Um rim humano esperando para ser transplantado

Viver até os 150 anos: será que a imortalidade virá de transplantes de órgãos? A ciência investiga

Biohackers sonham com um futuro em que os transplantes de órgãos ajudem os seres humanos a serem imortais. Mas os cientistas afirmam que ainda existem grandes obstáculos — inclusive por causa da complexidade do nosso cérebro.

Um rim aguarda para ser preparado para transplante. Somente nos Estados Unidos, mais de 800 mil pacientes tiveram suas vidas salvas ou sua qualidade de vida melhorada graças aos transplantes. No Brasil, o ano de 2024 marcou o recorde de 30 mil procedimentos como este, segundo o Ministério da Saúde do país. Mas os cientistas especializados em longevidade colocam em dúvida as alegações de que a substituição de todos os nossos órgãos poderia ajudar os seres humanos a viver para sempre.

Foto de Sebastien DI SILVESTRO, Hans Lucas, Redux
Por Alexandra Pattillo
Publicado 10 de set. de 2025, 06:05 BRT

“É possível que, neste século, os seres humanos possam viver até os 150 anos”, disse o presidente chinês Xi Jinping em uma conversa com o líder russo Vladimir Putin, em uma reunião que ocorreu na primeira semana de setembro deste ano em Pequim. 

A frase de Xi foi uma resposta ao comentário de Putin acerca de um antigo desejo da humanidade: viver muito mais anos, quem sabe até conseguir evitar a morte. “A biotecnologia está avançando”, falou Putin por meio de um tradutor. “Haverá transplantes constantes de órgãos humanostalvez até mesmo as pessoas fiquem mais jovens à medida que envelhecem, alcançando até a imortalidade.”

A conversa – que veio à público com o vazamento de áudio de uma gravação captada durante o encontro dos líderes –, surpreendeu o mundo. Imaginava-se que entre os temas discutidos pelos representantes das duas potências globais estariam temas como segurança energética, comércio global ou conflitos militares – e não o uso de transplantes de órgãosmedicina moderna para viver mais tempo.

curiosa conversa entre dois homens de 72 anos suscitou a discussão: será que os transplantes de órgãos podem realmente ajudar as pessoas a viverem até 150 anos? 

Um cientista mostra um cérebro humano

Atualmente é impossível transplantar o cérebro, garantem os especialistas. "Imagine viver com um coração forte e um cérebro em deterioração", diz Caplan. “O movimento da longevidade está no nível molecular, não no nível da substituição de órgãos”, acrescenta.

Foto de Luca Locatelli

Será que a busca por longevidade está indo longe demais? 

Não exatamente, dizem os especialistas. “O transplante de órgãos não é o caminho para a imortalidade”, afirma Arthur Caplan, professor, chefe da divisão de ética médica da Faculdade de Medicina Grossman, de Nova York, um especialista em ética do transplante de órgãos.

Para aqueles que sofrem com uma falência orgânica, os transplantes podem salvar vidas. Mas para outros que tentam combater o envelhecimento, os transplantes de órgãos são muito arriscados, caros e apresentam sérias limitações: um transplante não cura muitas das doenças sistêmicas comuns do envelhecimento. 

Também não há órgãos suficientes para atender à demanda existente, muito menos para apoiar a substituição generalizada de órgãos. E atualmente é impossível transplantar o cérebro. Imagine viver com um coração forte e um cérebro em deterioração — isso é um pesadelo, diz Caplan. 

O movimento da longevidade está no nível molecular, não no nível da substituição de órgãos”, acrescenta.

Nir Barzilai, professor de medicina e genética da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York, e presidente da Academia de Pesquisa em Saúde e Expectativa de Vida, concorda. Os cientistas desenvolveram estratégias muito melhores, como edição de genesmedicamentos antienvelhecimentoterapias com células-tronco para viver mais, diz ele, acrescentando: 

“Podemos retardar o envelhecimento e até mesmo revertê-lo”, diz  Barzilai.

