O que é economia verde e como ela pode melhorar a relação humana com o meio ambiente?

O termo remonta aos anos 80 e aponta para uma transformação econômica. No Dia da Terra de 2023, acompanhe como ela funciona e pode garantir um futuro mais saudável, próspero e eqüitativo.

Vista aérea do parque eólico Braes of Doune, perto de Stirling, Escócia.

Foto de Jim Richardson
Por Redação National Geographic Brasil
Publicado 21 de abr. de 2023, 14:00 BRT, Atualizado 22 de abr. de 2023, 10:06 BRT

economia mundial cresceu quase cinco vezes nos últimos 50 anos. No entanto, este crescimento teve um alto custo para o meio ambiente, como afirma a Organização das Nações Unidas (ONU). 

A Green Economy Coalition (GEC), a maior aliança mundial para economias verdes e justas, afirma que a economia, em sua forma atual, criou riqueza para poucos à custa de muitos, impulsionou a mudança climática e as extinções em massa, e priorizou o consumo em detrimento da sustentabilidade.

Apesar disso, e embora possa parecer que objetivos econômicos não possam andar de mãos dadas com respeito e cuidado com o planeta, especialistas consultados pela National Geographic apontam que isso é possível através de uma transição do modelo que se tem hoje para outro, focado em uma economia verde preocupada com a melhoria do bem-estar da população e com a redução dos riscos ambientais.

Trata-se da mesma ideia sustentada como tema central do Dia da Terra 2023, celebrado em 22 de abril, e que prega: "Invista em nosso planeta". 

A Earthday.org, organizadora global do Dia da Terra, salienta que investir na economia verde é o único caminho para um futuro saudável, próspero e eqüitativo. Para ela, grupos da sociedade como empresas, governos e sociedade civil têm sua própria responsabilidade de tomar medidas contra a crise climática.

Há vários tipos de energia renovável, incluindo solar, eólica, geotérmica e hidrelétrica. A imagem acima é uma vista aérea da usina solar fotovoltaica de Kayenta, uma instalação de energia renovável na Nação Navajo.

Foto de Kiliii Yüyan

O que é a economia verde?

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) define uma economia verde como "aquela que resulta na melhoria do bem-estar humano e da equidade social, reduzindo significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica". 

A agência resume que uma economia pode ser considerada verde quando é de baixo carbono, eficiente em termos de recursos e socialmente inclusiva.

Além disso, é uma ferramenta para superar lacunas e armadilhas de desenvolvimento (pressões inflacionárias ou tensões geopolíticas) características da região, acrescenta Luis Cecchi, analista de políticas da unidade para América Latina e Caribe da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

Segundo a Green Economy Coalition, a economia verde segue cinco princípios-chave: bem-estar, para que todas as pessoas possam criar e desfrutar da prosperidade; justiça, ou seja, equidade dentro e entre gerações; e limites planetários, pois a economia deve salvaguardar, restaurar e investir na natureza, reconhecendo e valorizando sua importância.

Os outros dois princípios são: eficiência e suficiência, considerando que a economia verde é de baixo carbono, conservadora de recursos, diversificada e circular; e boa governança, ou seja, a economia deve ser guiada por instituições integradas, responsáveis e resilientes e as decisões devem ser baseadas em evidências e ter participação e consentimento do público.

A origem da economia verde

O conceito de economia verde entrou em uso nos anos 80 quando apareceu no título do livro “Blueprint for a Green Economy” (algo como “Plano Para Uma Economia Verde”, em tradução livre), diz Joan Melé, economista espanhol, conferencista, consultor, presidente da Fundación Dinero y Conciencia e promotor do Ethical Banking na América Latina.

De acordo com a explicação economista, este texto não criou nada de novo, mas deu um nome a um modelo econômico que havia surgido no final dos anos 60 e início dos anos 70 e que se baseava em um despertar da consciência. 

"O ser humano e a Terra estavam começando a ser mais importantes do que o lucro econômico. O objetivo era criar bem-estar para todos e também fazê-lo com respeito ao meio ambiente", salienta Melé. Para o especialista, a economia verde é "antropocêntrica" e "geocêntrica", enquanto o modelo tradicional é "dinherocêntrico" ou "beneficiocêntrico". 

Para o espanhol, esta mudança de paradigma é comparável à afirmação do astrônomo e matemático polonês Nicolau Copérnico, que afirmava que a Terra girava em torno do Sol. No início, essa nova ideia de economia pode gerar rejeição, como aconteceu com Copérnico. "Mas no final é imposta pelo bom senso", diz Melé.

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    Um agricultor que trabalha com práticas regenerativas caminha através de uma estufa.

    Foto de Pep Bonet

    Por que a transição para uma economia verde é importante 

    Como relatado no Relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) sobre a “Situação do Clima na América Latina e no Caribe 2020”, estas duas regiões do mundo são onde os efeitos e impactos da mudança climática (como ondas de calor, redução da produção agrícola ou incêndios florestais) acontecerão de forma mais intensa.

