Leonardo Lanna e suas expedições em busca dos louva-a-deus na Mata Atlântica
Com o Projeto Mantis, o biólogo do Rio de Janeiro expande o conhecimento que temos sobre o enigmático inseto ao longo de várias viagens por uma das matas mais ricas em biodiversidade do mundo.
Lanterna, câmera e ação: quem acredita que para gravar a vida selvagem basta uma câmera na mão e uma ideia na cabeça não tem ideia do trabalho de pesquisa por trás de cada imagem capturada. O Explorador Leonardo Lanna e a equipe de biólogos do Projeto Mantis, apoiados pela National Geographic, têm uma missão científica que beira à poesia: mostrar a todos o quão maravilhoso e interessante é o micromundo dos insetos - e o porta-voz da empreitada é o louva-a-deus. Mantis é como se fala em inglês o nome do delicado animal. O termo veio do grego antigo para “aquele que prevê”, mas a disposição de suas patas deu a ele um nome em português de cunho religioso, como se estivesse em uma prece. Apesar da composição corporal imponente que até inspirou um estilo de kung fu nos chineses, o inseto se camufla muito bem, fazendo de cada expedição para registrá-lo uma aventura que requer muito planejamento. Nesta entrevista realizada no Explorer Festival, evento na Cidade do México que reuniu Exploradores de toda a América Latina, Lanna descreve com detalhes como tem realizado o trabalho e fala sobre o que já encontrou em suas viagens por dentro da Mata Atlântica.
NG: Como você chegou ao seu objeto de estudo?
LL: Eu estudo o louva-a-deus, que é um inseto. É engraçado porque quando entrei na faculdade, eu nunca imaginei que estudaria insetos. Eu tinha vontade de estudar aves. Mas, em uma das minhas saídas a campo, encontrei um louva-a-deus por acaso. E aquele animal me encantou muito. Ele olhava para mim, tinha um movimento. Normalmente, quem trabalha com insetos acaba os matando para estudar, e eu não tive coragem. Falei “nossa, é impossível matar esse inseto porque ele é lindo”. E com isso eu descobri que quase ninguém o estudava no Brasil. Então, resolvi começar o Projeto Mantis, só de estudantes, no Rio de Janeiro. Cada vez que íamos a campo, víamos uma diversidade enorme, que era algo muito além do que imaginávamos. Abrimos os olhos para o mundo, trabalhávamos dia e noite na floresta. É algo que quase ninguém tem contato, uma natureza incrível... Mesmo no Rio, que é uma cidade grande, mas nem se fala então da natureza nas florestas mais preservadas.
Como são as viagens do Projeto Mantis?
As dinâmicas das nossas viagens são bastante intensas. Normalmente, cada expedição dura cinco dias, o que é pouco, porque temos viajado toda Mata Atlântica, do Rio de Janeiro, e temos buscado diferentes ambientes. Nesses dias, temos um cronograma bem apertado. Ao mesmo tempo que temos de trabalhar com os louva-a-deus, na pesquisa à noite, tem de registrar toda a diversidade e o ambiente durante o dia. A gente acorda, vai a campo, reconhece o que vamos trabalhar à noite - porque ir a um lugar sem conhecer nada, só com sua lanterna... É muito difícil trabalhar se não conhece. Cada dia fazemos uma trilha diferente: reconhecemos o lugar, escolhemos os melhores locais, voltamos, almoçamos, preparamos tudo, voltamos a campo, com lanterna na mão, câmera no ombro e seguimos. Nosso trabalho é na escuridão, apenas com nossa lanterna, procurando um inseto supercamuflado. Na verdade, basicamente escaneamos a floresta inteira, do solo até onde nossos olhos veem. Nesse caminho, encontramos uma diversidade incrível e registramos praticamente tudo que vemos. Não só o louva-a-deus é importante, mas todo o contexto em que ele está vivendo.
“Conservar o louva-a-deus é também conservar esse símbolo que aproxima as pessoas do mundo dos insetos, um pequeno mundo que estamos acostumados a ignorar, ter medo ou ter nojo.”
O que você considera como mais importante da sua pesquisa com os louva-a-deus?
O motivo principal de conservar os louva-a-deus é não apenas o conservar em si, mas ter os pesquisadores trabalhando com cada tipo de animal para manter a biodiversidade que ainda existe e compartilhar com as pessoas o encanto com a natureza. Elas normalmente não gostam de insetos e negam nosso trabalho. Só que, assim que a gente mostra o primeiro louva-a-deus na mão, passam a se apaixonar e às vezes querem até criar como pet exótico. Conservar o louva-a-deus é também conservar esse símbolo que aproxima as pessoas do mundo dos insetos, um pequeno mundo que estamos acostumados a ignorar, ter medo ou ter nojo.
Em que etapa da pesquisa estão agora?
Vamos agora para a nossa nona viagem e tem sido incrível. São lugares belíssimos. É uma mata riquíssima que tem desde montanhas de 2 mil metros de altitude a praias paradisíacas, mangues e florestas de nuvens. Cada lugar tem suas peculiaridades, começando pela cor da mata, o tamanho, a estrutura, o tipo de planta que está lá. Conforme você vai mergulhando, vê uma singularidade de cada trecho de floresta e todos eles são preenchidos por animais também incríveis: cobras, mamíferos, anfíbios, insetos, aranhas... Tem aumentado a nossa visão sobre a natureza. Além da parte cultural porque todo esse ambiente está muito próximo das pessoas. Temos lidado com todos os tipos de culturas, como os tradicionais caiçaras até as pessoas que vivem combatendo incêndios.
