Para não perder o emprego, domésticas se arriscam em meio à pandemia no Brasil

Milhões de trabalhadoras vulneráveis cuidam das famílias mais abastadas durante o período de distanciamento social. Mas quem cuida delas?

Por Jill Langlois
fotos de Gui Christ
Publicado 30 de abr. de 2020, 07:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A trabalhadora doméstica desempregada Ailde de Oliveira Dourado estende as roupas de sua família no beco ...

A trabalhadora doméstica desempregada Ailde de Oliveira Dourado estende as roupas de sua família no beco onde mora. Ela perdeu o emprego de faxineira devido à pandemia de coronavírus.

Foto de Gui Christ, National Geographic

SÃO PAULO Todas as manhãs das segundas-feiras do último mês, Maria Raimunda Ribeiro de Almeida esperou sua carona na porta do McDonald’s que fica na rua principal próxima de Paraisópolis, onde mora.

Antes da quarentena entrar em vigor na cidade, em 24 de março, Almeida pegava o ônibus todos os dias para trabalhar como diarista em um luxuoso edifício residencial. Mas, agora, a família chama um Uber para reduzir suas chances de contrair o novo coronavírus, que já infectou quase 80 mil brasileiros e matou cerca de 5,5 mil pessoas no país. Quando ela chega ao trabalho, troca imediatamente de roupa, para evitar qualquer possível contaminação.

Maria Raimunda Ribeiro de Almeida sobe o morro íngreme em Paraisópolis para pegar o Uber que seu empregador envia a fim de reduzir a probabilidade de ela contrair o coronavírus.

Foto de Gui Christ, National Geographic

Ela não voltará para Paraisópolis, comunidade onde vivem mais de 100 mil pessoas, até sexta-feira, pois seus empregadores disseram que, para manter o emprego, ela teria que residir na casa deles durante a semana. Almeida, que recebe R$ 2 mil por mês, a única fonte de renda de sua família, não teve escolha.

“Estamos bem agora com o meu salário”, diz a mulher de 43 anos. “Mas não sei como sobreviveríamos sem essa quantia”.

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    Rejane Santos (à direita) fundou o programa Adote uma Diarista para ajudar as trabalhadoras domésticas desempregadas em Paraisópolis.

    Foto de Gui Christ, National Geographic

    Em toda a América Latina, a pandemia do coronavírus mudou a vida de milhões de trabalhadores domésticos que vivem excluídos de algumas das sociedades mais desiguais do mundo. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, em 2016, dezoito milhões de pessoas trabalhavam com serviços domésticos na América Latina e no Caribe. Dessas pessoas, 93% eram mulheres e cerca de 80% trabalhavam informalmente, sem regulamentação ou assistência do governo.

    Com as medidas de isolamento, a situação desses trabalhadores, que já era precária, ficou ainda mais difícil. Muitos estão sendo obrigados a continuar trabalhando, apesar do risco de contrair a covid-19, enquanto outros foram dispensados sem receber nenhum pagamento, deixando-os na incerteza sobre como pagarão o aluguel e alimentarão suas famílias.

    Almeida toma café da manhã com o marido Adriano Silva antes de sair para trabalhar. Um de seus três filhos adultos mora com eles, e o trabalho de Almeida é a única fonte de renda da família.

    Foto de Gui Christ, National Geographic

    Na luta pela sobrevivência

    Antes da quarentena, Almeida trabalhava nove horas por dia limpando o apartamento de três quartos e quatro banheiros em um bairro de classe alta. Agora que ela mora no local, o trabalho nunca acaba. Com toda a família em casa, ela limpa a bagunça, cozinha várias refeições por dia, ajuda a babá com as crianças e atende a qualquer necessidade que possa surgir, a qualquer hora. Ela está sempre tão ocupada que mal tem tempo para acompanhar os acontecimentos do mundo exterior. “Eu nem sei o que está acontecendo em grande parte do tempo”, diz Almeida. “Normalmente, assisto ao noticiário, mas agora trabalho até tarde e no meu quarto não tem TV.”

    Faxineiras, cozinheiras e babás continuam trabalhando nas casas de famílias do Brasil, país da América Latina com o maior número de mortes decorrentes do coronavírus. Para manter as famílias seguras, o Sindicato dos Empregadores Domésticos do Estado de São Paulo listou seis recomendações em seu site, dentre elas recomenda que os trabalhadores troquem de roupa ao chegar no local de trabalho e que os empregadores dispensem os trabalhadores caso apresentem algum sintoma. Não existe em nenhum local a sugestão de que os trabalhadores domésticos fiquem em casa.

