“Razão e Sensibilidade”, “Orgulho e Preconceito”, “Mansfield Park” e “Emma” foram os quatro livros lançados em ...

Os 250 anos de Jane Austen: por que a autora de “Orgulho e Preconceito” está mais viva do que nunca?

Especialista espanhola explica como Austen criou um “manual de inteligência emocional” que dura séculos através das personagens de seus livros e capturou o que ninguém via: a vida cotidiana como uma grande aventura.

“Razão e Sensibilidade”, “Orgulho e Preconceito”, “Mansfield Park” e “Emma” foram os quatro livros lançados em vida por Jane Austen. Sua família ainda publicou duas outras obras no mesmo ano em que a escritora morreu, já após ela ter falecido. 

Foto de Charlotta Wasteson/Creative Commons (CC BY 2.0)
Por Redação National Geographic Brasil*
Publicado 15 de dez. de 2025, 16:49 BRT

O que faz um clássico se tornar um clássico? Essa alquimia de relevância artística e atemporalidade segue um mistério, mas não no caso da escritora inglesa Jane Austen. A importância da autora de “Orgulho e Preconceito” e “Razão e Sensibilidade" parece só aumentar – e a cada 16 de dezembro, data de seu aniversário, é celebrado o “Jane Austen's Day” com mais fãs se somando a uma legião de admiradores.

Em 2025 se comemora os 250 anos do nascimento de Jane Austen. Considerada a criadora dos alicerces das histórias românticas tal como as conhecemos, ela também moldou a narrativa literária inglesa graças a seu texto fluído, preciso e de fácil compreensão. As histórias protagonizadas por suas heroínas (como a espirituosa Elizabeth Bennet, de “Orgulho e Preconceito”) mostram o olhar afiado de Austen, bem como seu senso de humor refinado e sarcástico, e seguem ganhando adaptações para o cinema, o teatro e o streaming.

Jane também é referência para os autores modernos. Entre eles está a escritora espanhola Espido Freire, de 51 anos, nascida na cidade de Bilbao e uma especialista em Jane Austen, a quem revisita vez ou outra em seus livros. É o caso de sua mais recente obra – Mi tía Jane (“Minha tia Jane”), uma biografia da autora britânica baseada em fatos e documentos históricos e contada pelo olhar do sobrinho de Jane – James Edward Austen.

 National Geographic entrevistou a escritora com exclusividade e por ocasião dos 250 anos de Jane Austen, para entender um pouco sobre o seu legado e a relevância da inglesa. “Jane Austen não é uma autora complexa, nem barroca: ela vai direto ao osso. E em um momento em que a atenção de quem lê dura apenas uns segundos, Jane é perfeita tanto com suas frases como com as cenas que inspira”, garante Freire. A seguir, confira a conversa completa.

Um retrato de Jane Austen baseado em um desenho feito por sua irmã Cassandra.

Um retrato de Jane Austen baseado em um desenho feito por sua irmã Cassandra. 

Foto de Domínio público

Por que Jane Austen ainda é relevante no século 21?

NatGeo – Mesmo mais de 200 anos depois, parece que Jane Austen vem se tornando mais e mais popular. Na sua opinião, o que explica o fato de ela seguir ganhando fãs e leitores jovens, e concorrendo com o ambiente digital? 
Espido Freire – Os jovens sempre foram jovens e, muitas vezes, a gente se esquece que, tanto eles como as crianças, têm muito mais em comum entre si do que nós, os adultos. E sobretudo na época da adolescência ou da pós-adolescência onde a rebeldia, a necessidade de buscar um idealo enamoramento mais forte, a capacidade de fazer sacrifícios e também uma maior sensibilidade são comuns a praticamente toda a juventude de todas as épocas do mundo

Mas com a obra de Jane o que ocorre é que, nos finais do século 18, princípios do 19com o romantismo muito perto – ainda que Jane Austen fosse neoclássica – ele começa a se manifestar de uma forma que é a mesma que a nossa hoje. Isto é, se começa a falar de liberdade, da importância da identidade pessoal, da desobediência aos mais velhos e da necessidade de buscar o próprio caminho

Ainda que os jovens no passado sentissem parecido, aquilo que era pedido a eles era obediênciasacrifício de si mesmos – ou do contrário eles receberiam terríveis castigos. Pense no que aconteceu com Romeu e Julieta, por exemplo. As histórias de Jane Austen, por sua vez, falam de jovens que têm que enfrentar determinadas dificuldades – que não são uma guerra ou ser abandonado em um bosque; não são as horríveis questões épicas, senão aquilo que todos nós encontramos no nosso dia a dia, na nossa casa ou na nossa cidade.