    Por sua vez, o relatório “Latin American Economic Outlook 2022: Towards a Green and Just Transition” (“Perspectivas Econômicas da América Latina 2022: Rumo a uma Transição Verde e Justa”, em tradução livre”), publicado pela OCDE em 2022, adverte que estes fenômenos terão conseqüências sócio-econômicas adversas para a população. 

    Como a organização explica, um cenário de aquecimento global de 2,5°C poderia custar à região entre 1,5% e 5,0% de seu produto interno bruto (PIB) até 2050.

    De fato, estes efeitos já estão sendo sentidos em muitos países da América Latina e do Caribe através de quedas nas produtividades agrícola e turística, movimentos migratórios induzidos pelo clima e aumento nos custos da reconstrução após um desastre natural.  É por isso que o relatório é forte sobre a necessidade de a região mobilizar recursos para financiar a transição verde.

    Isto não só tem efeitos positivos sobre o meio ambiente através da redução dos gases de efeito estufa (GHG), mas também gera benefícios substanciais em termos de justiça social, diz Sebastián Nieto Parra, economista colombiano e chefe da Unidade América Latina e Caribe do Centro de Desenvolvimento da OCDE.

    "Muitas vezes são as nações mais desenvolvidas que mais emitem e, mesmo dentro de um país, são as classes mais favorecidas que geram a maior parte das emissões de dióxido de carbono (CO2). Graças à transição verde, podemos fazer os ajustes necessários e permitir um melhor padrão de vida e qualidade de vida para os mais desfavorecidos", diz o especialista colombiano.

    Além disso, Cecchi, que coordenou o relatório de prospectiva da OCDE, vê a transição verde como um instrumento para gerar empregos de qualidade, transformar a produção e as matrizes energéticas, e melhorar o bem-estar dos cidadãos. 

    Embora o documento reconheça que a transição poderia resultar em algumas perdas de empregos nos setores marrons (ou seja, aqueles mais emissores  de gases do efeito estufa), ele deixa claro que muitos mais empregos formais podem ser criados se políticas efetivas forem implementadas. Na verdade, estima-se que estas mudanças em direção a uma economia mais verde poderiam levar a um aumento líquido de 10,5% no emprego na região até 2030, como diz a OCDE. 

    Sobre este ponto, Nieto Parra enfatiza a necessidade de capacitar trabalhadores, acionistas e empresários dos setores marrons a estarem preparados para mudar seu modelo de negócios.

    Além de reduzir as emissões de GEE, o investimento em tecnologias renováveis pode trazer um fornecimento de energia de menor custo e ainda menos dependência de produtos importados de combustíveis fósseis.

    Uma transição verde é possível: como consegui-la

    A transição verde pode ser um desafio no mundo e, particularmente, na América Latina. Mas ela pode ser alcançada através da educação e do trabalho conjunto de vários setores, reconhecem os especialistas. 

    "Para implementar a economia verde em larga escala, devemos começar com a educação financeira nas escolas com base na dignidade humana". Os jovens devem ser ensinados que todos são responsáveis por suas ações, não o mercado". Na medida em que os consumidores exigem responsabilidade, este novo modelo vai crescer", diz Melé. 

    Estratégias como as mencionadas pela OCDE também podem ser consideradas. Estas incluem: aumentar e incentivar os gastos públicos e privados em energia limpa e eficiência energética (consideradas como as formas mais econômicas de reduzir as emissões globalmente); desenvolver planos claros de investimento em infra-estrutura de energia renovável, especificando questões como em que projetos precisam ser investidos e onde, quando devem ser construídos e assim por diante.

    Ao mesmo tempo, "a região precisa de um grande impulso para desenvolver formas inovadoras de mobilizar recursos públicos e privados". Os impostos ambientais representam uma grande oportunidade, pois podem gerar receitas adicionais, incentivar comportamentos adequados e acelerar a transição verde", diz o documento da OCDE. 

    Na mesma linha, o relatório da organização de cooperação para o desenvolvimento continua enfatizando que a racionalização e a eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis fósseis é uma forma de liberar mais recursos. 

    A isto se acrescenta a necessidade de aumentar o uso de instrumentos de dívida, tais como títulos verdes, sociais, sustentáveis e vinculados à sustentabilidade, swaps de dívida por natureza, títulos de catástrofe e cláusulas de desastres naturais.

    Embora ainda seja necessário mais impulso, já  existem alguns exemplos bem-sucedidos de transição na América Latina. Entre eles, a organização aponta em seu relatório que nas últimas duas décadas muitos países da região fizeram progressos na criação de mercados de energia renovável e na diversificação de sua matriz energética. Alguns números ilustram o cenário: em 2020, as energias renováveis serão responsáveis por 61% da geração de eletricidade da região.

