Como o Ouija, que é parecido com o Jogo do Copo, se tornou o tabuleiro de espíritos mais temido da história
Um jogo que busca unir os vivos e os mortos, a reputação do tabuleiro Ouija mudou de entretenimento do século 19 para um símbolo de mistério sobrenatural que inspira jogos no mundo todo.
Antes visto como uma forma lúdica de se comunicar com o desconhecido, o tabuleiro Ouija ganhou uma reputação mais sinistra, tornando-se um símbolo de intriga e medo sobrenatural.
Muita gente no Brasil já ouviu falar (ou conhece) sobre o “Jogo do Copo” ou “Brincadeira do Copo”, que busca fazer um contato entre o mundo dos vivos e dos mortos. Esses jogos, como outros realizados em diferentes partes do mundo, foram inspirados em um jogo muito mais antigo, da Era Vitoriana, no século 19: o tabuleiro de Ouija.
Para muitos, o tabuleiro Ouija evoca histórias de encontros com fantasmas e avisos sinistros. No entanto, há mais de um século, ele era apenas um jogo de salão, que oferecia entretenimento descontraído nos lares vitorianos europeus.
Apresentado pela primeira vez nos Estados Unidos em 1890 pela Kennard Novelty Company como um “maravilhoso tabuleiro falante”, o simples pedaço de papelão é marcado com letras, números e as palavras “sim”, “não” e “adeus”. Os jogadores colocam seus dedos em um ponteiro triangular, que parece se mover sozinho para soletrar mensagens em resposta às suas perguntas.
Por mais inocente que seu design possa parecer, o papel do tabuleiro Ouija na sociedade tomou um rumo mais sombrio. Nos últimos 130 anos, ele se transformou de um passatempo peculiar em um símbolo de mistério sobrenatural, evoluindo tanto para um ícone cultural quanto para uma fonte de fascínio para os amantes do tema.
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O nascimento do tabuleiro Ouija
As raízes da tábua de espíritos remontam à década de 1840, quando o movimento espiritualista moderno tomou conta e se tornou uma mania cultural na Europa e nos Estados Unidos.
Durante esse período, tornou-se moda realizar reuniões espirituais com médiuns, sessões, leituras de cartas de tarô e, é claro, pranchas falantes, conta Stephanie McGuire, curadora do Molly Brown House Museum, um museu da era vitoriana em Denver, Colorado (Estados Unidos) e antiga casa da sobrevivente do Titanic, Margaret “Molly” Brown.
“Elas têm uma conotação atual que é 180 graus diferente da maneira como Margaret via as tábuas Ouija em sua época”, diz McGuire. “Mais ainda do que se conectar com entes queridos mortos, era também essa maravilha –posso me conectar com algo desconhecido e posso saber o que meu futuro me reserva?”
Além do entretenimento, as tábuas falantes ofereciam consolo em um momento de perda e incerteza. Nos Estados Unidos pós-Guerra Civil, quando a maioria das famílias frequentemente sofria a perda repentina de entes queridos, comunicar-se com os mortos era uma forma normal, até mesmo necessária, de lidar com o luto.
“Hoje, estamos teoricamente mais distantes da morte”, afirma Robert Murch, historiador do Ouija e presidente do conselho da Talking Board Historical Society. “Vivemos muito mais, somos muito mais saudáveis e nem queremos parecer velhos. Fazemos tudo o que podemos para afastar a morte. E quando fazemos isso, começamos a nos sentir [pouco] confortáveis com ela.”
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As pranchas espirituais proporcionavam refúgio emocional para as pessoas na década de 1890, diz Murch. “Eles se tornaram respostas para coisas que não tinham respostas, permitindo que você falasse sobre algo e vivenciasse algo que era inexperiente”.
Entretanto, esse contexto histórico pode ser difícil de ser apreciado de uma perspectiva moderna, afirma John Kozik, proprietário do Salem Witch Board Museum na famosa “cidade das bruxas”, Salem, em Massachusetts. “As pessoas de hoje em dia tentam ver a história com os olhos da atualidade”, diz ele. “Como as pessoas estão vendo a morte de forma diferente, elas veem a Ouija de forma diferente.”
No início do século 20, a Ouija e o público tinham um caso de amor total. O espiritualismo teve um grande ressurgimento após a Primeira Guerra Mundial e a devastadora gripe endêmica de 1918. A década de 1920 foi repleta de canções de amor dedicadas ao tabuleiro místico, e ele se tornou um jogo muito apreciado, oferecendo uma maneira romântica de os casais se sentarem perto um do outro e fazerem perguntas de flerte.
Norman Rockwell, famoso por suas pinturas sobre a vida norte-americana idealista, chegou a retratar um jovem casal em uma capa de 1920 do jornal The Saturday Evening Post, sentados lado a lado, com um tabuleiro Ouija no colo e as pontas dos dedos se tocando.
Um portal para forças demoníacas?
Ao longo das décadas, as representações do tabuleiro Ouija passaram de alegres e românticas a cada vez mais fantasmagóricas e focadas em crimes reais. No final da década de 1960, a imagem do tabuleiro sofreu uma reviravolta dramática, influenciada por eventos como os assassinatos feitos pelo serial killer Charles Manson e a ascensão da Igreja de Satanás. O momento crucial ocorreu em 1973 com o lançamento do filme “O Exorcista”.
O filme, que foi vagamente baseado em uma história real, inclui uma breve cena que mostra uma criança brincando sozinha com um tabuleiro Ouija, por meio do qual ela mais tarde é possuída. Kozik diz que essa foi a primeira vez que um filme sugeriu que o mal poderia vir por meio de um tabuleiro dessa forma.
“Quando você assiste a um filme de terror baseado em uma história real, é quando começa a pensar que coisas como essas podem acontecer com você”, comenta ele. Em 1967, o jogo de Ouija superou as vendas do Monopoly, o único jogo anterior ou posterior a fazer isso. Mais de dois milhões de tabuleiros foram vendidos somente naquele ano.
Os filmes de terror subsequentes, incluindo o “Espírito Assassino” (Witchboard), de 1986, ajudaram a consolidar muitos mitos infames sobre tabuleiros falantes, como Ouija e o “jogo do copo”, que ainda prevalecem atualmente.
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Apesar de sua reputação assustadora, estudos mostram que o tabuleiro Ouija é simplesmente um produto do fenômeno ideomotor – um efeito psicológico em que as pessoas movem objetos inconscientemente. Mesmo assim, o tabuleiro Ouija continua sendo uma atividade popular nas festas do pijama dos adolescentes, refletindo seu apelo contínuo.
Ironicamente, embora muitos o considerem um jogo inofensivo, Kozik frequentemente recebe tabuleiros de pessoas que, apesar de compreenderem a ciência, ainda temem seu poder e desejam se desfazer deles.