Uma foto do astronauta Nicholas Patrick, da Nasa, flutuando no Espaço enquanto faz a manutenção na ...

Nasa descobriu bactéria que “finge de morta”, viajou para o Espaço e pode ter chegado a Marte

A Nasa descobriu, em 2013, uma bactéria que escapava a todas as suas desinfecções mais rigorosas. Mas somente agora os cientistas descobriram como ela é capaz de fazer isso e especulam que o organismo pode ter chegado até Marte.

Uma foto do astronauta Nicholas Patrick, da Nasa, flutuando no Espaço enquanto faz a manutenção na Estação Espacial Internacional. Já foram encontrados micróbios na parte externa da EEI, que resistem à morte mesmo estando expostos à natureza excessivamente hostil do ambiente fora da Terra.

Foto de Nasa/Domínio Público
Por Robin George Andrews
Publicado 4 de dez. de 2025, 07:01 BRT

Para construir uma espaçonave, é necessária uma área de montagem de equipamentos extremamente limpa. É essencial principalmente no caso de enviar um robô a outro planeta com o objetivo de procurar sinais de vida alienígena microscópica. Afinal, ninguém gostaria de confundir um ser vivo clandestino” com a primeira evidência de extraterrestres

Mas esse cuidado também é vital para proteger os seres humanos de micróbios potencialmente perigosos em viagens de longo prazo ao Espaço — seja até a Estação Espacial Internacional, para a Lua ou até indo a Marte

É por isso que as naves espaciais são frequentemente construídas em salas limpas, alguns dos ambientes mais estéreis da Terra. No entanto, há cerca de uma década, os cientistas ficaram chocados ao descobrir que um novo tipo de bactéria havia invadido não apenas uma sala limpa de nave espacial, mas duas — a milhares de quilômetros de distância uma da outra. 

Essa bactéria – a Tersicoccus phoenicis – acabou sendo inofensiva. Mas ainda assim ela se tornou motivo de preocupação: isso porque  Tersicoccus já estava claramente presente há algum tempo antes de sua descoberta e, ainda assim, conseguiu escapar à detecção e aos rigorosos protocolos de esterilização. Então, como ela conseguiu passar despercebida?

Em um estudo recente publicado na revista “Microbiology Spectrum”, os cientistas descobriram o segredo dessa bactéria sorrateira: a T. phoenicis pode entrar em um estado de hibernação profunda, o que impede os cientistas de detectar sua presença. “Ela não está morta. Estava fingindo estar morta”, diz Madhan Tirumalai, microbiologista da Universidade de Houston, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo. “Ela estava apenas ‘dormente’.” 

Desde a descoberta da T. phoenicisoutros micróbios misteriosos surgiram nas salas limpas da agência espacial, e mais seres como estes podem estar escondidos nesses ambientes. “Vários destes organismos podem ser problemáticos”, diz William Widger, biólogo e bioquímico da Universidade de Houston e outro autor do estudo.

A bactéria Tersicoccus phoenicis recebeu esse nome em referência à sua descoberta em salas limpas (“Tersi”, ...

A bactéria Tersicoccus phoenicis recebeu esse nome em referência à sua descoberta em salas limpas (“Tersi”, que significa limpo em latim), ao formato de suas células (“Coccus”, que significa baga em grego) e ao módulo de pouso Phoenix Mars, no qual os engenheiros trabalhavam na sala do Centro Espacial Kennedy onde ela foi originalmente encontrada. Na imagem acima, cada uma das células bacterianas tem cerca de um micrômetro, ou mícron, de diâmetro (cerca de 0,00004 polegada).

Foto de NASA, JPL-Caltech

Como a Nasa trabalha para deixar suas salas “extremamente limpas”

Nem todos os equipamentos espaciais não precisam estar perfeitamente limpos; um telescópio espacial projetado para estudar planetas distantes ou procurar asteróides próximos à Terra, por exemplo, é construído por engenheiros vestindo “trajes espaciais” que cobrem todo o corpo e retêm poeira. Mas um grão de poeira errante ou bactérias espalhadas não prejudicam essas missões.

Mas se a agência espacial estiver construindo um aparelho como um rover (que é veículo robótico projetado o deslocamento e a exploração da superfície de outros planetas ou corpos celestes) com o objetivo de procurar micróbios extraterrestres, ela não vai querer que os micróbios da Terra peguem carona” neste equipamento

Também os astronautas que vão para o Espaço devem evitar o contato com bactériasfungos e vírus causadores de doenças. Por isso, certas salas limpas são feitas para serem extremamente limpas.

Neste sentido, os filtros de ar presentes nestes lugares reduzem continuamente a sujeira e a poeira, enquanto pressões de ar ligeiramente mais altas nos laboratórios garantem que ele esteja sempre fluindo para fora – em vez de para dentro

Do mesmo modo, fluidos biocidas, luzes ultravioletas, feixes radioativosgases que matam micróbios são usados para manter as superfícies estéreis. Períodos prolongados de aquecimento seco logo acima do ponto de ebulição da água removem microambientes aquosos cheios de nutrientes. 

