Descoberta de múmia congelada de 2 mil anos ajuda cientistas a revelar segredos sobre as tatuagens humanas
Nova tecnologia de mapeamento de imagem permitiu que cientistas decifrassem as tatuagens de uma múmia siberiana da Idade do Ferro — e as estudassem como nunca antes.

Modelo 3D da múmia de gelo tatuada que pertencia ao grupo nômade conhecido como Pazyryk. A imagem superior foi criada a partir de fotografias do espectro visível e a inferior, de fotografias de infravermelho próximo.
Inúmeras culturas desenvolveram e praticaram a arte da tatuagem por pelo menos 5 mil anos. Do desenho de símbolos tribais ao nome de um ex-parceiro de vida, as pessoas há séculos vêm adornando sua pele com tinta.
Entre os exemplos mais famosos estão Ötzi, o Homem de Gelo, encontrado congelado nos Alpes com 61 tatuagens, e a múmia Chinchorro do Chile antigo, marcada com pontos pretos semelhantes a um bigode, que se acredita serem tatuagens sob o nariz.
Apesar de sua maciça presença entre os humanos, tatuagens antigas são difíceis de estudar. Cientistas dependem de múmias tatuadas para obter vislumbres das origens primitivas dessa forma de arte. As tatuagens na pele desses achados geralmente estão desbotadas ou se tornam invisíveis pelo processo de mumificação, limitando o que os pesquisadores podem extrair delas.
Agora, novas tecnologias estão ajudando a trazer essas tatuagens antigas de volta à vida. Uma equipe internacional de pesquisadores usou fotografia de infravermelho próximo de alta resolução para reconstruir as tatuagens de uma mulher mumificada, preservada no permafrost siberiano por cerca de 2 mil anos.
Eles também determinaram quais ferramentas foram usadas para criar os desenhos em seu corpo, além de avaliar o nível de habilidade do tatuador.
As descobertas, publicadas na revista “Antiquity”, oferecem novos insights sobre a importância que a tatuagem teve na cultura da Idade do Ferro à qual a múmia pertenceu.
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Fotografia de alta resolução e em close-up das tatuagens em um dos antebraços da múmia de gelo. Um corte feito durante o preparo do indivíduo para o sepultamento atravessa as tatuagens, indicando que elas não tinham um papel específico em rituais funerários.
O que contam as tatuagens da mulher congelada de 2 mil anos
Em meados do século 20, arqueólogos encontraram um tesouro de múmias nas Montanhas Altai, na Ásia Central. Essas múmias eram de um povo nômade conhecido como Pazyryk, que viveu na região há milhares de anos.
Entre elas estava uma mulher encontrada enterrada ao lado de um homem, nove cavalos, uma carroça e vários tapetes ornamentados. Essa múmia e seus pertences foram parar no Museu Estatal do Hermitage, em São Petersburgo, na Rússia, onde pesquisadores examinaram recentemente o que restou de suas tatuagens.
“Suas tatuagens nem sequer estavam visíveis quando ela foi escavada pela primeira vez, porque a pele já havia escurecido”, diz Gino Caspari, arqueólogo do Instituto Max Planck de Geoantropologia, na Alemanha, e principal autor do estudo. “Mas nós sabíamos que tinha que haver mais sob a superfície.”
Caspari e sua equipe usaram fotografia de infravermelho próximo de alta resolução, uma técnica de mapeamento de imagem que revela coisas que nossos olhos não podem ver, para criar um modelo 3D da múmia Pazyryk. Embora tais técnicas de imageamento existam há vários anos, só recentemente elas foram usadas para estudar tatuagens consideradas perdidas no tempo.
“Usando esse método não invasivo, conseguimos revelar os desenhos das tatuagens com um detalhe sem precedentes”, diz Caspari, “o que nos permitiu não apenas documentar as tatuagens com precisão, mas também reconstruir como elas foram feitas.”
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Figura 4: Tatuagem do antebraço direito, lado esquerdo orientado para o pulso. A: estado atual. B: imagem retificada (nivelando a dobra da pele e compensando o processo de dessecação). C: representação artística idealizada.