Então, mesmo sem recorrer a grandes aventuras, Jane nos mostra que aquilo que acontecia com a protagonista – e suas irmãs, primas, sobrinhas – não envelheceu porque sempre há uma conexão humana entre uma geração e outra. As mães atrapalhadasos pais distantesa sensação de que você é a única que mantém um pouco o juízo na casa – ou o sentimento de amar alguém e ao mesmo tempo em que você se irrita com essa pessoa constantemente.

mais populares

    veja mais
    Capa do livro "Mío Tía Jane", de Espido Freire.
    O livro "Orgulho e Preconceito" é considerado pela escritora Espido Freire como a obra mais perfeita ...
    À esquerda: No alto:

    Capa do livro "Mío Tía Jane", de Espido Freire. 

    À direita: Acima:

    O livro "Orgulho e Preconceito" é considerado pela escritora Espido Freire como a obra mais perfeita da lista de livros publicados por Jane Austen. 

    fotos de Divulgação

    Afinal, quem era Jane Austen? 

    NatGeo – Austen sempre foi muito mordaz em suas observações, mas já teve que a descreveu como uma solteirona amargurada. Você acha que seu trabalho também ajuda a revelar quem era, na verdade, Jane Austen?
    Espido Freire – Bom, os leitores me dizem que sim, principalmente as mulheres. Elas contam que tinham outra ideia sobre quem era a Jane e que depois de lerem seus livros isso mudou. Quer dizer, ela tem frases tão irônicas, tão divertidasnão é uma “senhora” ranzinza que estava em casa escrevendo sozinha. Era alguém que estava aberta ao mundo e tinha uma capacidade incrível para traçar o caráter humano

    Também é preciso levar em conta que, nos últimos tempos, temos começado a ler de uma forma muito mais intensiva as autoras femininas, porque se publicam mais seus livros, se estuda mais sobre elas. E o mundo de Jane Austen é bastante atrativo: é um mundo do equilíbrio, do conhecer-se a si mesma; um mundo em que o amor não é uma tormenta que te arrasa, senão uma brisa que te acompanhaÉ algo que te faz melhor e melhor pessoa.

    Acredito que as novas gerações, inclusive os millennials, que têm uma enorme preocupação por afastar-se de questões tóxicas, encabeçam, muitas vezes, rejeições evidentes ao amor romântico (ainda que sigam lendo e consumindo muito amor romântico), ler Jane Austen pode ser muito refrescante. É a sensação de que não há por que estar constantemente ao limite.

    A casa de Jane Austen que hoje é um museu fica em Chawton, nos arredores de ...

    A casa de Jane Austen que hoje é um museu fica em Chawton, nos arredores de Alton, Hampshire, Inglaterra.

    Foto de Creative Commons (CC BY-SA 4.0)

    Como autores e leitores se conectam com a autora de “Orgulho e Preconceito”

    NatGeo – Qual é a sua relação pessoal com Jane Austen? 
    Espido Freire – Meu estudo e proximidade com Jane Austen começaram quando eu estava na faculdade de filologia inglesa e já tinha lido alguns de seus romances. Anos mais tarde, depois de já ter publicado alguns livros, surgiu um desejo de escrever sobre escritoras. Eu queria “devolver parte do que elas me tinham dado pertencer também a uma linhagem de mulheres que escrevem

    Assim surgiu a ideia de viajar para os lugares os quais Jane Austen e também as irmãs Brontë viveram. Meu primeiro livro sobre Austen também incluía as duas e esses destinos. A partir de então, a demanda por parte dos leitores por saber mais sobre Jane nunca cessou. E, nos últimos cinco anos, aumentou de uma maneira muito evidente. 

