pelos quais as florestas são destruídas. Além disso, cerca de 3,5% de todo o metano liberado no mundo é naturalmente originário das árvores da Amazônia.

No entanto nenhuma equipe jamais havia tentado avaliar o impacto cumulativo desses processos, apesar de a região estar se transformando rapidamente. A pesquisa, financiada pela National Geographic Society e publicada recentemente no periódico Frontiers in Forests and Global Change, estima que o aquecimento atmosférico de todas essas fontes combinadas agora parece saturar o efeito de resfriamento natural da floresta.

“O desmatamento da floresta está interferindo na absorção de carbono, o que é um problema”, afirma Kristofer Covey, autor principal da pesquisa e professor de estudos ambientais da Faculdade Skidmore de Nova York. “Mas quando começamos a avaliar esses outros fatores juntamente com o CO2, é bem difícil visualizar que o efeito líquido não signifique que a Amazônia como um todo esteja de fato aquecendo o clima global.”

Segundo o autor e seus colegas, o dano ainda pode ser revertido. A detenção das emissões globais de carvão, petróleo e gás natural ajudaria a restaurar o equilíbrio, mas conter o desmatamento na Amazônia é uma necessidade, em conjunto com a redução da construção de barragens e aumento do reflorestamento. Seguir devastando a floresta nas taxas atuais parece certamente piorar o aquecimento no mundo inteiro.

“Temos esse sistema do qual dependemos para contrabalancear nossos erros e, de fato, sua capacidade já foi ultrapassada, portanto não é mais algo com que possamos contar”, explica a coautora Fiona Soper, professora assistente da Universidade McGill.

Contabilidade complicada

A mesma riqueza que faz da Amazônia uma região tão incrivelmente biodiversa, lar de dezenas de milhares de insetos por quilômetro quadrado, também torna seu entendimento extremamente difícil. Folhas verdes cintilantes sugam CO2 do céu e, por meio da fotossíntese, convertem-no em carboidratos responsáveis pelo desenvolvimento de troncos e galhos à medida que as árvores crescem. Em suas árvores e solos ricos em carbono, a Amazônia armazena tanto carbono quanto a humanidade emite em quatro ou cinco anos, ou seja, até 200 gigatoneladas. Conforme essas árvores morrem ou são cortadas, o CO2 retorna à atmosfera.

Mas a Amazônia também é bastante úmida e as inundações aumentam dezenas de metros por ano no solo da floresta. Micróbios existentes nesses solos encharcados produzem metano, que é 28 a 86 vezes mais potente como gás de efeito estufa do que o CO2. As árvores atuam como chaminés, canalizando esse metano para a atmosfera.

Enquanto isso, a umidade do oceano Atlântico que cai na forma de chuva é sugada pelas plantas, utilizada para a fotossíntese e exalada pelas folhas através dos mesmos poros que absorvem CO2. De volta à atmosfera, cai na forma de chuva novamente.

Os humanos perturbam esses ciclos naturais não apenas pelas mudanças climáticas, como também por meio da extração de madeira, construção de reservatórios, mineração e agricultura. O desmatamento no Brasil se intensificou nos últimos anos e, em 2020, atingiu o auge de um período de 12 anos, com um aumento de quase 10% em relação ao ano anterior.

Alguns desses processos retiram gases de efeito estufa da atmosfera, enquanto outros fazem com que esses gases aumentem e todos se influenciam mutuamente. Mas, até pouco tempo, ninguém havia tentado entender esse equilíbrio. “É um sistema de peças que interagem entre si, e todas são medidas de maneiras diferentes, em escalas de tempo diferentes, por pessoas diferentes”, esclarece Soper.

O que está nítido é que a floresta está mudando rapidamente e de forma alarmante. Atualmente, a chuva cai em rajadas intensas com mais frequência do que antes, provocando enchentes recordes. As temporadas de seca estão se tornando mais habituais e, em algumas áreas, duram mais. Árvores mais adaptadas a regiões úmidas estão sendo superadas por espécies altas e que toleram melhor a seca. Incêndios ilegais voltaram a crescer. Mais de dois milhões de hectares foram queimados em 2019, uma área aproximadamente do tamanho do estado de Nova Jersey.

