
Há 25 anos, a humanidade também vive no Espaço: como são os dias na Estação Espacial Internacional
Antes de retornar à Terra em abril de 2020, a astronauta da Nasa e engenheira de voo da Expedição 61/62, Jessica Meir, tocou saxofone alto na cúpula com muitas janelas da ISS.
No Halloween do ano 2000, um foguete russo Soyuz foi lançado do Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão, e entrou para os livros de História, levando um astronauta norte-americano e dois cosmonautas russos para a recém-criada Estação Espacial Internacional (ISS).
A tripulação chegou dois dias depois, e a estação Espacial Internacional tem sido continuamente ocupada por humanos desde então, assim já é uma sequência de 25 anos vivendo e trabalhando em órbita baixa da Terra.
“Há crianças hoje em dia que estão na faculdade e que, durante toda a sua vida, viveram fora do planeta”, diz Kenny Todd, vice-gerente do programa da Nasa para a ISS. “Quando eu era criança, tudo isso era apenas um sonho.”
O laboratório orbital está entre os objetos mais caros e tecnologicamente complexos já construídos: um habitat pressurizado de 150 bilhões de dólares, do tamanho de um campo de futebol, voando a 408 km acima da superfície da Terra a 27 mil km/h. Ao longo das décadas, mais de 241 mulheres e homens de todo o mundo chamaram temporariamente essa estação espacial de lar, alguns por quase um ano inteiro de cada vez.
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Pairando sobre a Terra e sua fina atmosfera azul, a Estação Espacial Internacional aparece em grande destaque nesta foto tirada em outubro de 2018 por três membros da tripulação que estavam deixando a estação. Um triunfo tecnológico e diplomático, a ISS mantém pessoas vivendo e trabalhando em órbita todos os dias desde 2 de novembro de 2000.
“É uma loucura — estou surpreso por não termos ferido gravemente ninguém”, afirma o astronauta aposentado da Nasa, Scott Kelly, que passou quase um ano em uma estadia na ISS, no Espaço. “É realmente uma prova da seriedade com que as pessoas na Terra levam esse trabalho, a atenção aos detalhes.”
Mais de cem mil pessoas trabalharam juntas para projetar, construir, lançar e operar a enorme estação, conta David Nixon, que trabalhou com a Nasa nos projetos da ISS em meados da década de 1980. “Quando você compara a estação com a série de grandes estruturas e edifícios construídos pela humanidade desde o início da civilização, ela está no mesmo nível das pirâmides do Egito, da Acrópole — todas as grandes estruturas e edifícios”, diz ele.
A Estação Espacial é um triunfo global
Assim como as estruturas mais duradouras da Terra, a ISS levou décadas para ser construída. Nascido do conceito norte-americano de “Estação Espacial Liberdade” em 1984, o projeto evoluiu gradualmente para um pacto de pesquisa espacial entre 15 nações, incluindo os Estados Unidos, Canadá, Japão, Rússia e os onze Estados-membros da Agência Espacial Europeia.
As primeiras peças da ISS começaram a chegar à órbita em 1998, e os membros da tripulação da Expedição 1 embarcaram na estação recém-criada em 2 de novembro de 2000.
Ao longo do caminho, o programa enfrentou sérios desafios. Os desastres do ônibus espacial em 1986 e 2003 não só resultaram em 14 mortes e nas perdas do Challenger e do Columbia, como também abalaram o programa e retardaram a construção da estação.
Em 2007, um rasgo de 76 cm em um dos painéis solares da estação exigiu que a tripulação improvisasse um reparo e realizasse uma caminhada espacial de alto risco — flutuando sobre os painéis presos a uma corda enquanto a eletricidade passava pelo painel. As tripulações também tiveram que lidar com vazamentos de ar, bombas de refrigeração danificadas, reparos elaborados de equipamentos científicos e missões de reabastecimento fracassadas.