    Então, uma vez que você encontra uma temática que interessa aos leitores, é um tesouro, certo? Meu último livro, "Minha tia Jane, também é o primeiro romance que escrevo realmente sobre Jane Austen (o livro anterior era um ensaio). Aqui, a maneira com que o narrador neste caso James Edward, que é um rapaz de 19 anos sobrinho de Jane – vai se aproximando da história me faz ocultar coisas que eu sei sobre a escritora, porque James não pode já saber de tudo num primeiro momento.

    Isso é muito interessante porque obriga a mim e aos leitores a voltar à tia Janeà Jane solteira, à Jane que era o membro menos importante de sua família. E, ao mesmo tempo, sentir a surpresa que Edward deve ter sentido quando ele e todos começaram a se dar conta de que a “tia Jane” era muito mais do que eles imaginavam. No final, o livro fala de um tema muito delicado, que é o de não conhecermos as pessoas por quem temos afeto, de não conhecermos as pessoas da nossa própria família.

    Já meu romance favorito de Jane sempre varia; mas agora eu diria que é “Persuasão”. Trata-se de uma história sobre segundas oportunidadesé o romance do arrependimentodas pessoas que não dizem ‘se voltasse a nascer faria tudo igual’. Ao contrário. Nesse livro ela diz que, se há uma segunda oportunidadeas coisas podem ser feitas melhor e para mim isso é encantador. 

    No entanto, acho que o livro mais perfeito de Jane, o melhor armado, talvez seja Orgulho e Preconceito”, sua obra mais popular. É muito bem escrita, divertida, brilhante, luminosa… Desde os diálogos ao arranque da história; da psicologia da personagem às cenas, trata-se de uma grande obra clássica.

    “Ler Jane Austen pode ser muito refrescante. É a sensação de que não há por que estar constantemente ao limite.”

    por Espido Freire
    Escritora espanhola

    Quem foi Jane Austen e por que ela é importante

    Nascida em 16 de dezembro de 1775, em Steventon, Hampshire, no interior da Inglaterra, Jane Austen é considerada o nome literário que “deu ao romance seu caráter distintamente moderno ao retratar pessoas comuns em sua vida cotidiana”, como detalha Enciclopaedia Britannica (plataforma de conhecimentos gerais do Reino Unido). 

    Apesar do sucesso que ronda seu nome e seu legadoAusten só publicou quatro livros na carreira. São eles “Razão e Sensibilidade” (1811), “Orgulho e Preconceito” (1813), “Mansfield Park” (1814) e “Emma” (1815). Já “Persuasão” e “A Abadia de Northanger” foram originalmente publicados juntos, de maneira póstuma por sua família, em 1817.

    Apesar de ser conhecida por suas novelas românticasJane Austen nunca se casou oficialmente, focando seu tempo e talento na escrita e na análise do cotidiano. Seu olhar apurado para captar as sutilezas dos relacionamentos amorosos e demonstrar como os matrimônios eram verdadeiros negócios jamais envelheceu. 

    Jane morreu em 18 de julho de 1817, em Winchester, Hampshire, também na Inglaterra, mas a cada ano milhares de mulheres se reúnem para comemorar sua vida e obra na celebração que ficou conhecida como “Jane Austen Day". Ocorrida anualmente em 16 de dezembro, a efeméride contempla encontros literários além de bailes de época e festivais. 

     

    *A entrevista foi feita por Luciana Borges, Editora Sênior de National Geographic Brasil e LATAM.

    mais populares

      veja mais
      loading

      Descubra Nat Geo

      • Animais
      • Meio ambiente
      • História
      • Ciência
      • Viagem
      • Fotografia
      • Espaço
      • Saúde

      Sobre nós

      Inscrição

      • Assine a newsletter
      • Disney+

      Siga-nos

      Copyright © 1996-2015 National Geographic Society. Copyright © 2015-2025 National Geographic Partners, LLC. Todos os direitos reservados