Covid-19: pandemia tem forte impacto em imigrantes nos EUA

A pandemia agravou as barreiras de acesso aos cuidados médicos – e muitos continuam adiando ou renunciando ao tratamento.

Por Priyanka Runwal
Publicado 6 de set. de 2022, 16:05 BRT
Imelda, que pediu que seu sobrenome não fosse usado por medo de ser deportada dos Estados ...

Imelda, que pediu que seu sobrenome não fosse usado por medo de ser deportada dos Estados Unidos, luta para se recuperar desde que foi infectada a Covid-19. A falta de seguro de saúde e seu status de imigrante ilegal dificultaram o acesso à assistência médica. Ela é faxineira e perdeu a maioria de seus clientes à medida que a pandemia se desenrolava e muitos nova-iorquinos deixaram a cidade para morar em outras partes do país. Desde então, tem sido uma batalha árdua para reconquistar clientes. Aqui, ela é fotografada em sua casa no Queens, em 27 de agosto de 2022. Ela mora no mesmo quarto com suas duas filhas, o que tornou o isolamento na pandemia extremamente difícil. Os outros dois quartos são alugados para outras famílias e indivíduos.

Foto de Christopher Gregory-Rivera National Geographic

Imelda fugiu da violência sexual dos cartéis de drogas na zona rural de Puebla, cerca de duas horas fora da Cidade do México, e chegou a Nova York em 2013. Ela não tinha seguro de saúde, mal falava inglês e, como imigrante ilegal, evitou situações que exigia revelar sua identidade.

Assim, em março de 2020, mesmo quando a cidade se tornou o epicentro nacional da pandemia de Covid-19, Imelda, que pediu que seu sobrenome não fosse usado devido ao risco de deportação, resistiu a ir ao hospital por causa da febre e do cansaço crescentes. “Quando os sintomas começaram, eu queria ir”, lembra Imelda, mas seus medos superaram seu desejo de tratamento.

Desde que chegou aos Estados Unidos, Imelda havia visitado um hospital apenas uma vez, para o nascimento de sua segunda filha. Mas, além da preocupação em revelar seu status de imigração, ela tinha medo de incorrer em contas médicas que excedessem o que ela ganhava limpando casas. Atrasar ou renunciar aos cuidados com a Covid-19 foi uma decisão que Imelda e muitos outros imigrantes ilegais tomaram devido aos desafios únicos de saúde que enfrentam nos Estados Unidos – desafios da desigualdade que estão tendo consequências em todo o país.

Os EUA abriga mais imigrantes do que qualquer outro país do mundo: de acordo com as estimativas mais recentes, 46,7 milhões de indivíduos nascidos no exterior residem nos Estados Unidos, representando quase 14% da população nacional. Cerca de 11 milhões dessas pessoas não têm documentos, mas preencheram subempregos que os norte-americanos muitas vezes não querem, incluindo trabalhar em campos agrícolas, no setor de serviços e em instalações de saúde, enquanto pagam bilhões em impostos a cada ano.

Como imigrante sem documentos, Imelda enfrentou muitas barreiras para ter acesso à saúde nos Estados Unidos. Dentre elas estavam as contas médicas debilitantes que ultrapassavam o que ela ganhava com a limpeza de casas. Aqui, um detalhe de sua gaveta de arquivos que contém todos os seus documentos médicos, fotografados em Queens, cidade de Nova York, em 27 de agosto de 2022.

Foto de Christopher Gregory-Rivera National Geographic

De acordo com um relatório de dezembro de 2020, da organização política bipartidária FWD.us, 69% dos trabalhadores imigrantes ilegais nos EUA tinham empregos considerados essenciais durante a pandemia – e eram 50% mais propensos a contrair Covid-19 do que os trabalhadores nascidos nos EUA. Para muitos, isso significa sobreviver a uma emergência de saúde pública enquanto trabalha em empregos mal remunerados (geralmente na linha de frente) que não oferecem benefícios; também pode significar ser inelegível para o seguro de saúde público gratuito ou subsidiado. Para agravar esses problemas, inúmeros trabalhadores desconhecem suas opções de cobertura ou temem acessá-las.

Um estudo de 2017 descobriu que cerca de metade dos imigrantes ilegais que vivem nos Estados Unidos não tinham seguro de saúde necessário. Isso muitas vezes deixa uma grande parte dessa comunidade atrasando o atendimento, o que pode resultar em complicações de saúde ou uma doença avançada e uma maior dependência de salas de emergência. “Quando eles não conseguem pagar esses custos, o dinheiro vai para gastos de cuidados não compensados, aumentando a dívida no sistema de saúde”, diz Drishti Pillai, diretor de política de saúde para imigrantes da Kaiser Family Foundation, uma organização sem fins lucrativos com foco em questões de saúde nacional. 

Para aqueles como Imelda que vivem nas sombras, a pandemia da Covid-19 mais uma vez revelou as profundas desigualdades no acesso à assistência médica nos Estados Unidos. Ainda hoje, as pessoas nesta comunidade carente continuam a sofrer, muitas vezes com pouca ajuda.