E o que têm descoberto que já podem compartilhar com a National Geographic?
A pesquisa está em um nível muito bacana. Temos descoberto novas espécies, novos comportamentos de louva-a-deus, outros seres que nunca haviam sido registrados na natureza. Outros são raríssimos e outros que, na verdade, nem são raros, mas falta gente explorando. A expedição tem sido um trabalho incrível. Temos contatado as pessoas por meio das nossas mídias sociais também. As pessoas conseguem acompanhar o que é um trabalho de um explorador e têm se apaixonado. A gente conseguiu trazer arte para ciência, com artistas para fazer os pôsteres para o projeto. É um trabalho bem abrangente e o resultado da pesquisa vem consequentemente e com a maior satisfação que é poder trazer essa natureza para as pessoas. (Veja a reportagem com algumas das imagens em Raríssimo louva-a-deus dragão brasileiro é filmado na Mata Atlântica)
Sabemos que o trabalho do Explorador não se limita a buscas e registros. Algumas vezes, coisas inusitadas e até engraçadas ocorrem. Qual a situação mais curiosa que passou durante o Projeto Mantis?
Em uma das nossas expedições, estivemos no Parque Estadual do Desengano (a 270 km do Rio de Janeiro), um parque extremamente inacessível. Ofereceram nos levar com um carro 4x4 até uma casa de madeira. Eles falaram “preparem tudo porque lá não tem água, luz ou sinal de celular. A gente vai deixar vocês e volta para buscar no dia seguinte”. Chegamos lá e era uma casa linda por fora. Subimos no sótão e começou um barulho terrível numa caixa d’água. Parecia que ia sair uma onça de lá. Quando a gente olhou, tinha uma família de calangos dentro. Vimos que eles viviam na casa toda, no telhado, tomando sol. Vivia mais bicho do que gente! Acabou que a gente dormiu na varanda. Colocamos nossos colchões lá e tivemos uma das noites mais lindas, um céu estrelado que nunca vi igual.
Vocês têm pesquisado na Mata Atlântica, próxima a algumas das cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo. Como você enxerga os desafios desses Parques Nacionais situados perto das metrópoles?
Isso é muito comum no Rio de Janeiro, onde a Mata Atlântica já não existe como uma grande floresta contínua, são grandes fragmentos, trechos das florestas cercados de cidade. É preciso ter uma bela relação das pessoas que estão à volta. O parque tem de se abrir e mostrar o que tem dentro. Não pode se fechar como uma entidade separada da cidade, não tem de criar barreiras. Parques devem ser abertos e trazer mais as pessoas, educando e conscientizando porque elas vão multiplicar esse conhecimento. Além de fazer uma trilha, visitar uma cachoeira, elas vão porque querem realmente passar um tempo na natureza. E tem essa vantagem de ter um parque próximo à cidade, traz um bem-estar muito grande. Se conseguirmos esse equilíbrio, com programas que trazem as pessoas de maneira benéfica, os parques têm muitíssimo a ganhar, como melhorar a estrutura e conseguir incentivar mais pesquisas.
Durante as viagens, vocês conseguem sentir os efeitos do desmatamento da Mata Atlântica?
Conseguimos detectar não só desmatamento, mas todo o tipo de efeito de ação antrópica. Vimos fogo, especulação imobiliária, caça, poluição. Cada lugar em que fomos com o Projeto Mantis, justamente pela Mata Atlântica ter toda essa diversidade também de culturas e tipos de cidade, encontramos um tipo de desafio. Alguns lugares eram muito tristes, a gente não podia trabalhar porque a floresta era mínima e tão dentro da cidade que era muito perigoso estar lá à noite. Em outros lugares, já era possível conservar. Depende muito. Alguns são lindíssimos, mas outros vemos com tristeza porque sobrou tão pouco que é difícil pensar em recuperar aquilo. Já é uma mata vazia, a gente acabou com tudo que poderia viver lá dentro.
Se você não fosse um Explorador, o que faria?
Se eu não fosse Explorador, continuaria fazendo um tipo de ciência que fosse diferente, que saísse da Academia e chegasse às pessoas. Até o nosso projeto, antes de entrar para a National Geographic e ser Explorador, já trabalhava com educação ambiental, mostrando os insetos para crianças, tentando mostrar esse mundo. Então, trabalharia a parte científica, como também a relação das pessoas com a natureza.
Como você vê a situação do nosso meio ambiente nos próximos 20 anos?
Eu acho complicado pensar na realidade do meio ambiente em 20 anos. Estamos com mudanças muito rápidas. Ao mesmo tempo que tenho esperança por termos muitos movimentos agora centrados e novas gerações que nascem já pensando em conservação, também é difícil porque a população aumenta cada vez mais rápido. É difícil reverter o cenário, mas é possível minimizar, diminuir essa velocidade. E, talvez um dia chegar ao equilíbrio que é a natureza, num balanço caótico, mas harmonioso.
E seu trabalho em 20 anos?
Imagino que daqui a 20 anos eu possa inspirar muitos outros estudantes e exploradores a fazer trabalhos de consciência e natureza que sejam diferentes do que a gente aprende na academia, pelo menos de quem vem da biologia; que se foquem um pouco mais nas relações humanas com a natureza; que a gente possa pensar que é possível conciliar os dois e não com essa visão de que ou conservamos ou destruímos. E eu imagino que eu possa ser um dos agentes que trabalhará com outros exploradores e entidades para trazer essa visão ao mundo.