
A peste reaparece em casos nos Estados Unidos: será que há risco real de uma nova pandemia?
Os ratos pretos — os ratos domésticos comuns — têm sido responsabilizados pelas pandemias de peste mais horríveis da história. Mas estão longe de serem os únicos culpados: “É principalmente uma doença dos roedores e suas pulgas”, diz Dave Wagner, diretor do Centro de Biodefesa e Ecologia de Doenças do Instituto de Patógenos e Microbioma da Universidade do Norte do Arizona.
A peste não é apenas uma grande ameaça na história — ela ainda está ativa até hoje. Isso porque no mês de agosto de 2025, as autoridades de saúde da Califórnia confirmaram que um morador da cidade de South Lake Tahoe, no estado, testou positivo para a peste, provavelmente após ser picado por uma pulga infectada enquanto acampava na região.
Também em julho passado, outra pessoa contraiu a peste pneumônica, em uma cidade do Arizona, e acabou vitimada pela doença.
Embora especialistas afirmem que a peste não é mais a mesma ameaça que foi no passado – a doença que matou cerca de 200 milhões de pessoas e exterminou metade da população da Europa no século 14 – ela nunca foi erradicada.
A peste ainda circula entre mamíferos como cães da pradaria, lebres, coiotes, furões-de-patas-pretas e até mesmo animais domésticos. Ela é encontrada em todos os continentes, exceto na Oceania e na Antártida, e é particularmente comum em Madagascar, Peru e República Democrática do Congo.
No oeste dos Estados Unidos, costuma haver um aumento sazonal dos surtos de peste do final da primavera ao início do outono, particularmente no Novo México, Colorado, Arizona, Califórnia, Oregon e Nevada. A maioria desses surtos ocorre em animais selvagens, mas há raras ocasiões em que a doença se transmite para humanos.

A bactéria da peste, a Yersinia pestis, escurece o intestino da pulga do rato; se a pulga picar outro animal, a peste penetra na ferida e infecta o novo hospedeiro.
Atualmente, os Estados Unidos registram uma média de sete casos humanos de peste por ano, principalmente peste bubônica, que é contraída por picadas de pulgas e é caracterizada pelo desenvolvimento de gânglios linfáticos inchados e dolorosos, chamados bubões.
“É uma infecção extremamente rara”, diz Dave Wagner, diretor do Centro de Biodefesa e Ecologia de Doenças do Instituto de Patógenos e Microbioma da Universidade do Norte do Arizona. “Eu sempre digo às pessoas: olhem para os dois lados antes de atravessar a rua, antes de se preocuparem com a peste.”
Ainda assim, o que causa esses surtos — e quão sério é o risco para os seres humanos hoje? Aqui está o que você precisa saber.
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Quais tipos de peste existem?
Causada pela bactéria Yersinia pestis, a peste é uma doença zoonótica – o que significa que os animais podem transmiti-la aos seres humanos.
As formas de peste incluem:
- A peste bubônica: que ocorre por meio da picada de pulgas infectadas;
- A peste septicêmica: se espalha pela corrente sanguínea e é diferente de uma septicemia comum;
- A peste pneumônica: se desenvolve nos pulmões, é transmitida por gotículas aerógenas através de tosse e é a única forma que os seres humanos podem transmitir uns aos outros.
Os ratos pretos — os ratos domésticos comuns — têm sido responsabilizados pelas pandemias de peste mais horríveis da história. Mas, segundo Wagner, eles estão longe de ser os únicos culpados. “É principalmente uma doença dos roedores e suas pulgas”, diz ele.
As pulgas se alimentam do sangue de mamíferos e adoram se fixar em roedores — não apenas ratos pretos. Quando um roedor é infectado pela Y. pestis, ele imediatamente transmite o patógeno para suas pulgas.
E quando o roedor morre, as pulgas saltam para seu próximo hospedeiro — que pode ser um ser humano. Um estudo de 2018 concluiu que a peste se espalhou amplamente na Europa não por meio de ratos, mas por meio de pulgas e piolhos que viviam em humanos.

Um biólogo lidera uma equipe em um projeto com cães-da-pradaria para combater pulgas com medicação oral. Os cães-da-pradaria e outros roedores mantiveram a peste viva ao longo dos séculos, transmitindo-a através das pulgas.