(Conteúdo relacionado: Sintomas da menopausa que não desaparecem? Pode ser uma síndrome ainda pouco conhecida)

Como aconteceu o surgimento dos transplantes de órgãos

Durante milhares de anos, a mitologia antiga relatou histórias milagrosas de transplantes de órgãos para curar doenças. Mas foi somente em meados da década de 1950 que esses mitos se tornaram medicina moderna. 

Em 1954cirurgiões realizaram o primeiro transplante de órgão humano bem-sucedido, transferindo um rim de um gêmeo idêntico para outro. No final da década de 1960, os cirurgiões já haviam realizado com sucesso transplantes de fígado, coração e pâncreas, enquanto os transplantes de pulmão e intestino começaram na década de 1980.

Nos anos seguintes, os cientistas superaram complexos obstáculos técnicos para tornar os transplantes de órgãos mais seguros e eficazes: os pesquisadores aprenderam a conectar melhor os vasos sanguíneos, preservar a função dos órgãos fora do corpo durante o armazenamento e gerenciar a resposta imunológica para evitar a rejeição de órgãos por meio de medicamentos imunossupressores.

Em 2024, no Brasil, foram feitos 30 mil transplantes de órgãos, enquanto em países como os Estados Unidos, foram mais de 800 mil pacientes cujas vidas foram salvas ou tiveram a qualidade dela melhorada graças aos transplantes.

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    “Para transplantar todos os órgãos do corpo, seria preciso tomar cerca de 378 litros de imunossupressores todos os dias. ”

    por Arthur Caplan
    professor e chefe da divisão de ética médica da Faculdade de Medicina Grossman (NY)

    Será que a substituição de órgãos pode fazer alguém viver para sempre?

    Mesmo com grandes avanços, os transplantes de órgãos ainda apresentam alto risco

    A principal preocupação com essas operações é a rejeição do órgão. Sem intervenção, o sistema imunológico ataca a parte do corpo que foi transplantada como um invasor estranho. Os medicamentos imunossupressores, desenvolvidos na década de 1980, permitem que os médicos manipulem as defesas imunológicas do corpo para aceitar o novo órgão. 

    Mas os mesmos medicamentos poderosos que bloqueiam a rejeição de órgãos também aumentam significativamente o risco de infecções bacterianasvirais e fúngicas, que podem ser graves e fatais. Portanto, os médicos devem encontrar um equilíbrio delicado entre suprimir o sistema imunológico para bloquear a rejeição e mantê-lo forte o suficiente para combater os patógenos.

    Os imunossupressores geralmente precisam ser tomados por toda a vida e também podem causar efeitos colaterais como diabetes, hipertensão, colesterol alto e até câncer a longo prazo. Passar por várias rodadas de imunossupressores para múltiplos transplantes agrava esses efeitos. 

    Para transplantar todos os órgãos do seu corpo, você precisaria tomar cerca de 378 litros de imunossupressores todos os dias”, explica Caplan — uma perspectiva perigosa. 

    Outro problema do uso de transplantes de órgãos para viver mais tempo é que nossos corpos se tornam menos resistentes à medida que envelhecemos. É mais difícil se recuperar após uma cirurgia, suportar estressores físicos e combater infecções. 

    “Ainda não existe transplante para fragilidade ou demência”, afirma Henry Pleass, professor de cirurgia da Universidade de Sydney, na Austrália, e cirurgião de transplantes do Hospital Westmead. 

    embora os órgãos transplantados durem mais do que nunca — muitas vezes décadas —, eles não duram necessariamente a vida toda, o que significa que a substituição de órgãos não é uma solução milagrosa.

    “Primeiro, você tem que sobreviver a um transplante”, explica Barzilai. “Depende do órgão, mas se você for idoso ou frágil, pode não se recuperar totalmente. E, eventualmente, você pode precisar de outro órgão. Essa não é uma estratégia para a longevidade.”

    Caplan compara essa abordagem futurista de biohacking à cirurgia plástica. “Você pode mudar sua aparência, mas ainda assim vai morrer na mesma idade.”