    Dourado prepara o almoço para os filhos, Arthur e Camila, em sua casa em Paraisópolis. Arthur, de cinco anos, desenvolveu problemas respiratórios depois da construção de uma escada bloquear a única janela de sua casa.

    Foto de Gui Christ, National Geographic

    Sem licença remunerada ou assistência do governo, essas mulheres ficam à mercê de seus empregadores. A primeira pessoa a morrer de coronavírus no Rio de Janeiro, e a quinta do país, foi uma mulher de 63 anos que trabalhava como diarista havia décadas no Leblon, o bairro mais caro do Brasil. O metro quadrado na região custa em média R$ 21 mil. Seu chefe havia passado o Carnaval na Itália, mas permitiu que a mulher voltasse ao trabalho sem informá-la de que estava doente e que aguardava os resultados do teste de covid-19. O empregador se recuperou.

    Quando Juliana França, professora e atriz no Rio de Janeiro, viu que sua mãe de 57 anos e sua madrinha de 75 anos ainda estavam trabalhando, apesar da pandemia, decidiu iniciar uma campanha on-line chamada “Pela vida de nossas mães”. Ela reuniu outros filhos de trabalhadoras domésticas para exigir que suas mães tivessem licença remunerada e conectou as que estavam sem trabalho a doadores. Desde meados de março, 11 trabalhadores foram conectados a doadores e outros 42 se inscreveram.

    “Os trabalhadores estão assustados”, diz França. “Eles têm medo de fazer algo errado e perder o emprego. Criamos esta campanha para que eles não pudessem ser responsabilizados por se manifestarem.”

    Faxineiras, cozinheiras e babás continuam trabalhando nas casas de famílias da América Latina, em geral com pouca proteção e salários baixos. Nesta imagem, funcionárias domésticas preparam o almoço em cada apartamento, em Lima, no Peru, em 2010.

    Foto de Susana Raab, Institute

    Em Paraisópolis, a líder comunitária Rejane Santos criou um programa semelhante para ajudar os trabalhadores domésticos desempregados da favela. Intitulada “Adote uma Diarista”, a iniciativa patrocinada por doadores fornece alimentos, itens de higiene pessoal e R$ 300 por mês durante três meses para mulheres que perderam o emprego por causa da pandemia. Seu objetivo era atingir 500 mulheres. Mil pessoas se inscreveram em três semanas.

    “A maioria dessas mulheres é chefe de família, são mães solteiras”, diz Santos. “Elas precisavam de seus salários para sobreviver.”

    Na América Latina, uma em cada sete mulheres que está no mercado de trabalho atua em serviços domésticos, geralmente recebendo um salário baixo, com uma longa jornada de trabalho e sem assistência do governo. Nesta imagem, uma diarista caminha em direção ao trabalho na histórica Milaflores, em Lima, Peru, em 2017.

    Foto de Susana Raab, Institute

    Para muitos, esses programas podem significar a diferença entre passar fome e colocar comida na mesa. Ailde de Oliveira Dourado, mãe solteira de sete filhos, trabalhava três dias por semana limpando um apartamento de luxo de três quartos e cinco banheiros antes da pandemia. Mas seu empregador a dispensou e, sem pagar os R$ 1.000 por mês que recebia, agora ela não consegue pagar pelo aluguel de R$ 500 da casa de dois quartos onde mora.

    Até o momento, a mulher de 46 anos conseguiu alimentar seus filhos através de doações de organizações comunitárias, mas carne e leite são escassos. Ela se preocupa com o filho mais novo, Arthur, de cinco anos, que desenvolveu problemas respiratórios desencadeados pelo mofo após a única janela em sua casa ter sido bloqueada por uma construção. Para uma família que já luta para se sustentar, a pandemia ameaça sua sobrevivência.

    “Às vezes é tão difícil que peço a Deus em oração: 'Deus, apenas me leve. Se vou continuar sofrendo assim, prefiro que me leve,’”, diz Dourado. “Mas sei que isso vai passar um dia. Tenho fé de que as coisas vão melhorar.”

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