Nova descoberta na Patagônia: um crocodilo carnívoro com dentes como os do T-rex

O novo fóssil descoberto em uma parte remota da Patagônia argentina tem cerca de 70 milhões de anos e foi contemporâneo de dinossauros, segundo Diego Pol, Explorador da National Geographic.

Por Nicholas St. Fleur
Publicado 27 de ago. de 2025, 16:58 BRT
O crânio fóssil do Kostensuchus atrox, um parente de 70 milhões de anos dos crocodilos atuais. Acredita-se ...

O crânio fóssil do Kostensuchus atrox, um parente de 70 milhões de anos dos crocodilos atuais. Acredita-se que ele tenha sido um predador de ponta onde hoje é o sul da Patagônia argentina durante o período Cretáceo.

Foto de José Brusco

Perto do fim da era dos dinossauros, há cerca de 70 milhões de anos, um  antigo crocodilo rondava o que hoje é o extremo sul da Patagônia, com seu sorriso sinistro repleto de mais de 50 dentes afiados e serrilhados.

Batizada como Kostensuchus atroxessa espécie extinta de crocodilo era hipercarnívora, o que significa que se alimentava quase exclusivamente de carne. Também era um predador de topo da cadeia alimentar da época e que tinha “dentes comparáveis aos de um T-rex”, de formato cônicos e semelhantes a facas, conta Diego Polpaleontólogo e Explorador da National Geographic que ajudou a descobrir a nova espécie. 

Segundo Pol, com seus enormes músculos da mandíbula construídos para rasgar a carne de suas presas, o Kostensuchus “poderia partir você em dois pedaços com uma única mordida”.

Pol e seus colegas do Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia, em Buenos Aires (Argentina), juntamente com pesquisadores do Brasil e do Japão, descreveram a nova espécie a partir de um crânio primorosamente bem preservado e um esqueleto parcial. Eles publicaram suas descobertas em 27 de agosto na revista científica PLOS One.

Embora ele tenha sido menor do que os crocodilos e jacarés atuais, a equipe acredita que o Kostensuchus pode ter tido membros mais longos e mais eretos do que seus equivalentes modernos, o que, segundo eles, o teria ajudado a caçar presas – inclusive dinossauros – em terra. Mas alguns pesquisadores não envolvidos no estudo não estão convencidos.

A descoberta do Kostensuchus no sul da Patagônia, perto da Antártica, indica que os antigos parentes dos crocodilos período Cretáceo prosperavam em altas latitudes em ambientes quentes e úmidos que agora estão frequentemente enterrados sob neve e gelo. “Isso nos dá uma ideia de como o clima mudou drasticamente desde então”, comenta Pol.

Um parente de crocodilo extinto há muito tempo


Os crocodilos atuais e seus muitos parentes vivos e extintos fazem parte de um grupo amplo chamado crocodyliformes. Dentro desse grupo, o Kostensuchus atrox pertencia a uma família extinta de crocodilianos terrestres conhecidos por seus focinhos largos, chamados peirosaurídeos. Eles eram parentes dos crocodilosjacarésgaviais e caimões modernos, mas não seus ancestrais diretos.

Esses primos extintos dos crocodilos, muitos dos quais viviam em terra, pereceram ao mesmo período e vivenciaram o mesmo evento de extinção em massa dos dinossauros há 66 milhões de anos, que matou todos os dinossauros não aviários.  

“Este é um fóssil realmente bonito, proveniente de uma parte muito incomum e pouco compreendida da árvore genealógica dos crocodilos”, afirma Stephanie Drumheller-Horton, paleontóloga especializada em vertebrados da Universidade do Tennessee, em Knoxville (Estados Unidos), que não participou do trabalho. 

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    Um fóssil da caixa torácica do Kostensuchus atrox. Além do crânio, a equipe havia descoberto o pescoço, as costas, os ossos do quadril, as costelas e partes de um membro anterior.

    Foto de Fernando Novas

    A descoberta do crânio do antigo crocodilo


    No início de março de 2020, Fernando Novas e Marcelo Isasiambos paleontólogos do Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia, estavam em uma expedição em busca de fósseis na Formação Chorrillo, a cerca de 32 km da cidade de El Calafate, na Patagônia argentina

    Nessa mesma área, Novas e seus colegas já haviam encontrado anteriormentemegaraptor Maip macrothorax, o titanossauro Nullotitan glaciaris e o ornitópode Isasicursor santacrucensis (que inclusive leva o nome de Isasi).

    “As rochas de Chorrillo constituem uma formidável ‘janela’ para um ecossistema antigo que pode oferecer novas pistas sobre os últimos dinossauros da Patagônia”, comenta Novas.