    Os transplantes contínuos de órgãos são mesmo viáveis? 

    Atualmente, a demanda por órgãos para transplante excede em muito a oferta, mesmo para os pacientes com maior necessidade. 

    Em todo o mundo, apenas cerca de 10% da demanda por transplantes é atendida, com grandes disparidades entre os países. Essa escassez global significa que a substituição generalizada de órgãos para viver mais tempo não é viável, sem falar na questão ética, diz Caplan. 

    “O movimento da longevidade desvia a atenção das reais necessidades de saúde da maioria das pessoas no mundo que estão morrendo prematuramente devido a problemas evitáveis”, diz Caplan, observando que as intervenções antienvelhecimento propostas devem ser acessíveis para as massas.

    “Neste momento, a ideia de usar transplantes para prolongar a vida não é algo que possamos fazer ou mesmo considerar, especialmente porque há uma enorme escassez de órgãos”, concorda Eric Verdin, gerontologista e presidente e CEO do Buck Institute (entidade de pesquisa biomédica independente localizada no estado da Califórnia, nos Estados Unidos).

    Além disso, para muitos este é um processo proibitivamente caro. Os custos do transplante variam entre 260 mil dólares, nos Estados Unidos, para um único rimmais de um milhão de dólares para um novo coração, e isso sem contar os custos da medicação para o resto da vida.

    Os cientistas estão correndo para remediar esses dois problemas. Alguns estão utilizando técnicas de edição de genes, como o CRISPR (sigla para Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaciadas), para modificar geneticamente órgãos de porcos, tornando-os efetivamente “livres de rejeição” — um modelo que se provou viável em dois pacientes. 

    Outras estratégias incluem o cultivo de órgãos a partir de células-tronco humanas, o desenvolvimento de “miniórgãos” cultivados em laboratório, chamados organóides, e o uso da bioimpressão 3D para produzir órgãos sob demanda. No entanto, nenhuma dessas estratégias foi implantada para uso clínico em larga escala.

    “Os transplantes de órgãos podem até parecer uma solução para pessoas mais ricas, mas eles não são mesmo uma solução completa”, diz Caplan. Essas operações muitas vezes substituem uma “doença crônica por uma doença aguda”, porque é preciso tomar imunossupressores, diz Caplan. 

    Em vez de transplantar órgãos, Alejandro Soto-Gutierrez, professor de patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Pittsburgh, também nos Estados Unidos, diz acreditar que o verdadeiro futuro da extensão da vida está nas técnicas que reprogramam órgãos velhos e doentes. “Vejo um futuro sem transplantes reais.”

    “Neste momento, a ideia de usar transplantes para prolongar a vida não é algo que possamos fazer ou mesmo considerar.”

    por Eric Verdin
    gerontologista e presidente e CEO do Buck Institute (entidade de pesquisa biomédica independente localizada na Califórnia)

    Que outras estratégias da ciência poderiam funcionar melhor para a longevidade?

    Embora os xenotransplantesa fabricação de órgãos tenham avançado “consideravelmente” nos últimos cinco a dez anos, Soto-Gutierrez argumenta que o campo da medicina transcricional avançou mais rapidamente. 

    Essa abordagem usa tecnologias como mRNA, CRISPR e reprogramação celular para alterar a forma como os genes são expressos. Os cientistas esperam que o direcionamento dos quatro fatores Yamanaka – proteínas com a capacidade de reprogramar células adultas mais velhas em células-tronco pluripotentes mais jovens, possa ajudar a reverter as chamadas marcas do envelhecimento em humanos — o Santo Graal da pesquisa sobre o envelhecimento.

    “Pessoalmente, acredito que as medicinas transcricionais serão desenvolvidas mais rapidamente e que não haverá necessidade de transplantes nos próximos anos, prolongando assim a vida de órgãos mais jovens e saudáveis”, diz Soto-Gutierrez. 