Desse modo, em 2019, a National Geographic Society reuniu Covey, Soper e uma equipe de outros especialistas em floresta amazônica para começar a tentar entender como todas essas peças se encaixam. Eles não realizaram novas medições — apenas investigaram novas maneiras de analisar os dados existentes para se chegar a um panorama abrangente.

Veja: Incêndios na Amazônia estão bem piores que antes, diz população local
Em Porto Velho, Rondônia, moradores estão no limite e adoecem com a fumaça das queimadas.

Muito além do CO2

Embora os resultados não sejam definitivos, deixam claro que concentrar as análises em uma única métrica — CO2 — simplesmente não fornece uma representação precisa. “Por mais importante que o carbono seja na Amazônia, não é o único envolvido”, afirma Tom Lovejoy, pesquisador sênior em biodiversidade da Fundação das Nações Unidas, que trabalhou na Amazônia brasileira por décadas. “A única surpresa, se é que podemos chamar assim, é que existe muito mais quando tudo é somado.”

A extração de recursos, o represamento de rios e o desmatamento da floresta para a produção de soja e criação de gado alteram os sistemas naturais de várias maneiras. Mas a maioria serve para aquecer o clima. O metano é um fator particularmente importante. Embora as maiores fontes de metano ainda sejam provenientes de processos florestais naturais, a capacidade da Amazônia de absorver carbono era muito maior para compensar suas emissões de metano. Porém os humanos diminuíram essa capacidade.

Rob Jackson, cientista de sistemas terrestres da Universidade de Stanford e um dos maiores especialistas em emissões globais de gases do efeito estufa, considera que a nova pesquisa é uma contribuição valiosa. “A Amazônia é vulnerável e nossa tendência é ter uma visão afunilada de um único gás de efeito estufa”, diz ele.

Patrick Megonigal, diretor associado de pesquisa do Centro de Pesquisa Ambiental Smithsoniano, concorda. Segundo ele, “a importância do trabalho dos autores está em expandir a discussão além do dióxido de carbono, que é o assunto central de 90% dos debates públicos”. 

“O CO2 não é um fator isolado. Ao considerarmos os fatores como um todo, a perspectiva na Amazônia é que os impactos das atividades humanas serão piores do que imaginamos.”

Ainda restam muitas dúvidas. Para Megonigal, a maior delas é aquela com a qual Lovejoy também se preocupa: como todos esses fatores influenciam o clima local na Amazônia? Isso é importante porque a Amazônia fornece grande parte de sua própria umidade, sendo que uma única molécula de água circula pela floresta cinco vezes ou mais.

Uma análise recente de Lovejoy e Carlos Nobre, cientista climático do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, sugere que o aumento do desmatamento pode alterar o fluxo dessa umidade a ponto de impulsionar grandes extensões da Amazônia em direção a uma transição permanente para uma savana, com uma floresta mais seca. A dupla acredita que se pode chegar ao ponto crítico se 20% a 25% da floresta tropical forem desmatados.

Isso significaria um grande problema para o clima, reduzindo significativamente mais o potencial das florestas de retirar dos céus uma parte de nossas emissões de combustíveis fósseis. Segundo as medições do próprio governo brasileiro, o desmatamento já atinge 17%.

O que acontece no Brasil (e países vizinhos na Amazônia) afeta o mundo todo. Nos Estados Unidos, um grupo de líderes ambientais de quatro governos presidenciais anteriores, tanto democratas quanto republicanos — Bush pai, Clinton, Bush Júnior e Obama — recentemente convocou o presidente Joe Biden para exigir que o governo brasileiro reduza o desmatamento. Eles insistiram para que Biden utilize os acordos comerciais com os Estados Unidos como influência.

Atualmente, Brasil e Estados Unidos estão em fase de negociações.

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