Garimpeiros, fazendeiros e madeireiros ameaçam os últimos indígenas isolados

Perdidos entre dois mundos, as populações isoladas da Amazônia lutam para manter suas tradições.

Por Scott Wallace, Chris Fagan
fotos de Charles Hamilton James
Publicado 19 de set. de 2018, 11:13 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
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Cinco famílias awás do Posto Awá, da Funai, partem para uma excursão na floresta, onde irão pernoitar. Os awás como estes, moradores de assentamentos, sentem falta da floresta – especialmente os mais velhos, que cresceram na mata – e fazem essas excursões para relembrar seu modo de vida tradicional. Apenas em 1987, o Brasil instituiu sua política atual de não entrar em contato com grupos indígenas isolados.
Foto de Charlie Hamilton James
Moradores do Posto Awá tomam seu banho matinal. Os jabutis-piranga e jabutis-tinga provavelmente um dia serão comidos.
Foto de Charlie Hamilton James

Confira a reportagem completa na edição de outubro da revista National Geographic Brasil.

As marcas de pneus na terra cor de sangue são profundas e recentes. Tainaky Tenetehar desce da moto para conferir. “De hoje de manhã”, diz ele com a segurança de rastreador veterano sintonizado com quaisquer sinais de movimento humano nessas fronteiras sem lei. Pelo binóculo, ele sonda a savana queimada na morraria bruxuleante que segue até uma crista coroada de árvores ao longe. Nessa que é uma das fronteiras mais disputadas do Brasil – em que o solo desmatado empurra a floresta de crescimento antigo e terrenos privados adentram as fronteiras de terras indígenas –, as marcas de pneus só podem ter um significado.

“Madeireiros”, anuncia Tainaky. O inimigo. Tainaky, cujo nome em português é Laércio Souza Silva Guajajara, fala com seus quatro companheiros, também da população Guajajara, enquanto descem das motos. É uma patrulha bem variegada: jeans remendados e estampas de camuflagem, óculos de aviador e bandana protegendo o rosto da onipresente poeira da estação seca. Com seu arsenal igualmente modesto – uma espingarda de caça de tiro único, uma pistola de fabricação caseira, alguns facões pendentes dos cintos –, eles fazem pensar em um estranho filme de gênero misto, algo como Mad Max encontra Os Últimos Moicanos.

“Vamos atrás deles?”, pergunta Tainaky.

Uma queimada feita por awás assentados limpa um mandiocal na orla do Posto Juriti, no Maranhão. Eles vivem da agricultura, pesca, caça e coleta, enquanto os awás nômades isolados vivem principalmente da caça e coleta.
Foto de Charlie Hamilton James

Perseguir madeireiros ilegais agora é a marca registrada de patrulhas como essa na região. Elas incendeiam caminhões com toras, apreendem armas e motosserras e expulsam madeireiros furiosos. Chefes de patrulha como Tainaky, de 33 anos, recebem frequentemente ameaças de morte. Alguns patrulheiros usam nome falso para esconder sua identidade. Em um único mês de 2016, três deles foram assassinados.

Todos eles integram uma força de 100 voluntários indígenas que se intitulam Guardiões da Floresta. Esse grupo e outros semelhantes surgiram recentemente para enfrentar uma maré crescente de extração ilegal de madeira que está dizimando florestas protegidas no Maranhão, no leste da Amazônia, entre elas a Terra Indígena Arariboia, de 4.150 quilômetros quadrados. Juntamente com a floresta, vêm desaparecendo os animais selvagens que há gerações sustentam a cultura de caça dos guajajaras. Os lagos que originam seus rios e riachos estão secando com o desmatamento. Aves e peixes estão sumindo.

Os riscos certamente são grandes para os guajajaras, mas eles adotaram estratégias de sobrevivência eficazes desde os seus primeiros contatos sangrentos com forasteiros, séculos atrás. A maioria deles conhece o modo de vida do mundo exterior: muitos estiveram lá. Bem piores são as agruras de outra aldeia, com a qual eles dividem a reserva Arariboia: a Awá. Vários bandos de nômades awás – um povo isolado ou não contatado que vive na parte mais oriental da Amazônia – vagueiam pelas matas no centro do território, vivendo em fuga quase constante dos chiados de molinetes e motosseras e, na estação seca, da fumaça de queimadas.

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    Ayrua (à esquerda), de 39 anos, com o cuxiú-preto de estimação, foi contatada por indigenistas em 1989. Nos postos, os awás ainda caçam animais como antas, pecaris e macacos para suplementar a alimentação. Um macaco-prego coroa Ximirapi (à direita), de 47 anos, que trocou o assentamento no Posto Awá, nos anos 1990, por outro em Tiracambu, atraído pela perspectiva de caça melhor e menos aglomeração no assentamento.
    Foto de Charlie Hamilton James

    Os awás, confinados a um núcleo de mata cada vez menor, são especialmente vulneráveis. Mas, até nos trechos pouco explorados da floresta pluvial na divisa ocidental do Brasil com o Peru, grupos isolados têm de viver em fuga para escapar das devastações da extração ilegal de madeira, mineração de ouro e, agora, do narcotráfico. Por toda a Bacia Amazônica, crescem as ameaças à segurança dos estimados 50 a 100 povos isolados e não contatados – talvez umas 5 mil pessoas no total. Esses grupos constituem a maioria das populações isoladas remanescentes no mundo. As únicas dentre os chamados grupos não contatadas que sabidamente existem fora da Amazônia vivem na floresta arbustiva do Chaco paraguaio, nas Ilhas Andaman, no Oceano Índico, e no oeste da Nova Guiné, na Indonésia. Os números podem parecer pequenos, mas os defensores dos direitos indígenas dizem que está em jogo algo bem maior: a preservação dos últimos vestígios de um modo de vida que praticamente desapareceu do planeta e sobrevive ainda fora da nossa economia industrial.

    “Quando uma etnia ou um grupo humano desaparece […] a perda é imensa”, declara o ativista dos direitos indígenas Sydney Possuelo. “A face da humanidade torna-se mais homogênea, e a própria humanidade empobrece.”

    Confira a reportagem completa na edição de outubro da revista National Geographic Brasil.

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