Apesar desses esforços, mesmo quando não há nada para comer e ainda que estejam sendo atacados com uma variedade de substâncias que matam qualquer tipo de vidaalguns micróbios conseguem escapar da morte.

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    “Ainda existe um microbioma diversificado, mesmo em salas limpas e em naves espaciais”

    por Nils Averesch
    biólogo espacial da Universidade da Flórida, Estados Unidos

    Sobrevivendo e prosperando em salas limpas

    Na verdade, especula-se que o grau de limpeza extrema das salas pode até mesmo incentivar os micróbios a desenvolver novos truques de sobrevivência. Por isso, as agências espaciais frequentemente examinam suas instalações em busca de micróbios, esfregando as superfícies e colocando as amostras em caldos ricos em nutrientes para ver se alguma célula se reproduz

    Em alguns casos, mesmo que as células não cresçam, as amostras são verificadas para ver se algum material genético remanescente de microrganismos inativos ou mortos pode ser encontrado.

    Nos últimos anos, centenas de tipos de bactérias — incluindo muitas anteriormente desconhecidas pela ciência — foram encontradas nas salas de montagem e teste de espaçonaves mais cuidadosamente limpas da Nasa, a agência espacial norte-americana, e da ESA, a Agência Espacial Europeia. 

    Somente em 2025os cientistas identificaram 26 novas bactérias em swabs (aqueles bastonetes com algodão na ponta usado para coletar amostras das superfícies) passados por espaços de duas salas limpas de espaçonaves.

    Ainda existe um microbioma diversificado, mesmo em salas limpas e em naves espaciais”, diz Nils Averesch, biólogo espacial da Universidade da Flórida, também nos Estados Unidos, que não participou do estudo recente. Micróbios foram encontrados até mesmo na parte externa da Estação Espacial Internacional, exposta à natureza excessivamente hostil do próprio Espaço.

    Alguns desses organismos, inclusive, sobreviveram consumindo os produtos de limpeza que deveriam destruí-los. Outros podem persistir desenvolvendo esporos – estruturas biológicas resistentes que atuam como escudos. Na forma de esporos, as bactérias “podem permanecer [inertes] por milhões de anos até encontrarem as condições certas para germinar novamente”, diz Tirumalai. 

    Outra opção usada por estes organismos é entrar em estado de dormência. “Elas são sorrateiras: ficam em um modo de hibernação”, diz Tirumalai. Muitas espécies bacterianas despertam deste estado quando recebem nutrientes novamente. Quando isso acontece, os cientistas podem coletar amostras dos micróbios e cultivá-los até níveis detectáveis em laboratório.

    Já se sabe também que algumas bactérias dormentes permanecem silenciosas e inativas mesmo quando recebem alimento. Essa versão de dormência significa que elas podem permanecer ocultas. “Mesmo quando elas aparecem nas amostras coletadas com cotonetes e são colocadas em placas de cultura, esses organismos não crescem”, diz Widger. E isso pode representar um problema real.

    T. phoenicis é uma das bactérias que se enquadra nessa última categoria.

    Um microbiologista coleta uma amostra do piso de uma sala limpa de montagem de espaçonaves no ...
    Células T. phoenicis crescendo em “aglomerados” em meio mínimo de acetato, mostradas após o término de ...
    À esquerda: No alto:

    Um microbiologista coleta uma amostra do piso de uma sala limpa de montagem de espaçonaves no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA. Ele usa um cotonete para conseguir a amostra. Coletados frequentemente durante a montagem de uma espaçonave, esses materiais são analisados para se identificar através de um censo todos os tipos e números de micróbios presentes numa instalação considerada estéril.

    Foto de Nasa/JPL-Caltech
    À direita: Acima:

    Células T. phoenicis crescendo em “aglomerados” em meio mínimo de acetato, mostradas após o término de seu surgimento.

    Foto de Tirumalai et al. (CC BY 4.0)

    Explicando o que é o fator promotor de ressuscitação (RPF)

    Em 2007, os engenheiros que preparavam o módulo de pouso Phoenix Mars, da Nasa, coletaram amostras do piso da sala de montagem no Centro Espacial Kennedy, na Flórida. Graças a essas amostras (juntamente com testes para traços de DNA), os cientistas anunciaram que, em 2013, haviam identificado e detectado uma nova bactéria – a T. phoenicistanto em Kennedy quanto numa sala limpa da Agência Espacial Europeia localizada na Guiana Francesa, a 4 mil km de distância. 

    Foi a primeira vez que um novo micróbio foi encontrado em duas salas limpas distantes.

    Primeiro, os cientistas examinaram o genoma da bactéria em busca de pistas sobre como o micróbio havia persistido por tanto tempo em ambientes estéreis tão diferentes. Eles descobriram que ele carregava o gene de uma proteína conhecida como fator promotor de ressuscitação (ou RPF), o qual pode despertar bactérias semelhantes que também possuem o mesmo gene.

