Descoberta pela Nasa a melhor evidência da existência de vida antiga em Marte – até agora
O rover Perseverance da Nasa encontrou possíveis sinais de vida antiga em rochas em Marte, mantendo os cientistas surpresos e animados. Veja o que eles descobriram.

O rover Perseverance da Nasa tirou essa selfie em 23 de julho de 2024. À esquerda do rover, perto do centro da imagem, está a rocha em forma de ponta de flecha apelidada de “Cheyava Falls”. A inspeção preliminar da rocha sugeriu que ela poderia conter moléculas orgânicas, consideradas os blocos de construção da vida. O rover perfurou uma amostra do núcleo dessa rocha e agora os cientistas dizem que sua composição química sugere que Marte pode ter sido o lar de micróbios antigos.
O geólogo Michael Tice nunca tinha perdido o sono por causa de uma rocha marciana. Isso mudou quando ele analisou os dados da formação rochosa Bright Angel, vinda de Marte, localizada em um antigo vale fluvial chamado Neretva Vallis.
Essa formação rochosa contém as evidências mais convincentes até o momento da possível existência de vida antiga em Marte, com base em uma nova análise das rochas exploradas pelo rover Perseverance da Nasa (a agência espacial norte-americana), publicada em 10 de setembro na revista científica “Nature”.
O resultado “é o mais próximo que chegamos de descobrir vida antiga em Marte”, disse Nicola Fox, administradora associada para ciência da Nasa, em uma coletiva de imprensa.
Mais pesquisas são necessárias para confirmar que realmente existiu vida lá, mas para cientistas como Tice e seu colaborador Joel Hurowitz, as rochas de Bright Angel levantam a possibilidade de que micróbios tenham prosperado na lama subaquática há cerca de 3,5 bilhões de anos.
“É realmente impressionante”, diz Tice, pesquisador científico da Universidade Texas A&M, nos Estados Unidos, e coautor do novo estudo. “Quando Joel e eu começamos a considerar seriamente a possibilidade de que a vida pudesse estar envolvida na formação dessas coisas, tive dificuldade para dormir naquela noite.”
As rochas de Bright Angel, na borda oeste da cratera Jezero, provavelmente foram depositadas no fundo de um lago ou rio quando a água fluía livremente em Marte, um planeta que agora está seco. Pistas químicas em uma rocha apelidada de Cheyava Falls sugerem que ocorreu um tipo específico de reação que, na Terra, normalmente envolve vida microbiana.
“Esta é a primeira vez que processos químicos consistentes com — embora não sejam prova definitiva de — uma origem biológica foram observados” em Marte, diz Christian Schröder, físico do Instituto Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar, que não participou do estudo.
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A Cheyava Falls foi encontrada em um antigo leito fluvial na região de Bright Angel, na cratera Jezero, em Marte. Suas “manchas de leopardo” foram manchete em 2024. Agora, uma amostra do núcleo coletada pela Perseverance revela mais sobre a composição química da rocha.
As pistas de evidência de vida marciana vieram de manchas incrustadas em rochas
Ao longo de Bright Angel, o Perseverance encontrou manchas esverdeadas que os cientistas gostam de chamar de “sementes de papoula” ou “nódulos” incrustadas em argila vermelha. O mineral vivianita, que contém fosfato de ferro, é proeminente nessas manchas.
Cheyava Falls também contém pequenas características em forma de anel chamadas “manchas de leopardo”. O rover perfurou uma amostra fina do núcleo da rocha, com pouco mais do que o comprimento do dedo mínimo de um adulto, e usou seu conjunto de instrumentos científicos para aprender mais.
Os dados da amostra, batizada de Sapphire Canyon, agora revelam que as bordas ao redor das manchas também são feitas de minerais escuros de fosfato de ferro, e as áreas internas mais claras são feitas de um mineral de sulfeto de ferro chamado greigita.
O mais empolgante para a busca por vida teria ocorrido em uma escala ainda menor do que as moléculas. Em uma reação de oxidação-redução ou “reação redox”, o material orgânico cedeu elétrons ao ferro na lama e deixou para trás esses outros minerais, vivianita e greigita.
Na Terra, os microrganismos provocam reações como essa ao consumir a matéria orgânica e capturar a energia liberada no processo redox, com minerais formados como subprodutos. É como se os seres humanos comessem alimentos para obter energia e também gerassem resíduos.
“Nos locais onde vemos isso acontecer na Terra, em ambientes sedimentares à temperatura ambiente, essas reações são normalmente impulsionadas por micróbios”, diz Hurowitz, geólogo da Universidade Stony Brook.