Pouco cuidado, e de forma tardia

Além dos custos médicos e do acesso ao seguro, uma falta de confiança dissuadiu a crescente população imigrante do país de se envolver com o sistema de saúde. Essa desconfiança surge em parte da discriminação que os imigrantes sofrem com base em sua aparência, de onde são ou na incapacidade de falar inglês. “É muito difícil”, conta Imelda.

A retórica anti-imigrante também impediu que a comunidade indocumentada tivesse acesso a cuidados oportunos. No Elmhurst Hospital Center, em Nova York, que atende principalmente à população imigrante de baixa renda da cidade, “observamos nosso volume cair em momentos em que há discussões nacionais sobre imigração e se foi bom ou ruim para o país ”, relata Stuart Kessler, um dos médicos de medicina de emergência do hospital.

Em Houston, os pesquisadores observaram que os imigrantes latinos atrasaram sua primeira consulta pré-natal e reduziram o número geral de consultas durante a gravidez após julho de 2015, quando a retórica em torno da deportação se intensificou no período que antecedeu as eleições presidenciais de 2016.

Esse medo de acessar os cuidados de saúde em um clima de crescente sentimento anti-imigrante continuou até 2020, quando a pandemia de Covid-19 atingiu e exacerbou ainda mais as barreiras já existentes entre o sistema de saúde e essa população carente.

“Nós simplesmente não percebemos que nossos sistemas de atendimento estavam tão fraturados e que tantas pessoas poderiam cair nas rachaduras, que eram muito grandes”, analisa Jairo Gúzman, presidente da Coalizão Mexicana, um grupo de defesa dos direitos da criança e da família, com sede em Nova York.

Isso foi verdade para Imelda em março de 2020. Sem ninguém para consultar e sem lugar para se isolar, ela suportou seus sintomas semelhantes à Covid-19 por uma semana no apartamento de três quartos que dividia com outras sete pessoas – incluindo marido e dois filhos. Como ela se viu lutando para respirar, uma visita ao hospital tornou-se uma necessidade urgente.

Ela foi a um hospital e, em uma sala de emergência lotada, esperou nervosamente por um intérprete on-line para poder conversar com a equipe médica e descobrir se tinha Covid-19. “Cinco minutos é tudo o que tenho”, destacou, o que não foi suficiente para explicar todos os seus sintomas enquanto também respondia às perguntas do médico e anotava suas instruções sobre os próximos passos.

A equipe médica não fez o teste Covid-19 porque uma radiografia de tórax não mostrou irregularidades. Em vez disso, uma enfermeira lhe deu Tylenol para reduzir a febre e, em poucas horas, Imelda foi mandada para casa com a garantia de que receberia ligações telefônicas e poderia retornar se seus sintomas piorassem.

Mas nenhuma ligação veio, e a saúde de Imelda continuou a se deteriorar. Nas quatro semanas seguintes, sua respiração tornou-se cada vez mais difícil e seu corpo foi consumido por uma exaustão extrema. “Eu andava um pouco e ficava sem fôlego, e em alguns dias eu não conseguia ficar de pé”, lembra. "Eu pensei que tinha acabado – era isso".

Uma nota de US$ 400 de sua visita inicial ao pronto-socorro a impediu de procurar mais cuidados. (Mais tarde, o hospital reduziu sua conta pela metade porque ela havia perdido o emprego de limpeza.)

Recordar essas lutas levou Imelda às lágrimas quando nos encontramos em sua casa em maio de 2022. Ela está ciente de que as consequências do atraso no atendimento podem ter sido fatais e conhece outras pessoas que ainda estão enfrentando sintomas persistentes sem procurar ajuda médica.

Covid-19 atinge quem vive nas sombras

Mesmo agora, o verdadeiro impacto da Covid-19 nos imigrantes ilegais, especialmente nos primeiros meses da pandemia, permanece obscuro.

Uma das pacientes de Susan Rodriguez em Nova York – uma equatoriana de 88 anos – perdeu o filho para a Covid-19 possivelmente porque esperou muito tempo para procurar atendimento médico. Ambos eram ilegais e não segurados, e decidiram tratar seus sintomas em casa. Eventualmente, eles não tiveram escolha a não ser ligar para o 911 e serem levados para um hospital. Mas as intervenções médicas chegaram tarde demais. Ele faleceu dois dias depois, deixando sua mãe perturbada e sem saber o que fazer.

“Ela nunca procurou terapia na vida”, diz Rodriguez, assistente social clínica e terapeuta licenciada. “Ela veio com muita culpa”, e não sabia que poderia ter solicitado o Medicaid de emergência para cobrir os custos.

“Ouvimos falar de casos em que as pessoas ficaram em casa ou atrasaram o atendimento para Covid-19 quase todos os dias”, acrescenta Don Garcia, diretor médico da Clínica Romero, um centro de saúde comunitário em Los Angeles que atende principalmente populações latinas e imigrantes. Algumas dessas pessoas escaparam por pouco da morte.