Quais eram as tatuagens da múmia da Idade do Ferro?
A digitalização e a análise subsequente revelaram tatuagens por toda a extensão das mãos e antebraços da múmia. Suas mãos foram decoradas com pássaros e outros pequenos motivos, enquanto seus antebraços serviram como uma tela para cenas complexas que retratam animais semelhantes a renas sendo caçados por tigres, leopardos e até um animal de quatro patas com bico que se assemelha a um grifo.
Os pesquisadores afirmam que a descoberta ajuda a responder a um debate sobre como as tatuagens Pazyryk foram feitas. Elas foram criadas através de costura, o que chamamos de tatuagem subdérmica, onde o pigmento é carregado por uma linha? Ou por picadas com uma vara pontiaguda?
“Nosso estudo mostra claramente que essas tatuagens foram feitas com técnicas de punctura — o que hoje chamaríamos de hand poking (picada manual)”, diz Caspari.
Ele acrescenta que os tatuadores provavelmente também usaram ferramentas de ponta única, além de outros de múltiplas pontas para obter efeitos diferentes. Para sustentar suas afirmações, Caspari aponta para um estudo de campo que seu colega conduziu: aquele indivíduo deu a si mesmo uma tatuagem na perna usando o método de picada manual para ver como tais tatuagens cicatrizavam. “Aquele trabalho experimental foi fundamental”, diz ele.
Tatuagens complexas já na época antiga
Caspari e sua equipe também concluíram que as tatuagens não foram todas feitas por artistas do mesmo nível de habilidade.
“O antebraço direito foi composto magistralmente — brincava com os contornos do corpo, usava perspectiva e incluía detalhes realmente refinados. Já o antebraço esquerdo, em contraste, tinha um layout e execução mais básicos”, diz Caspari.
Eles acrescentaram que dois tatuadores diferentes podem ter trabalhado nos desenhos no corpo desta mulher – ou que um artista fez o trabalho no início de sua carreira e depois novamente em momentos posteriores, após suas habilidades terem melhorado. Apesar das diferenças de detalhe entre os dois braços, o estudo sugere que mesmo as tatuagens mais básicas desta múmia não seriam fáceis de replicar para os tatuadores de hoje.
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“Tatuar é mais complexo do que parece”, diz David Lane, cientista da justiça criminal da Universidade Estadual de Illinois, que estuda tatuagens contemporâneas e escreveu um livro sobre tatuadores chamado “A Outra Ponta da Agulha: Continuidade e Mudança entre Trabalhadores da Tatuagem”.
Lane, que não esteve envolvido no estudo, diz que, dada a habilidade necessária e as ferramentas especializadas usadas para fazer essas tatuagens, é provável que a tatuagem fosse um ofício respeitado na sociedade Pazyryk, que exigia treinamento e talento.
Os pesquisadores concluíram que os artistas responsáveis pelas tatuagens desta múmia não eram apenas altamente qualificados, mas também criativos. Embora muitos elementos dessas tatuagens reflitam a iconografia Pazyryk conhecida, outros não, sugerindo que o artista colocou seu toque pessoal no trabalho.
“É importante lembrar que elas foram criadas por mãos humanas”, diz Natalia Polosmak, arqueóloga do Instituto de Arqueologia e Etnografia da Rússia, que não esteve envolvida no estudo.
Polosmak, que descobriu múltiplas múmias Pazyryk, incluindo a famosa Donzela de Gelo em 1993, diz que, embora este estudo não revolucione o que sabemos sobre o povo Pazyryk, “é muito gratificante que as múmias e tatuagens continuem a atrair o interesse de novas gerações de cientistas ansiosos para contribuir para o estudo desses temas cativantes e raros.”
Para Caspari, apenas poder examinar esta múmia de gelo e sua coleção de arte antiga foi um privilégio: “É um olhar fascinante para o passado de um profissional talentoso e uma grande adição à pré-história de um ofício que é importante para as pessoas ao redor do mundo hoje.”
