Este retrato de Jane Austen foi criado com base no esboço em aquarela de sua irmã ...

Como Jane Austen morreu? Mesmo depois de dois séculos, o mistério continua

Febre, fadiga e uma mudança na aparência? Por que os médicos modernos ainda estão tentando entender os sintomas que a célebre romancista apresentou antes de sua morte aos 41 anos.

Este retrato de Jane Austen foi criado com base no esboço em aquarela de sua irmã da romancista – e é a única imagem autenticada dela. Mesmo 250 anos após seu nascimento, a morte da célebre romancista continua sendo um mistério médico que gerações de especialistas tentaram solucionar.

Foto de Stefano Bianchetti, Bridgeman Images
Por Parissa DJangi, Fotografia de Stefano Bianchetti, Bridgeman Images
Publicado 17 de jul. de 2025, 12:36 BRT

Quando Jane Austen morreu, em 18 de julho de 1817aos 41 anos de idade, ela deixou para trás apenas seis romances completos e um dos mistérios médicos mais incômodos de todos os tempos.

Ninguém sabe o que exatamente causou sua morte. Mas Austen apresentou uma curiosa variedade de sintomas no final da vida, desde febres recorrentes e fadiga até problemas estomacais e preocupações com a mudança de sua aparência.

Esse mistério duradouro despertou o interesse de estudiosos e detetives de poltrona, que propuseram uma variedade de condições médicas para explicar sua morte, incluindo câncerenvenenamento acidental.

O ato de diagnosticar Austen postumamente faz parte de um movimento de “diagnóstico retrospectivo”, que é a prática de aplicar o conhecimento médico moderno para decifrar a doença de alguém do passado

Mas será que esse diagnóstico pode dar alguma pista sobre a vida de Jane Austen e resolver o mistério de sua morte?

Um registro do interior da casa de Jane Austen em Chawton, Hampshire, no Reino Unido.

Um registro do interior da casa de Jane Austen em Chawton, Hampshire, no Reino Unido.

Foto de JOHN KERNICK

O que se sabe sobre a doença de Jane Austen

Nascida em 16 de dezembro de 1775Jane Austen parece ter tido uma infância e uma vida adulta relativamente saudáveis.

Jane Austen era vigorosa e ativa até seus ataques de saúde no último ano de sua vida”, diz Juliette Wells, professora de estudos literários no Goucher College, uma universidade de Baltimore, nos Estados Unidos. Ela também é e co-curadora convidada da exposição “A Lively Mind: Jane Austen at 250” (“Uma mente viva: Jane Auste aos 250"), no The Morgan Library & Museum, uma biblioteca-museu de Nova York. 

“Até então, suas cartas incluem muitas menções ao prazer de dançar, muitas vezes por horas a fio, bem como longas caminhadas pelo campo.”

A saúde de Austen sofreu uma reviravolta por volta dos 40 anos de idade, em 1816, quando ela estava terminando o romance Persuasão”. Seus sintomas, que incluíam reumatismo e fadiga, iam e vinham, e ela os relatou em uma série de cartas que sobreviveram. 

Em 23 de março de 1817, Austen descreveu sua tez para a sobrinha Fanny Knight como “preta e branca e todas as cores erradas” e observou: “A doença é uma indulgência perigosa no meu tempo de vida”.

Duas semanas depois, ela se queixou em uma carta para seu irmão Charles de ter estado “muito indisposta na última quinzena para escrever qualquer coisa que não fosse absolutamente necessária”. Ela estava “sofrendo de um ataque bilioso acompanhado de muita febre”.  

Por volta dessa mesma época, sua sobrinha Caroline Austen, a visitou e notou a “alteração” em sua tia. “Ela estava muito pálida, sua voz era fraca e baixa, e havia nela uma aparência geral de debilidade e sofrimento; mas me disseram que ela nunca teve muita dor aguda.”

“Jane fez seu testamento no final de abril, vários meses antes de morrer, o que sugere um entendimento de que sua condição era grave”, observa Devoney Looser, professor de inglês da Universidade Estadual do Arizona, nos Estados Unidos, e autor de “Wild for Austen: A Rebellious, Subversive, and Untamed Jane” (algo como “Jane Austen Selvagem: Subversiva e Indomável”).