Antônio, que pediu que seu nome completo não fosse usado devido à situação imigratória, foi um deles. Ele não tem documentos e chegou a Oxnard, uma cidade na área da Grande Los Angeles, vindo do México, em 2019. Com medo de revelar seus dados pessoais, o funcionário do restaurante de 40 anos permaneceu sem seguro e sem vacina. Ele foi infectado em dezembro durante a onda Omicron e sua condição se deteriorou rapidamente.

“No sexto dia, eu estava tão desesperado que queria ir para um hospital”, lembra, mas decidiu não fazer isso por causa de seu status de imigração. “Houve três dias em que eu estava completamente perdido, quase inconsciente, não tinha ideia se estava vivo”, relata, emocionado, enquanto se mexe na cadeira e pega um lenço de papel para enxugar as lágrimas.

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    Envergonhado, Antônio pede desculpas e olha ao redor da sala de conferências do escritório sem fins lucrativos do Mixteco Indigena Community Organization Project, em Oxnard, em abril deste ano. Após uma pausa, Antônio lembra como implorou ao chefe que o aceitasse de volta depois de faltar ao trabalho por quase 22 dias; ele estava com o aluguel atrasado e tinha uma família para sustentar. “Acho muito diferente ter Covid como imigrante neste país”, comenta.

    Aqueles que recorreram ao sistema médico, às vezes, experimentaram um comportamento discriminatório na forma de serem tratados com grosseria e desrespeito por não falarem inglês, ou sentiram que não estavam sendo ouvidos.

    “As pessoas no sistema de saúde podem vir com uma lente tendenciosa”, diz Mireya Vilar-Compte, professora de saúde pública da Montclair State University, em Nova Jersey, com experiência em desigualdades na saúde. Ela enfatiza a necessidade de mais médicos, enfermeiros e funcionários administrativos de diversas origens étnicas e raciais como parte da solução.

    Convivendo com a Covid prolongada

    Mais de dois anos após o início da pandemia, as populações de imigrantes ilegais ainda sentem que têm poucos lugares para recorrer, enquanto lutam contra os efeitos posteriores da doença que os afetou desproporcionalmente. Com pouca ajuda, alguns estão enfrentando sintomas de Covid prolongada, incluindo fadiga, confusão mental e dificuldades respiratórias e de sono, além de ansiedade e depressão.

    Em Los Angeles, Ana, que pediu que seu sobrenome não fosse usado por medo de deportação, está se automedicando para controlar a fadiga e as dores no corpo que perduraram por meses após sua infecção por Covid-19 no verão passado. Ela tem evitado uma visita ao médico porque não tem seguro e não tem documentos. Então, a faxineira de meio período de 38 anos usa analgésicos que compra de vendedores ambulantes no centro de LA.

    “Chegou a um ponto em que me sinto deprimida por ter que tomar essas pílulas pelo resto da vida”, conta. “Preciso trabalhar rápido, mas me canso.”

    Felizmente para Imelda, que apesar de ter sido vacinada contraiu Covid-19 duas vezes desde seu diagnóstico em março de 2020, Nova York expandiu seu programa de saúde para todos para seu bairro, Queens, em setembro de 2020. Chamado NYC Care, este programa financiado pela cidade garante serviços de baixo custo e sem custo para todos os nova-iorquinos que não se qualificam ou não podem pagar um seguro de saúde, independentemente do status de imigração.

    Desde então, Imelda procura assistência médica para lidar com palpitações cardíacas, problemas para dormir e respirar e depressão pós-Covid. Ela fez ressonâncias magnéticas, exames cardíacos e tem procurado fisioterapia e psicoterapia.

    Em todo o país, porém, esses programas são raros, diz Pillai. Hoje, sete estados e o Distrito de Columbia oferecem algum tipo de cobertura de saúde para algumas ou todas as faixas etárias da população ilegal, mas ela diz que o esforço deve ser expandido em todo o país. Quando os indivíduos podem usar os cuidados primários e preventivos, eles dependem menos dos serviços médicos de emergência, que são extremamente caros. “Economicamente, no longo prazo, não é a melhor ideia impedir que alguns grupos acessem benefícios para os quais muitos deles já contribuem”, comenta Pillai.

    Mas tal esforço exigiria abordar o preconceito e a discriminação existentes no sistema médico. Apesar de agora estar segurada, Imelda diz: “Não sinto que eles me vejam da mesma maneira que veem alguém que é norte-americano”. Especialmente quando se trata de saúde, “gostaria que todos fossem tratados da mesma forma”.

    Esta história foi produzida com o apoio do USC Annenberg Center for Health Journalism 's 2022 Impact Fund for Reporting on Health Equity and Health Systems. Blanca Ruiz Martinez e Myriam Vidal Valero ajudaram na interpretação em espanhol.

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