Por dentro de um garimpo ilegal na Amazônia

Entre risco de morte e clandestinidade, pequenos garimpeiros buscam ouro em uma corrida que já dura mais de 40 anos.

Por Juliana Arini
Publicado 11 de dez. de 2019, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
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A água enlameada é bombeada até esta esteira rudimentar para ser vasculhada em busca de ouro. Em seu auge, na década de 1980, o garimpo chegou a reunir mais de 100 mil trabalhadores. Hoje, está em aparente decadência.
Foto de Juliana Arini

Uma imensa clareira que rasga a floresta pode ser vista no Google Earth entre o extremo norte de Mato Grosso e o sul do Pará. Trata-se de uma das mais antigas fronteiras da mineração na Amazônia. Fortunas famosas foram extraídas daquela porção de terra ao longo de 44 anos de atividade garimpeira. A corrida por minério, principalmente ouro, levou milhares à região e resultou em uma sangrenta disputa fundiária. Ao longo dos anos, dezenas de pessoas foram violentamente mortas.

Esta repórter visitou um desses garimpos ilegais. E, para preservar a integridade física dos garimpeiros, tanto suas identidades quanto a localização e identificação do garimpo foram suprimidas ou alteradas.

Em seu apogeu, a área onde fica o garimpo chegou a reunir mais de 100 mil trabalhadores. Hoje, está em aparente decadência. “Nunca deveria ter trazido minhas máquinas para cá, foi um grande desperdício de dinheiro”, explica o garimpeiro Sebastião Vieira*, 48 anos, que chegou à região há seis meses com tudo que ganhou em outra área de garimpo de ouro – Apuí, no sul do Amazonas.

“O veio de ouro já foi cercado, não vamos conseguir mais nada”, afirma Vieira enquanto serve um café e debate com os colegas. “Vamos ter que abandonar o maquinário, as duas PCs [pás carregadeiras] quebraram”, diz apontando para uma velha retroescavadeira vermelha, estacionada entre duas castanheiras próximas à mina.

Alguns ainda insistem no sonho do ouro escondido no garimpo. A menos de 800 metros, e após uma sequência de barrancos serpenteados por estradas rudimentares, três homens trabalham aos pés de um desfiladeiro de quase cinco metros. Franjas do que restou da floresta podem ser vistas no horizonte da cratera que segue por quilômetros pela Amazônia.

Medo e risco de morte são parte da rotina. Duas mangueiras a jato cospem as águas bombeadas de um igarapé em direção à base do penhasco. A atividade parece ter uma lógica suicida. “Pode cair mesmo. Às vezes, cai toda terra em cima de nós e o risco de morrer é grande, mas esse é o único trabalho que temos”, explica Antônio Mariano*, de 21 anos, natural do Maranhão.

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    Muitos dos garimpeiros da Amazônia afirmam que o ouro é a chance de ganharem uma remuneração melhor. Em um mês bom, o rapaz revela receber R$ 4 mil. Em um mês ruim, ganha menos da metade. “Se eu tivesse na roça não tirava nem meio mínimo [R$ 499 reais]. Não tivemos chance de estudo, aqui é o melhor que temos”, comenta o jovem garimpeiro.

    De dentro de uma poça de água enlameada, outro maranhense, José Afonso*, 26 anos, assovia e liga uma bomba de sucção. A fumaça e o barulho indicam que a água suja começou a engolir toda a terra alaranjada derrubada das paredes da cratera. O material é jogado para o topo da montanha.

    O destino é uma calha rudimentar, instalada sobre tocos de árvores. São mais de dez metros de altura entre o local e o buraco de escavação onde Antônio e José Afonso trabalham. A possibilidade de uma queda fatal não parece assustar o controlador do garimpo que aguarda para finalizar a busca pelo ouro – o trabalho mais disputado em uma mina não industrial.

    Diferentemente de outros minérios, como cobre e ferro, a extração do ouro, por conter valor tão alto em pequenas quantidades, não exige muito investimento e, por isso, atrai pequenos mineradores artesanais.
    Foto de Juliana Arini

    A recente revalorização do ouro – este ano o minério atingiu seu maior patamar desde 2003 – trouxe de volta os garimpeiros para antigas minas decadentes. “Podemos encontrar até 40 kg aqui. Ainda tem muito ouro nesta área, basta coragem para buscar”, afirma o garimpeiro Agenor Pereira*, 52 anos, que também é vereador em Mato Grosso e diz que a mina pode render quase R$ 1 mi por ano.

    Agenor usa os pés para buscar as pepitas entre o cascalho. Ele controla a mina, mas não pode revelar o nome do suposto proprietário que teria o direito de extração. “Temos uns oito homens que se revezam aqui, além dos custos do combustível e de segurança, mas ainda é lucrativo”, explica.

    Criado nos garimpos da Amazônia, o sonho do vereador é ver a vila da região reativada. “A escola ficou fechada uns meses, estamos lutando para reabrir”, conta. Com casas de madeira, o local parece uma cidade fantasma habitada apenas por poucos garimpeiros idosos que seguem ativos nos pequenos igarapés isolados da floresta. “Eles se embrenham nas matas onde não há controladores, mas não pegam quase nada”, explica Agenor. “Podia ser melhor para eles se conseguíssemos regularizar definitivamente a mina.”

    Motor a diesel utilizado para bombear água. A água é utilizada tanto para assorear as margens do rio, onde o ouro pode estar escondido, quanto para transportar a lama com o minério.
    Foto de Juliana Arini

    Alguns trabalham no garimpo há mais de duas décadas. Mesmo assim, sabem que a empresa dona da terra pode pedir a reintegração de posse a qualquer momento.