    O local, que fica a cerca de 500 metros de altura em uma colina, está repleto de fósseis que datam de 70 milhões de anos. Para chegar lá, eles dirigiram caminhões por 3h, atravessando rios, subindo encostas e passando pela beira de penhascos. Do topo, foram recebidos por vistas panorâmicas do Lago Argentino e da Geleira Perito Moreno que emerge dos Andes

    Depois de montar acampamento no primeiro dia da excursão, a equipe de mais de 30 pesquisadores e técnicos caminhou vários quilômetros pelas montanhas carregando pesados equipamentos e máquinas de escaneamento em busca de fósseis, mas não encontrou muita coisa.

    “Então, com os últimos raios de sol, nossa sorte mudou”, diz Isasi.

    Enquanto o resto da equipe voltou para o acampamento, Isasi ficou com seu colega Gabriel Lio, um paleoartista, para esperar por um membro da equipe que não havia se apresentado. Com o passar do tempo, eles começaram a se preocupar e decidiram procurá-lo. Ao longe, ouviram um grito de seu colega desaparecido. Com uma sensação de alívio, Isasi começou a diminuir o ritmo enquanto caminhava por um local com grandes rochas e concreções de cálcio. Ali, embutido em uma rocha bege, algo chamou a atenção de Isasi: ossos negros.

    “Mostrei ao meu colega, que, surpreso, disse: ‘Marcelo, são dentes, e são muito grandes!’”, conta Isasi. “Olhei imediatamente para cima e vi uma fenda na rocha com uma silhueta inconfundível, e disse: ‘É um crânio!’”

    Lioespecialista em fósseis de crocodilos, identificou imediatamente como um crânio de crocodilo. Além do crânio, eles também encontraram dentro das rochas uma grande parte do esqueleto. Embora Isasi já tivesse encontrado fósseis de crocodilos em outras partes da Patagônia, este era muito maior e parecia estar muito mais completo.

    “Foi um momento maravilhoso, incrível e inesquecível!”, afirma Isasi.

    O paleontólogo argentino Marcelo Isasi encontrou o crânio e a mandíbula do Kostensuchus atrox embutidos em uma rocha.

    O paleontólogo argentino Marcelo Isasi encontrou o crânio e a mandíbula do Kostensuchus atrox embutidos em uma rocha.

    Foto de Federico Agnolín

    Preparação do fóssil durante a pandemia global


    Enquanto a equipe acampavaeclodiu a pandemia da Covid-19, colocando quase todo o mundo em lockdown. Com apenas um sinal fraco de celular chegando até eles no cume da montanha, eles tinham pouca ideia do que estava acontecendo no resto do mundo. Então, em 24 de março de 2020, eles tiveram que suspender o trabalho de campo. Eles tentaram retornar a El Calafate, mas a cidade estava em lockdown. Eles ficaram confinados em suas cabanas por 10 dias.

    Posteriormente, Novas conseguiu obter autorizações para a equipe viajar do local, então os pesquisadores carregaram as concreções fósseis em caminhões. Eles transportaram seu tesouro por cerca de 2.400 km do sul da Patagônia até Buenos Aires por uma estrada vazia.

    “Lembro-me da fila de caminhões trazendo exploradores, equipamentos de acampamento e novos fósseis valiosos viajando sozinhos como em um filme de ficção científica”, relata Novas.

    Em Buenos Aires, o distanciamento social pela pandemia tornou o laboratório do museu um território proibido, então Novas pediu a Isasi que levasse o pesado bloco de fósseis com o crânio para casa dele. Ele era tão grande que Isasi teve que recrutar a ajuda de sua esposa, Emilia, e de seus dois filhos, Tomás e Lara, para arrastá-lo para fora do veículo e para o pátio.

    Ele dedicou os seis meses seguintes a lascar a rocha com martelos pneumáticos de alta precisão. Sempre que algo novo era descoberto, Isasi atualizava seus colegas. Com o tempo, os dentes grandes, pretos e brilhantes emergiram ameaçadoramente sob o focinho, diz Novas.

    O crânio era curto, medindo cerca de 50 cm de comprimento, e seu focinho era largo. Os dentes que saíam de sua boca mediam até 5 cm de comprimento e, em relação ao crânio, eram maiores do que os dos crocodilos modernos e da maioria dos outros extintos. Seu crânio e mandíbula inferior sugerem que ele tinha grandes inserções musculares que teriam produzido uma mordida poderosa.

    Esses indícios, segundo os pesquisadores, corroboram o status do Kostensuchus como hipercarnívoro e predador de topo. Ele provavelmente caçava herbívoros de pequeno e médio porte, possivelmente ornitísquios, como pequenos anquilossauros e hadrossauros.