    Esta transformação para as energias renováveis não só é benéfica em termos energéticos, mas também contribuiria para a descarbonização de outros setores, como a indústria pesada e os transportes, para os quais não existem atualmente alternativas viáveis aos combustíveis fósseis.

    No entanto, existem diferenças regionais, o documento reconhece. Por exemplo, enquanto o Brasil gera 84% de sua eletricidade a partir de energia renovável, a matriz energética da Jamaica é 87% dependente da importação de derivados de petróleo, informam os dados listados no documento da OCDE.

    Todos os cidadãos têm responsabilidades, mas estas indústrias possuem ainda mais

    Um agricultor caminha através de sua Milpa, onde ele cultiva sem agrotóxicos.

    Foto de Nadia Shira Cohen

    Os níveis de conscientização e preocupação com a gravidade da mudança climática entre os latino-americanos estão aumentando e até superando os de outras regiões, diz Cecchi. Em média, 68% dos latinos reconhecem a mudança climática como uma ameaça muito séria para seu país nos próximos 20 anos, diz o relatório da OCDE.

    Esta demanda social tem um impacto a nível político. A importância que os cidadãos atribuem à agenda verde poderia transformar a transição no elemento decisivo de um novo contrato social na região.

    "Como cidadãos, temos o poder e o dever de fazer ouvir nossas vozes. O que cada um de nós faz, e como o fazemos, tem um enorme efeito de ondulação em nossos ecossistemas, bem como no ritmo das ações corporativas e governamentais", defende a Earthday.org. 

    A este respeito, Melé diz que os consumidores devem despertar sua consciência e fazer mudanças na vida diária. Uma boa maneira é perguntar: "O que eu compro? Quem o fez? Em que país? Sob que condições humanas?

    Um grupo de destaque a este respeito é a Geração Z (pessoas nascidas entre 1995 e 2010). Segundo a Earthday, 45% delas já deixaram de comprar de marcas com más práticas éticas e de sustentabilidade. 

    Além dos cidadãos, há alguns setores estratégicos para fazer avançar a transição. Entre eles, Cecchi menciona o setor energético, onde a América Latina possui grande potencial para o futuro. "As energias renováveis representam 33% do abastecimento energético total da região, em comparação com 13% globalmente", afirma o documento da OCDE.

    Outro setor relevante no qual uma transformação é urgentemente necessária é a agricultura e a pecuária na América Latina, em que se deve trabalhar não apenas para reduzir as emissões, mas também para gerar emprego formal.

    Por outro lado, Cecchi e Nieto Parra identificam como outros setores-chave para a transição verde – para além do energético e da agricultura – o transporte sustentável, a indústria, os processos de produção, o turismo e a mineração  sustentável. Ambos os especialistas reconhecem que a transição verde poderia levar a uma transferência de recursos de alguns setores para outros e, consequentemente, fazer com que certos grupos de interesse a se oponham a ela. Por esta razão, eles insistem na necessidade de criar espaços de diálogo entre cidadãos, grupos civis e o setor privado.

    "Todas as indústrias e atividades econômicas podem e devem reorientar sua atividade, desde a agricultura e a pecuária (a principal causa da poluição e da mudança climática) até o setor de serviços, todas podem mudar. Tudo o que é necessário é que os seres humanos coloquem nossa inteligência, habilidades e recursos a serviço do bem comum, e não do crescimento econômico", reflete Melé. 

    A título de reflexão, o economista e conferencista espanhol insiste que a economia e o cuidado ambiental não são dois caminhos separados. Como ele explica, já existem empresas (incluindo alguns bancos) que colocam as pessoas e o meio ambiente à frente dos benefícios econômicos, e a maioria deles descobriu que isso não é prejudicial aos seus lucros, mas muito pelo contrário: seus funcionários estão motivados e trabalham de forma mais eficiente. 

    "Se os bancos podem mudar, então não há desculpa: todas as empresas podem mudar".

    Embora ele também reconheça causas mais profundas por trás da ganância e ambição sem limites, o presidente da Fundación Dinero y Conciencia salienta que "somente o medo da mudança retarda o progresso deste tipo de economia".

    "Temos desenvolvido muita inteligência, mas ela está desligada da Terra e do cosmos. Temos inteligência, mas perdemos a sabedoria, e perdemos nosso caminho". Como disse Viktor Frankl, o homem deve ir em busca de um sentido novamente e decidir o que quer fazer com sua vida no tempo que lhe foi dado. Talvez ele perceba que pensar apenas em ganhar dinheiro e acumular bens é perder uma grande oportunidade", conclui Melé.

    Em conclusão, Nieto Parra destaca o desafio e a possibilidade de alcançá-lo: "É uma agenda muito ambiciosa, mas é possível desde que haja consenso entre os diferentes setores: privado, público em todos os níveis, cidadãos e, acima de tudo, melhor cooperação internacional".

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