    Barzilai imagina um tratamento que um dia apagará os sinais do envelhecimento. “Se conseguirmos chegar aos 150 anos, não acho que será em um corpo velho, mas em um jovem”, diz Barzilai, observando que é muito mais fácil retardar o envelhecimento do que revertê-lo. 

    Os cientistas agora podem manipular parcialmente o envelhecimento celular, rejuvenescer tecidos mais velhoseliminar células senescentes que causam inflamação e doençasNo futuro, talvez possamos fazer isso de forma sistemática, provavelmente injetando um “coquetel de produtos biológicos”.

    “Você receberá um tratamento e ele apagará partes do seu envelhecimentoseu envelhecimento diminuirá e você permanecerá saudável por muito mais tempo”, diz Barzilai.

    Em vez da substituição de órgãos, Barzilai sugere focar em mudanças no estilo de vida baseadas em evidências, como uma dieta rica em vegetais exercícios regulares

    Na terceira idade, muitos medicamentos mostram potencial antienvelhecimento – como metformina, GLP-1s, inibidores de SGLT2, rapamicina e bisfosfonatos — embora seja importante observar que eles são aprovados pela FDA para certas condições de saúde, mas não para longevidade. Qualquer medicamento deve ser tomado sob os cuidados do seu profissional de saúde.

    “Com certeza, teremos algumas moléculas que tratarão o envelhecimento de forma duradoura em 20 anos”, prevê Verdin.  No entanto, cuidado com os remédios milagrosos”, alerta Barzilai. Nossa obsessão coletiva por viver mais tempo criou um enorme mercado global para terapias de longevidade, estimado em 44,2 bilhões até 2020. “Há muitos charlatões por aí dizendo bobagens”, acrescenta.

    Duas mulheres fazem poses de ioga em uma aula

    Duas mulheres fazem poses de ioga em uma aula. A prática regular de exercícios físicos continua sendo uma recomendação comprovada para manter uma boa longevidade.

    Foto de ROBERT ANDREW RICHTER

    Algum dia será possível viver até os 150 anos?

    Quando se trata das previsões de Xi, os especialistas não concordam: Verdin ficou surpreso que Putin e Xi tenham mencionado 150 anos como uma idade alcançável.

    Viver 150 anos é mais como um sonho impossível, algo que pode inspirar as pessoas, mas não algo que a maioria dos cientistas sérios acredita hoje”, diz Verdin. “Essa previsão diminui algumas das coisas incríveis que podemos realizar, que é ajudar todos a viver até os 95 ou 100 anos.”

    Barzilai discorda: com investimento e ação, o especialista diz que chegar aos 150 anos é possível. “Eu diria que Xi tem grandes chances de estar certo”, diz Barzilai.

    E esse investimento está acontecendo. Os governos de Xi e Putin investiram pesadamente em pesquisas sobre o envelhecimento, assim como inúmeros outros líderes globais, investidores e instituições científicas. 

    Ambos os países têm problemas de envelhecimento — a expectativa de vida média da Rússia está diminuindo, enquanto a China lida com a maior população idosa do mundo

    A expectativa de vida já aumentou antes. Durante milhares de anos, a duração da vida humana oscilou em torno dos 30 anos. Então, durante a Revolução Industrial e o advento de medidas de saúde pública – como saneamento, segurança alimentar, vacinaságua potável, a expectativa de vida humana mais que dobrou, chegando a 71 anos no século 21. 

    Agora, o limite máximo da vida humana é de cerca de 122 anos. No entanto, adicionar décadas à nossa expectativa de vida atual também trará novas doenças imprevistas, adverte Verdin. É por isso que, por enquanto, sua melhor aposta é otimizar cinco estratégias antienvelhecimento comprovadas: exercícios, nutriçãosono, controle do estresse conectividade social

    “Muitas pessoas procuram a gente em busca de algum suplemento ou pílula mágica”, diz Verdin. “Não temos nada que tenha o mesmo efeito da atividade física, nutrição e um estilo de vida saudável.” Melhor ainda, não há cirurgia envolvida.

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