Além dos ratos, que animais transmitem a peste?
Os cientistas não têm certeza do que torna os roedores hospedeiros tão bons para a Y. pestis. Wagner diz que provavelmente tem algo a ver com sua tendência de viver em tocas onde há pulgas em abundância.
Os roedores também provavelmente têm uma alta densidade da bactéria no sangue, pelo menos em comparação com outros mamíferos. Wagner ressalta que as pulgas só podem sugar quantidades muito pequenas de sangue, então deve haver muitas bactérias nessa quantidade para que um hospedeiro infecte a pulga.
As espécies que transmitem a peste variam de acordo com a região. Em Madagascar, por exemplo, os ratos pretos ainda são os hospedeiros mais comuns. Na América do Norte, no entanto, a peste é mais comum em cães da pradaria, bem como em outros roedores nativos, como ratos da floresta e esquilos.
Os cientistas também encontraram evidências da peste em animais selvagens além dos roedores, incluindo coelhos, veados, furões-de-patas-pretas, pumas, coiotes — e até mesmo em gatos e cães domésticos. Alguns desses animais podem contrair a doença ao comer um animal infectado, enquanto outros podem simplesmente estar no lugar errado na hora errada, quando uma pulga infectada está procurando um novo hospedeiro.
“Imagine o que um cão fará se todos os cães da pradaria morrerem [de peste] em suas tocas e o cheiro for delicioso”, diz Wagner. “Eles vão cavar na toca.”
Mas os cientistas dizem que é difícil descobrir se esses animais selvagens simplesmente contraíram a peste de roedores — ou se eles também são responsáveis por manter a peste viva. Talvez os cães da pradaria sejam culpados porque é particularmente óbvio quando a peste infecta suas colônias densas e tipicamente ativas.
“Se os cães da pradaria desaparecerem, o principal suspeito será a peste”, afirma Wagner.
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“Um estudo de 2018 concluiu que a peste se espalhou amplamente na Europa não por meio de ratos, mas por meio de pulgas e piolhos que viviam em humanos.”
O Brasil tem casos de peste? E onde acontecem os surtos de peste nos Estados Unidos
No Brasil, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, não existem casos registrados de peste desde o ano de 2005. “O último caso ocorreu no estado do Ceará, no município de Pedra Branca”.
Mas existem duas áreas consideradas focos naturais onde a bactéria que causa a doença pode ser encontrada – um no Nordeste (em Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco – com pequena extensão para o Piauí, além de Alagoas e Bahia), e outro na cidade de Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro.
No caso dos Estados Unidos, por sua vez, sabe-se que os ratos pretos provavelmente trouxeram a peste para a América do Norte em 1900, quando o primeiro caso do continente foi registrado em São Francisco.
Outros dados históricos e estudos genéticos dessa cepa específica de Y. pestis sugerem que ratos clandestinos chegaram ao porto a bordo de um navio a vapor de Hong Kong e, em seguida, correram para a cidade, onde se misturaram com os roedores locais.
A bactéria se espalhou por todo o oeste estadunidense, onde começou a circular entre pequenos roedores nativos. Mas nunca se espalhou muito além disso. Hoje, os casos são normalmente registrados a oeste do meridiano 100, a linha longitudinal que se estende de Dakota do Norte ao Texas, na borda das Grandes Planícies.
No entanto, o motivo pelo qual a peste se concentra nesta região não está claro. Paul Mead, chefe do departamento de doenças bacterianas da Divisão de Doenças Transmitidas por Vetores do CDC, disse à National Geographic, em 2022, que houve surtos iniciais nas cidades portuárias do leste. A Flórida e outras partes do sul também tiveram surtos, mas a peste nunca conseguiu se estabelecer lá a longo prazo.
Os cientistas suspeitam que isso possa estar relacionado às diferenças no solo do oeste, combinadas com o estilo de vida subterrâneo dos roedores locais.
“A hipótese é que essas condições proporcionem um nicho ecológico no qual [a peste] pode persistir e existir”, disse Mead. É possível que o solo árido do oeste seja um habitat mais propício para a peste ou para as amebas que a ajudam a se replicar e sobreviver. Mas ele e outros especialistas afirmam que, em última análise, ainda é um mistério por que a peste só é observada no oeste dos Estados Unidos.