Se os resultados de Cheyava Falls realmente levarem à comprovação de vida antiga em Marte, observa Tice, isso significa que dois planetas diferentes abrigaram micróbios os quais obtinham energia da mesma forma, aproximadamente na mesma época, em um passado distante. Isso poderia sugerir que a vida primitiva aprende a sobreviver dessa maneira, independentemente de onde se originou. “Acho que isso pode nos dizer algo realmente profundo sobre como a vida evolui”, diz ele.
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Como provar que existiu vida em Marte?
Comprovar que um sinal de vida, ou o que os cientistas chamam de bioassinatura, foi encontrado de forma definitiva é uma enorme tarefa científica. Isso requer várias linhas de evidência, de diferentes instrumentos científicos, e uma investigação completa do contexto geológico em que o sinal biológico poderia ter sido produzido. Uma enorme quantidade de escrutínio e debate garantiria uma conclusão tão inovadora.
A primeira pergunta óbvia é: uma fonte não biológica pode produzir o mesmo resultado?
As mesmas reações redox descritas no artigo sobre as rochas marcianas, com os mesmos subprodutos, podem ocorrer sem a presença de vida, mas apenas em condições de alta temperatura.
Uma erupção vulcânica poderia, teoricamente, explicar algo assim, sem a necessidade de vida. Mas os autores do estudo acreditam que as condições não eram suficientemente quentes nesse local específico, quando as rochas parecem ter estado submersas.
“Se você pegasse a lama e a matéria orgânica e as cozinhasse, poderia obter o mesmo conjunto de minerais”, diz Hurowitz. “Mas, até agora, usando todas as ferramentas disponíveis, não vemos nenhuma evidência de que essas rochas tenham sido aquecidas até as temperaturas necessárias para que essa reação ocorresse.”
Além disso, Tice observou que, se um grande fluxo de lava tivesse criado as chamadas “manchas de leopardo”, elas apareceriam apenas em uma única camada, em vez de várias camadas da amostra do núcleo.
Os cientistas enfatizaram que, para saber com certeza se a vida microbiana antiga foi responsável pelas sementes de papoula e manchas de leopardo no Sapphire Canyon, as amostras das rochas de Marte precisariam ser trazidas de volta à Terra para que se pudesse usar equipamentos de laboratório mais sofisticados para investigar mais a fundo.
No entanto, o destino do programa de retorno de amostras da Nasa permanece incerto. Enquanto isso, o rover Rosalind Franklin, da Agência Espacial Europeia, também pode levar adiante a história da vida em Marte.
O rover Rosalind perfurará mais profundamente a superfície do planeta vermelho e analisará amostras no Planeta Vermelho. Amostras de locais mais profundos no subsolo estariam mais bem preservadas do ambiente hostil da superfície, observa Schröder, que é afiliado ao projeto.
Batizado em homenagem a um colaborador fundamental na descoberta da dupla hélice do DNA, o rover da ESA deve ser lançado em 2028. A China também espera lançar uma missão de retorno de amostras na mesma época.
Para descartar explicações diferentes da vida, os cientistas também precisam explorar mais ambientes na Terra com características semelhantes às da antiga Marte, diz Hurowitz, para ver se há exemplos de reações químicas semelhantes ocorrendo sem o envolvimento da biologia. Isso poderia incluir o fundo de lagos, estuários e outras áreas onde as rochas estão imersas na água.

O rover Perseverance da Nasa utilizou seu instrumento Mastcam-Z para visualizar a área ao redor da amostra coletada da rocha Cheyava Falls.
Será esta a primeira evidência possível de vida em Marte?
A Nasa anunciou pela primeira vez a descoberta da rocha em forma de ponta de flecha chamada Cheyava Falls, batizada em homenagem à cachoeira mais alta do Grand Canyon, em julho de 2024. Com veios brancos de sulfito de cálcio, a rocha apresentava assinaturas químicas e estruturas que, bilhões de anos atrás, poderiam ter sido forjadas pela vida. Entre elas estavam moléculas à base de carbono fundamentais para a biologia, mas que também poderiam ter origem não biológica.
Esta não é a primeira vez que um rover marciano encontra possíveis sinais de habitabilidade antiga e condições que poderiam indicar vida. O rover Spirit da Nasa, por exemplo, encontrou um antigo ambiente de fontes termais na cratera Gusev antes de ficar preso na areia e perder contato. O rover Curiosity, que ainda opera hoje na cratera Gale, encontrou compostos orgânicos em rochas argilosas no local.
Mas sinais reveladores de reações redox elevam essa nova descoberta acima das pistas ambientais que outros rovers marcianos encontraram, diz Schröder.
Quanto à questão de Cheyava Falls ser a rocha mais interessante além da Terra, Hurowitz hesita, mas acrescenta: “se seus interesses específicos são astrobiologia e geobiologia, esta é uma excelente candidata a rocha favorita”.
Nota do editor: esta reportagem foi atualizada com informações de uma coletiva de imprensa da Nasa em 10 de setembro de 2025.