Em 2007, os astronautas da Nasa, Scott Parazynski e Doug Wheelock (fora do quadro), realizaram uma caminhada espacial de sete horas e 19 minutos para reparar um rasgo de 76 cm em um dos painéis solares da ISS. Os astronautas tiveram que usar um conjunto caseiro de estabilizadores “cufflink” para consertar o dano.
Para manter a estação em funcionamento e seus habitantes vivos no Espaço, os tripulantes e as equipes de apoio globais devem se envolver em uma colaboração técnica que Todd compara a “uma mini-Organização das Nações Unidas”.
“Tanto nossos astronautas, como nossos cosmonautas, eles estão na ponta da lança, vivendo nessas pequenas latas que montamos em órbita”, afirma Todd. “É incrível como reunir todas essas culturas tem sido uma experiência de aprendizado.”
Até mesmo as rotinas diárias apresentam desafios, em parte devido ao ambiente único da ISS. A luz solar e as sombras aquecem e resfriam a estação cada vez que ela dá uma volta ao redor da Terra, a cada 90 minutos, fazendo com que as estruturas metálicas se flexionem e estalem. Alguns astronautas dormem com tampões nos ouvidos para ter paz de espírito.
O ambiente não é mais fácil para o corpo humano. Os fluidos normalmente atraídos para os pés pela gravidade permanecem na cabeça, causando desconforto e possivelmente contribuindo para a visão prejudicada dos astronautas quando retornam à terra firme.
Os níveis de CO2 na ISS são frequentemente 10 vezes mais altos do que na Terra, o suficiente para causar dores de cabeça aos membros da tripulação. E atividades básicas, como usar o banheiro — algo que os humanos evoluíram para fazer na gravidade —, tornam-se tarefas complexas.
“Não é como ir de férias”, comenta Kelly, que passou 499 dias a bordo da ISS em duas expedições, incluindo um “ano no espaço” de 340 dias com o cosmonauta Mikhail Kornienko em 2015 e 2016. “Há muito desconforto.”
Apesar do desconforto físico, a experiência de viver a bordo da estação espacial muda as pessoas de outra maneira. De seu poleiro acima da Terra, Kelly contemplou o azul elétrico das Bahamas e a vastidão do deserto do Saara — e a atmosfera assustadoramente fina da Terra, que o lembrou de uma lente de contato grudada em um grande globo ocular.
“Você tem a impressão de que não somos cidadãos de um país específico, mas do planeta”, afirma o ex-astronauta. “Estamos todos juntos nessa coisa chamada humanidade.”

Nesta imagem de dezembro de 2000, os membros da tripulação da Expedição 1 — os primeiros habitantes permanentes da ISS — preparam-se para comer laranjas frescas. A tripulação incluía o cosmonauta russo Yuri Gidzenko (à esquerda), o astronauta americano William Shepherd (ao centro) e o cosmonauta russo Sergei Krikalev (à direita).

O astronauta Koichi Wakata, da Agência de Exploração Aeroespacial Japonesa (Jaxa), engenheiro de voo da Expedição 38, faz exercícios no avançado aparelho de exercícios resistivos (aRED) da ISS.
Como é fazer ciência no Espaço
Além de manter sua casa orbital em ordem, os membros da tripulação da estação espacial criaram um laboratório espacial. Montar a estação para fins científicos não foi fácil, pois até mesmo os equipamentos laboratoriais mais básicos tiveram que ser testados e, muitas vezes, reprojetados para funcionar em microgravidade. Mas, até o momento, cerca de 3 mil experimentos foram realizados no ambiente único de microgravidade da estação.
Como a ISS orbita a Terra, a estação espacial está essencialmente em um estado constante de queda livre, junto com todos a bordo. Isso cria uma sensação constante de ausência de gravidade dentro da estação, como se a gravidade da Terra fosse reduzida em mais de 99,999%.
As pesquisas vão desde o sequenciamento de DNA no Espaço até o estudo de partículas de alta energia provenientes de fenômenos cósmicos distantes. Mas uma das áreas mais frutíferas da pesquisa da ISS tem sido os próprios membros da tripulação.
Para a bióloga especializada em radiação da Universidade Estadual do Colorado, nos Estados Unidos, Susan Bailey, a ISS forneceu dados inestimáveis sobre como o espaço afeta a saúde dos astronautas. O maior avanço: o Estudo dos Gêmeos da Nasa, que examinou Scott Kelly e seu irmão gêmeo idêntico, o também astronauta Mark Kelly, enquanto Scott passava a maior parte do ano no espaço.
Bailey examinou amostras de sangue dos irmãos para estudar seus cromossomos e, especialmente, seus telômeros, que são sequências de DNA protetoras nas extremidades dos cromossomos que funcionam de maneira semelhante às pontas dos cadarços.
O estudo do DNA dos irmãos Kelly permitiu que Bailey e seus colegas compreendessem melhor como o corpo humano responde à microgravidade e à radiação espacial. Os primeiros resultados mostram uma ampla gama de alterações genéticas em resposta ao voo espacial, incluindo alguns sinais de encurtamento dos telômeros, que está associado ao envelhecimento e às doenças cardíacas.
“Se realmente o envelhecimento e o risco de doenças são acelerados com os voos espaciais, o que podemos fazer a respeito?”, questiona Bailey. “À medida que descobrirmos isso, também beneficiaremos aqueles que estão na Terra.”