    Ter esse gene não significa necessariamente que uma bactéria tire proveito dele. Para descobrir, a equipe de Tirumalai privou a T. phoenicis de todos os nutrientes e a desidratou até o ponto de dessecação. Suas células, então, entraram rapidamente em um estado de dormência

    Em muitos casos, as bactérias não conseguiram sair da dormência e voltar a crescer quando receberam nutrientes. Mas em outros, as células cresceram em aglomerados em poças ricas de “alimento” – ainda que isso tenha levado vários dias. 

    Sua capacidade de entrar em um estado dormente quase indetectável e permanecer assim mesmo quando as condições melhoravam explicava por que as pesquisas demoraram tanto para descobri-las nas salas limpas das espaçonaves. “Mas no momento em que você adiciona o RPF a ela: boom!”, diz Tirumalai. “Ela precisa do RPF para reviver.”

    O RPF não é uma característica natural das instalações limpas. Mas várias bactérias o secretam, incluindo uma espécie particularmente comum que vive na pele humana. Isso torna o RPF fácil de encontrar em qualquer outro lugar. “Você tem. Eu tenho”, diz Widger. 

    Com o RPF sendo tão onipresente, qualquer T. phoenicis agarrada a uma espaçonave superlimpa não teria nenhuma dificuldade em acordar e se banquetear após um longo período de dormência.

    Enviamos micróbios para Marte?

    Se esse estágio de dormência seria suficiente para proteger T. phoenicis das condições extremas do Espaço profundo ainda é uma incógnita — embora seja improvável.

    O módulo de pouso Phoenix há muito deixou a Terra para procurar água antiga e moléculas orgânicas no Ártico marciano. E as chances de bactérias sobreviverem à superfície marciana são ainda menores. (Quaisquer descobertas futuras de micróbios alienígenas seriam verificadas duas vezes em relação ao censo daqueles das salas limpas).

    A questão mais importante são as próprias salas limpas e os humanos que trabalham nelas. A T. phoenicis é um alerta não apenas para as salas limpas das naves espaciais, mas para todas as instalações higienizadas — desde as utilizadas na agricultura e nos laboratórios de produção de alimentos até as utilizadas por empresas farmacêuticas e hospitais. “A dormência não tem implicações apenas para a proteção planetária, mas também para os ambientes humanos”, diz Tirumalai.

    Bactérias causadoras de doenças capazes de entrar em um modo furtivo semelhante ao da T. phoenicis em qualquer uma dessas salas supostamente estéreis podem causar estragos. Até o momento, os cientistas não têm conhecimento de nenhum micróbio problemático como esse. Mas, novamente, isso pode ser porque eles não foram capazes de detectá-los. “O desconhecido é mais assustador do que o conhecido”, diz Widger.

    “A T. phoenicis pode entrar em um estado de hibernação profunda, o que impede os cientistas de detectar sua presença.”

    O combate aos micróbios que fingem de mortos

    O estudo da equipe aponta para a necessidade de testar mais superfícies em busca de vestígios de material genético de micróbios camuflados. Outra maneira, mais contraintuitiva, de espionar bactérias furtivas em lugares que deveriam estar extremamente descontaminados é impedir que elas entrem em estado de hibernação.

    O PRF desperta a T. phoenicis permitindo que ela seja detectada e facilmente eliminada. Se os cientistas descobrissem a chave para despertar bactérias semelhantes, “então os antibióticos que normalmente as matariam as matariam”, diz Widger.

    É improvável que voos de curta distância ao Espaço sejam ameaçados por micróbios sorrateiros; afinal, os astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional não contraíram nenhuma doença infecciosa grave enquanto estavam lá.

    Em missões espaciais tripuladas de longo prazo à Lua ou Marteos astronautas passarão por longos períodos de quarentena. Isso garante que quaisquer doenças infecciosas que possam estar incubando no momento sejam detectadas antes do lançamento. Mas isso não significa que esses “micróbios espertinhos não estarão esperando por eles dentro das próprias naves espaciais.

    Entrar em estado de dormência também não é a única maneira que os microrganismos têm de escapar à detecção. Cientistas submeteram recentemente certas bactérias a condições ambientais semelhantes às de Marte e descobriram que isso faz com que elas mudem suas formas e comportamentos biológicos

    Também foi demonstrado que as viagens espaciais confundem o sistema imunológico dos astronautas e, neste caso, uma combinação dos dois fatores pode significar que nossas próprias defesas biológicas sejam menos capazes de detectar e matar invasores bacterianos. 

    Qualquer pessoa que deseje estabelecer uma presença sustentável na superfície lunar ou em Marte deve ter o cuidado de não subestimar o reino bacteriano. Até porque, uma base fora do mundo precisará de alimentos. “E se você levar plantasestará levando um monte de micróbios”, diz Averesch. Esperamos que ao menos eles sejam do tipo amigável.

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