No mês seguinte, Austen e sua irmã Cassandra se mudaram para Winchester, na Inglaterra, onde a romancista procurou tratamento médico para uma doença desconhecida. “O tratamento não foi eficaz, e Jane morreu [...] nos braços de Cassandra”, diz Wells.

Perdi um tesouro, uma irmã, uma amiga que jamais poderia ser superada”, escreveu Cassandra dois dias após a morte de Jane. “Ela era o Sol de minha vida, o ornamento de todos os prazeres, o calmante de todas as tristezas.”

As cartas que restaram de Jane Austen, bem como as de amigos e familiares, são as principais fontes de informação sobre sua morte. Mas essas cartas não dão uma visão completa. Após a morte de Jane, Cassandra destruiu muitas das cartas de sua irmã, provavelmente para proteger sua privacidade e reputação – e, sem querer, abriu a porta para uma especulação desenfreada.

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Será que Jane Austen sofria de doença de Addison ou lúpus? 

O que causou a morte de Jane Austen? Uma das teorias mais prevalentes, proposta pela primeira vez em 1964 pelo cirurgião Zachary Cope, é que Austen sofria de doença de Addison, uma condição na qual as glândulas suprarrenais não conseguem produzir hormônios como cortisol.

A doença de Addison causa sintomas como a fadiga e o escurecimento da pele, tal como os comentários descritos nas cartas de Austen. Mas há um problema com essa teoria. Em 2021, os consultores eméritos do St. Thomas' Hospital de Londres, Michael Sanders e Elizabeth Graham, interessados na história de Jane Austen, apontaram que a doença de Addison na época de Austen era normalmente causada por tuberculose.

Jane não tinha problemas torácicos ou ortopédicos que sugerissem tuberculose, e ambos os seus médicos, Curtis e Lyford, estariam familiarizados com o diagnóstico”, escreveram eles.

Em vez disso, eles propuseram uma doença autoimune diferente, o lúpus, que seria responsável pelo “reumatismo, lesões na pele do rosto, febre e flutuação acentuada desses sintomas” de Austen.

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    As suspeitas de que Jane Austen morreu de câncer 

    Outros estudiosos do assunto, incluindo a biógrafa canadense-estadunidense Carol Shields, acreditam que o câncer foi uma “causa muito provável” da morte da romancista, especulando que o câncer de mama pode ter ocorrido na família de Austen.

    Looser concorda que o câncer parece ser “um diagnóstico mais plausível”, já que “não era incomum” na época de Austen.

    Se Austen tivesse câncero risco de metástase teria sido alto. “O único tratamento disponível para o câncer, a cirurgia, era muito arriscado na época de Austen”, observa Looser. “Ele dependia da capacidade de identificar e extirpar o tumor, em uma época em que a própria cirurgia poderia matar, devido ao risco de infecção.”

    Outras teorias incluem o linfoma de Hodgkin. De acordo com Annette Upfal, uma escritora, acadêmica e especialista em literatura australiana e estudiosa de Jane Austen que analisou o histórico médico completo da autora inglesa, a criadora de “Orgulho e Preconceito” pode ter sofrido mais cedo na vida do que a maioria acredita. Ela observa que “Jane era particularmente suscetível a infecções e sofreu doenças infecciosas excepcionalmente graves, bem como uma conjuntivite crônica que impedia sua capacidade de escrever”.

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    Qual a possibilidade de Jane Austen ter sido acidentalmente envenenada? 

    Em 2017, a Biblioteca Britânica levantou novas questões sobre a saúde de Austen quando testou três pares de óculos que podem ter pertencido a ela e descobriu que todos eles tinham lentes de diferentes intensidades

    De acordo com a biblioteca, um optometrista consultor examinou os resultados e disse que era possível que Austen tivesse desenvolvido catarata. Ele também lançou a teoria de que essas cataratas foram causadas por “envenenamento acidental por um metal pesado, como o arsênico”, que era predominante no século 19.

    Looser considera essa “a teoria menos confiável”. Os óculos foram encontrados em sua escrivaninha”, mas “podem ou não ter sido dela”. E embora Austen tenha sido “descrita como tendo olhos fracos”, a visão fraca pode ter muitas causas – não apenas catarata induzida por arsênico. 