    Ele era um crocodilo aquático ou mais terrestre?


    Após muitos meses de trabalho meticuloso dos técnicos, mais ossos do Kostensuchus atrox finalmente emergiram das rochas. “É um processo de descoberta muito lento”, cheio de drama e tensão, explica Diego Pol. “Eu adoro essa parte, porque mais e mais surpresas aparecem todos os dias no laboratório.”

    Depois de concluída toda a preparação do Kostensuchus atrox, eles descobriram nas rochas os fósseis de seu pescoço, costas, ossos do quadrilcostelas e um membro anterior do crocodilo pré-histórico. Faltavam a maior parte dos membros posteriores e a cauda. 

    membro anterior era mais alongado em comparação com os crocodilos modernos, o que indica que ele pode ter se mantido ereto e caminhado em terra, em vez de passar a maior parte do tempo na água. 

    Eric Willberg,  paleontólogo de vertebrados da Universidade Stony Brook, também em Nova York, , que não fazia parte da equipe, diz que as evidências são contraditórias. Segundo ele, a pelve sugere que os membros posteriores podem ter se estendido para fora, como os crocodilos modernos, em vez de ficarem totalmente eretos, como nos mamíferos e outros crocodilianos terrestres extintos.

    Pol e seus colegas reconhecem que as características dos membros anteriores poderiam refletir uma adaptação para agarrar e rasgar a presa, em vez de se movimentar. Mas, sem os ossos dos membros posteriores, é difícil reconstruir como ele se movia e caçaba suas presas, observa Adam Cossette, paleontólogo de vertebrados do Instituto de Tecnologia de Nova York, também dos Estados Unidos.

    Os autores estimam que o Kostensuchus media 3,5 metros de comprimento e pesava cerca de 249 kg, muito mais que jacarés e crocodilos modernos. Embora o espécime seja “realmente impressionante”, Pedro Godoy, paleontólogo de vertebrados da Universidade de São Paulo, no Brasil, observa que essas espécies vivas podem ter proporções corporais diferentes das que os crocodiliformes terrestres extintos tinham.

    Quando os crocodilos do Cretáceo se enfrentavam


    As espinhas dorsais do Kostensuchus mostraram evidências de fraturas curadas, observa Pol, o que pode apoiar a ideia de que os crocodilos lutavam entre si.

    “O combate ou a agressão por causa de comida ou [comportamentos] territoriais é um dos cenários possíveis para a ocorrência de ferimentos”, afirma Pol. Para imaginar como esses confrontos poderiam ter sido entre os crocodilos do Cretáceo, a equipe criou uma reconstrução em vídeo.

    Nele, um Kostensuchus rói a carcaça de um dinossauro recém-morto quando um rival se aproxima, possivelmente atraído pelo cheiro. Os dois trocam rosnados antes de se erguerem sobre os membros posteriores e baterem com seus corpos enormes um contra o outro, como acontece com os  os dragões-de-komodo quando lutam entre si.

    A enorme diversidade dos crocodilos


    Embora o leito fóssil onde o Kostensuchus foi encontrado date de 70 milhões de anos atrásPol acredita que o Kostensuchus viveu ainda mais próximo do evento de extinção. Se for esse o caso, o Kostensuchus fornece aos cientistas mais informações sobre a extraordinária diversidade dos crocodiliformes do Cretáceo pouco antes de serem exterminados.

    Em geral, as pessoas pensam que os crocodilos antigos se assemelhavam aos predadores de emboscada semi-aquáticos de baixa estatura que espreitam nas águas turvas de hoje. No entanto, durante o Cretáceo e em épocas anteriores, havia crocodilos herbívoroscarnívoros gigantes e até mesmo com armaduras como as de um tatu.

    Eles eram muito diversificados até o fim”, comenta Pol. Ele suspeita que a razão pela qual não vemos mais essa mesma diversidade entre os crocodilos hoje é porque os crocodilos antigos que sobreviveram ao evento de extinção provavelmente eram aqueles adaptados para viver em ambientes de água doce, como rios e lagos, que foram menos devastados após o impacto do asteroide.

    Há essa ideia persistente de que os crocodilos são “fósseis vivos”, mas não é preciso cavar muito para encontrar muitas espécies divertidas e estranhas", diz Drumheller-Horton. “Também é um ótimo lembrete de que, embora chamemos isso de ‘Era dos Dinossauros’, os dinossauros não eram os únicos na Terra.”

    A National Geographic Society, uma organização sem fins lucrativos, comprometida em iluminar e proteger as maravilhas do nosso mundo, financiou o trabalho do Explorador Diego Pol

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