    Essa situação gera um grande debate sobre legalização e destinação de áreas como essa para cooperativas de garimpeiros. Mas as relevantes questões ambientais que envolvem a mineração na Amazônia são o primeiro dos obstáculos. Recuperar o ambiente degradado por anos de exploração custaria milhões e nenhum dos antigos exploradores se importou com isso.

    O último bandeirante

    Conhecido como “o último bandeirante”, Ariosto da Riva foi um dos primeiros “brancos” a chegar à região. Por meio da empresa familiar Indeco (Integração, Desenvolvimento e Colonização), conseguiu, em um leilão, arrendar uma área de 400 mil hectares no extremo norte de Mato Grosso. Movido pelo lema da Ditadura Militar de “Integrar para não entregar a Amazônia”, criado pelo presidente e general Castelo Branco em 1966, da Riva fundou os municípios de Alta Floresta, Paranaíta e Apiacás, três cidades próximas ao garimpo.

    A bateia é uma das ferramentas mais identificadas com o garimpo artesanal. Fazendo movimentos circulares – e pela diferença de densidade entre os minérios e o cascalho –, o garimpeiro consegue separar pedras preciosas como diamante e ouro.
    Foto de Juliana Arini

    A ideia de Riva era trazer agricultores do sul do país, mas com o aumento do preço do ouro – o valor mais que duplicou entre os anos de 1978 e 1989 – e a descoberta de um veio no rio Juruena em 1978, a região começou a atrair centenas de milhares de garimpeiros. A disputa pela posse dos depósitos de ouro e o conflito de interesses pelo domínio do subsolo se arrasta desde então. Mortes, degradação ambiental e medo também.

    O geólogo Antônio João Paes de Barros, da Companhia Mato-grossense de Mineração (Metamat), defende transformar a área em uma reserva exclusiva para os pequenos mineradores artesanais. “Mesmo na década de 1980, quando o governo federal criou quatro reservas garimpeiras no norte de Mato Grosso [Peixoto, Zé Vermelho, Cabeça e Juruena], as mesmas forças políticas que colonizaram e ainda dominavam a região impediram a criação de reservas garimpeiras [em regiões como à do garimpo visitado]”, diz Barros.

    O local virou palco de nomes conhecidos da política regional e nacional. Uma das personalidades atraídas foi o ex-bilonário brasileiro Eike Batista. Em entrevista para o programa Marília Gabriela Entrevista, em 2009, o empresário conta que, com dinheiro emprestado por joalheiros cariocas, investiu nos garimpos da região e conseguiu lucrar US$ 6 mi apenas entre 1981 e 1982. Uma empresa do grupo Paranapanema, da qual Eike era sócio, chegou a encontrar mais de 200 kg de ouro no garimpo em 1983.

    Além de usar a bateia e observar o brilho de pedras preciosas refletindo a luz do sol, os garimpeiros utilizam uma terceira técnica: pisam a água enlameada descalços para tentar sentir as pepitas de ouro.
    Foto de Juliana Arini

    No entanto, os conflitos entre as grandes empresas – mineradoras e colonizadoras – e garimpeiros se agravaram e, após uma década, o local decaiu. A área do garimpo foi incorporada a grandes propriedades rurais. A tensão e a violência voltaram a crescer. “Um dos fazendeiros fixou na entrada da vila uma porteira com cadeado, vigiada e operada por pistoleiros contratados. Essa situação de apropriação e de opressão durou anos e resultou em novos conflitos, muitos envolvendo chacinas e mortes”, conta Paes de Barros.

    Interesses internacionais

    Em tese apresentada em 2015, o professor Luiz Jardim de Moraes Wanderley, da Universidade Federal Fluminense, aclara que o ouro, diferentemente da maioria dos outros minérios, possibilita investimentos de pequeno e médio porte. Isso é possível pelo alto preço do metal, o beneficiamento simples, a baixa tecnologia exigida na prospecção, a facilidade para escoar, entre outros motivos.

    Assim, por um tempo, todo subsolo das regiões garimpeiras do extreme norte de Mato Grosso e sul do Pará foi loteado em requisições de pesquisa mineral por uma série de empresas estrangeiras de pequeno porte, conhecidas no mercado de ações como junior companies, que captam recursos em bolsas de valores.

    Para encontrar o ouro, crateras são abertas em meio a floresta. Raras são as vezes em que, terminada a empreitada, a vegetação original é recuperada.
    Foto de Juliana Arini

    Hoje, o aumento de interesse por cobre – um dos elementos principais das baterias de carros elétricos – e uma suposta descoberta do minério no subsolo têm atraído grandes corporações à região. Segundo reportagem da Reuters, a Anglo American – com bases no Reino Unido e na África do Sul – recebeu autorização para prospecção de cobre em 284 blocos, que se estendem por 1,9 milhão de hectares no Mato Grosso e no Pará, uma área quase tão grande quanto Israel. Há, segundo a agência, um total de 3,5 milhões de hectares de novas permissões para prospecção de cobre divididos entre outras multinacionais – entre elas Altamira Gold Corp, Nexa Resources e Vale. Essa última negou ter direitos sobre a região.

    Enquanto a disputa pelos direitos minerais segue indefinida, os pequenos garimpeiros, alheios às negociações entre as grandes empresas, anseiam por riquezas escondidas nos igarapés. Para os que insistem em enfrentar a ilegalidade e os riscos da região, apenas bamburrar no ouro importa. Um deles é o jovem José Afonso, que clama, esperançoso: “Seguimos o sonho do ouro, o sonho de enriquecer. Basta ter fé em Deus que o ouro chama.”

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