Em julho de 2009, o ônibus espacial Endeavour acoplou-se à ISS, levando à maior aglomeração já vista na estação até então: 13 pessoas compartilhando o laboratório orbital, oito das quais estão retratadas aqui na hora da refeição.
O futuro da Estação Espacial Internacional
Com mais de 120 mil órbitas e 5,3 bilhões de Km percorridos acima da superfície da Terra, a ISS continua forte — e é mais do que nunca um esforço global. Astronautas e cosmonautas de 19 países já visitaram a estação. À medida que a Nasa tenta impulsionar o uso comercial da estação e, possivelmente, começar a levar turistas para visitá-la, é provável que mais pessoas de diferentes origens voem ao espaço, desde pesquisadores comerciais até estrelas de cinema.
“À medida que a estação se torna mais rotineira, você tem pessoas indo para lá que definitivamente não são ‘The Right Stuff’ — que não são ex-pilotos de teste ou pilotos militares, mas que vêm de uma formação científica ou de engenharia”, diz Nixon. “É assim que deve ser.”
Mas, à medida que o acesso à órbita terrestre baixa se amplia, a ISS e suas sucessoras devem se tornar mais habitáveis e fáceis de operar, afirma Nixon. Sua estação futura ideal seria menos barulhenta, proporcionaria mais conforto às tripulações e teria acomodações mais espaçosas, incluindo um chuveiro adequado.
“Seria maravilhoso se alguém entregasse um módulo à estação que fosse completamente revestido com estofados e almofadas, e você pudesse simplesmente pular dentro dele”, diz Nixon. “Para aliviar o estresse do dia, certo? Por que não?”
Não se sabe se a ISS ainda estará em funcionamento para ver os dias de diversão da exploração espacial. Atualmente, a estação está programada para funcionar até pelo menos 2024, e grande parte de seu hardware está certificado para operar com segurança até pelo menos 2028, se não por mais tempo para seus componentes mais novos.

Após alguns dias da Expedição 44 — e quatro meses de seu “ano no espaço” —, o astronauta da Nasa Scott Kelly tirou esta foto do Japão à noite, em 25 de julho de 2015.
Mas, enquanto a Nasa tenta liderar uma crescente coalizão internacional rumo à Lua — com apenas alguns dos países parceiros da ISS, por enquanto —, o futuro do laboratório orbital da Terra permanece incerto. A ISS será desmontada e aproveitada em órbita para construir uma futura estação espacial?
Será entregue a empresas privadas à medida que as nações se aventuram mais longe no espaço? Será que toda a estrutura terá um final glorioso, sendo direcionada para uma aterrissagem forçada no ponto Nemo do Pacífico, como a estação espacial russa Mir?
Independentemente do destino final da ISS, Kelly acredita que seu legado — e seu espírito de exploração — devem perdurar.
“Devemos nos dedicar a nunca mais ter todos os seres humanos na Terra”, diz ele. “Estamos nessa sequência há 25 anos e eu odiaria ver isso acabar.”