    “Então, é possível que isso seja uma conclusão precipitada ao se unir os óculos na escrivaninha aos problemas de visão e, por consequência, ao envenenamento por arsênico”, diz ela.

    Por que é tão difícil diagnosticar personalidades históricas? 

    Além de examinar cartas e pertences antigos, os estudiosos também podem aproveitar os livros de casos médicos sobreviventes e as anotações de médicos para diagnosticar personalidades históricasMas nem mesmo esses documentos devem ser levados ao pé da letra, observa Mindy Schwartz, professora de medicina da Universidade norte-americana de Chicago. 

    “O que eles priorizam, o que deixam de fora – esses textos mostram os preconceitos da época e as prioridades que os médicos tinham ao criá-los”, diz. 

    Isso também mostra os recursos limitados daquele momento histórico. Por exemplo, os médicos contemporâneos de Austen teriam feito um diagnóstico clínico, que levava em conta o passado do paciente e um exame físico. Mas isso provavelmente não teria resultado em um diagnóstico definitivo porque muitas doenças têm sintomas que se sobrepõem.

    “Não tínhamos microbiologiatomografias computadorizadas ou exames de sangue [na época da doença], por isso teria sido difícil fazer uma análise precisa”, diz Schwartz. 

    Osamu Muramoto, pesquisador sênior do Centro de Ética em Cuidados com a Saúde da Oregon Health & Science University, também ressalta: "Os seres humanos estão evoluindoos microrganismos estão evoluindo, os genes estão evoluindo. Então, como podemos dizer que a doença X de 200 anos atrás é a mesma doença X de hoje?"

    Ainda que seja possível diagnosticar figuras históricas postumamente, há um debate sobre se isso deve ser feito.

    “Algumas pessoas podem estar preocupadas com o fato de isso ser uma invasão de privacidade”, explica Steven Joffe, Professor Art e Ilene Penn de Ética Médica e Política de Saúde e presidente do departamento homônimo da Universidade da Pensilvânia. “Em minha opinião, essas considerações de privacidade diminuem com o tempo.”

    Jane Austen passou seus últimos dias com a irmã, Cassandra, e mesmo buscando tratamento, não conseguiu ...

    Jane Austen passou seus últimos dias com a irmã, Cassandra, e mesmo buscando tratamento, não conseguiu descobrir de que mal sofria antes de morrer. 

    Foto de JOHN KERNICK

    Diagnósticos tardios de personalidade podem ajudar a enfrentar estigmas de saúde 

    No entanto, acrescenta ele, as considerações éticas devem ser levadas em conta em qualquer diagnóstico retrospectivo. Por exemplo, qualquer condição genética tem implicações para os descendentes sobreviventes da pessoa. Muramoto também ressalta que há um risco em fazer diagnósticos que acarretam danos à reputação por serem considerados tabus, como as infecções sexualmente transmissíveis.

    Ao mesmo tempo, fazer diagnósticos retrospectivos sobre figuras históricas pode ajudar a normalizar condições que há muito tempo são estigmatizadas. “Digamos que você possa mostrar de forma convincente que Abraham Lincoln teve depressão grave”, teoriza Joffe. “Para mim, isso é, na verdade, bastante desestigmatizante, pois mostra como alguém pode ter depressão grave e, ainda assim, ser uma das pessoas mais influentes da história americana.” 

    Fazer esses diagnósticos também pode ajudar a recontextualizar a vida e o trabalho da figura histórica. Por exemplo, o filósofo do século 19 Friedrich Nietzsche, diz Muramoto. “Ele passou quase uma década com uma saúde muito, muito ruimdoença mental, demência.” Muramoto acha que a sífilis terciária é o diagnóstico provável, dizendo que “explicaria, na minha opinião, o tom paranoico de seus últimos escritos”.

    É provável que esse não seja o caso de Jane Austen. “Eu não diria que seus romances refletem o estado de sua saúde”, adverte Looser. No entanto, ela acrescenta que, quando os sintomas de Austen estavam se intensificando, ela estava começando a escrever Sanditon, um romance inacabado que “apresenta uma mensagem sobre hipocondríacos e medicina charlatã”.

    Talvez nunca saibamos por que Jane Austen morreu. Mas sabemos que ela conseguia zombar das doenças, diz Looser, “mesmo diante de seus próprios problemas físicos crescentes”.

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