Os surtos modernos são observados principalmente em áreas rurais, onde as colônias de roedores tendem a ser maiores, disse Mead. A melhoria dos códigos de saneamento e construção nas cidades também ajudou a diminuir as taxas urbanas. No entanto, ainda ocorrem surtos nas cidades, incluindo um surto em 2007 entre esquilos em árvores no City Park em Denver, a capital do Colorado.
Normalmente, há cerca de uma dúzia de relatos de peste em animais a cada ano, geralmente durante o verão, de acordo com Mead. Mas não está claro o que causa as infecções. Parece haver “algum tipo de sinal ambiental em que as condições são propícias para que ela irrompa do reservatório, seja ele qual for, para essas espécies mais visíveis”, diz Wagner.

Uma ilustração mostra quatro espécies de ratos. Mas não são apenas os roedores que podem transmitir a peste. Animais como coelhos, veados, furões-de-patas-pretas, pumas, coiotes — e até mesmo em gatos e cães domésticos – podem carregar pulgas contaminadas pela bactéria Yersinia pestis.
Qual é o risco da peste para os seres humanos hoje?
É altamente improvável que os seres humanos adoeçam com a peste, mas, se isso acontecer, a enfermidade não é mais uma sentença de morte para aqueles que têm acesso à ampla variedade de antibióticos que a tratam.
Embora alguns se preocupem com a possibilidade de cepas resistentes a antibióticos mudarem esse cálculo, os cientistas afirmam que o risco atual continua baixo.
A peste também representa um risco baixo para as pessoas que vivem em países ocidentais como os Estados Unidos, porque elas normalmente não passam muito tempo em áreas infestadas por pulgas. A maioria das pulgas tem uma espécie preferida para se alimentar. Depois de encontrarem um hospedeiro dessa espécie, é improvável que elas saltem para outro animal até que esse hospedeiro morra.
Portanto, você pode correr algum risco de ser picado por uma pulga infectada se passar por uma colônia de cães da pradaria com indivíduos que morreram recentemente de peste. Mas “a menos que você more próximo a uma colônia de cães da pradaria no oeste norte-americano, acho que o risco é praticamente nulo”, diz Wagner.
Existem algumas circunstâncias muito raras em que os seres humanos podem ser infectados por um animal intermediário. Os cães, por exemplo, podem trazer pulgas infectadas para seus donos. Os gatos domésticos, que são especialmente suscetíveis à forma respiratória da peste, podem infectar as pessoas ao seu redor através de espirros e outras gotículas respiratórias, da mesma forma que o resfriado, a gripe e a Covid-19 se espalham.
Para prevenir a infecção, Mead diz que é importante que as pessoas que vivem em áreas rurais dos estados do oeste estejam atentas ao seu entorno. Relate mortandades em grande escala de cães da pradaria às autoridades sanitárias locais. Sempre dê aos animais de estimação tratamentos preventivos contra pulgas e não permita que eles circulem em áreas com colônias de cães da pradaria.
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Por que a peste ainda não foi eliminada?
Embora o risco para os seres humanos seja baixo, ela representa um perigo maior para certas espécies em risco, particularmente o furão-de-patas-pretas, que está ameaçado de extinção. Neste caso, a peste é uma das principais ameaças à sobrevivência da espécie, que se alimenta de cães-da-pradaria. Nos últimos anos, conservacionistas lançaram esforços pioneiros para salvar esses furões, vacinando-os contra a peste.
Mas Mead ressalta que, para erradicar uma doença, é necessário compreender completamente como ela se espalha. A peste é endêmica atualmente no oeste dos Estados Unidos, e os cientistas ainda não sabem como ela persiste durante os períodos em que não há surtos.
Ela pode estar vivendo no solo ou talvez sendo transmitida entre animais selvagens, cujos surtos são mais difíceis de detectar. É possível suprimir a peste em uma área por meio da vacinação, mas ela pode surgir em outro lugar.
“É um pouco como incêndios florestais”, diz Mead. “O resultado final é que nós, no oeste, provavelmente teremos a peste como um risco de baixo nível por um bom tempo.”
