É possível projetar cidades que melhorem a saúde mental das pessoas? A ciência explica

Especialistas afirmam que pequenas mudanças nos bairros podem fazer diferença em como nos sentimos conectados com as pessoas ao redor. Saiba mais no Dia Mundial das Cidades, celebrado em 31 de outubro.

Por Juhie Bhatia
Publicado 30 de out. de 2025, 09:01 BRT
Projetada para melhorar a acessibilidade e oferecer novas perspectivas, a Camp Adventure Forest Tower, na Dinamarca, atrai ...

Projetada para melhorar a acessibilidade e oferecer novas perspectivas, a Camp Adventure Forest Tower, na Dinamarca, atrai os visitantes para a copa das árvores de uma forma que proporciona uma sensação envolvente e revigorante. Ela faz parte de um movimento crescente de projetar espaços públicos que incentivam as pessoas a se reunirem, permanecerem e se conectarem.

Foto de Orsolya Haarberg, Nat Geo Image Collection

Todos os anos desde 2014, no dia 31 de outubro, o Dia Mundial das Cidades é celebrado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para recordar que futuro das cidades deve ser construído de forma coletiva, sustentável e inclusiva no mundo todo. Em meio a tantas transformações mundiais, viver bem e de forma saudável nas cidades tem sido um desafio diário em vários níveis, inclusive de saúde mental

Erin Peavey estava grávida de quatro meses quando perdeu a mãe para câncer. Depois que sua filha nasceu, em janeiro de 2019, a solidão se instalou. Sua mãe tinha sido seu porto seguro, uma fonte de apoio constante. Agora, sozinha em casa com um recém-nascido e seu marido trabalhando em tempo integral, Peavey se agarrou a um conselho que sua mãe sempre lhe dava: mantenha-se conectada.

Todos os dias, Peavey amarrava seu bebê ao peito e saía para passear em seu bairro em Dallas, no Texas (Estados Unidos). Ela frequentava cafeterias, conversava com as pessoas no supermercado e adquiriu o hábito de visitar outros “terceiros lugares” — um termo usado por sociólogos urbanos para se referir a pontos de encontro informais que não são a casa ou o trabalho, mas que podem promover o senso de comunidade

Erin Peavey, que é arquiteta, diz que não precisava de conversas profundas com outras pessoas, apenas sentia uma conexão compartilhada quando saía.

“Era como um antídoto para a solidão e o sofrimento mental de perder minha mãe ao mesmo tempo em que me tornava mãe pela primeira vez”, comenta ela. “Fiquei impressionada com esse presente que meu ambiente construído era para mim... Isso me permitiu lidar de uma melhor forma com a situação.”

Muitos especialistas consideram atualmente a solidão uma epidemia de saúde pública, com o ex-cirurgião-geral dos Estados Unidos alertando que ela afeta cerca de metade dos adultos norte-americanos e aumenta o risco de morte prematura para níveis comparáveis ao de fumar 15 cigarros por dia. 

Mas, à medida que esses desafios de saúde mental aumentam, especialistas como Peavey se perguntam: e se os espaços ao nosso redor nas cidades pudessem nos ajudar a nos sentir menos sozinhos?

“O ambiente construído, que inclui tudo, desde nossas ruas até moradias e sistemas de transporte, é uma parte muito importante de como realmente interagimos uns com os outros”, afima Julia Day, sócia da empresa global de estratégia urbana Gehl. “Embora o combate a uma epidemia exija várias ferramentas, mudanças no design urbano e na programação dos locais são um ingrediente fundamental.” 

Um relatório de 2024 da Foundation for Social Connection reforça esse ponto, mostrando como o ambiente construído pode impedir ou incentivar interações sociais significativas, sejam elas breves ou profundamente pessoais.

Essas ideias não são novas, mas vêm ganhando força. Peavey diz que isso se deve, em parte, ao fato de que a pandemia ajudou a desestigmatizar a solidão e tornou as pessoas mais conscientes do ambiente físico ao seu redor enquanto estavam presas em casa. “Nos últimos cinco anos, começamos a reconhecer que existem fatores estruturais das cidades que afetam muito nossa saúde, bem-estar, resultados econômicos etc.”, diz ela. “E um deles é nosso ambiente físico e construído.”

“ Existem fatores estruturais das cidades que afetam muito nossa saúde, bem-estar, resultados econômicos, entre outras coisas.”

por Erin Peavey
Arquiteta

Projetos urbanos para conexão das pessoas


Não existe uma abordagem única para projetar conexões sociais em espaços urbanos. No entanto, arquitetosurbanistas, formuladores de políticas públicas e outros profissionais desenvolveram várias estratégias que aumentam as chances de interações espontâneas ou significativas, tanto em residências particulares quanto em espaços públicos.

Peavey tem diretrizes de design baseadas em evidências para a saúde social que ela chamou de PANACHe. Um tipo de lugar com esses elementos, diz ela, são as praças italianas: elas são abertas ao público (acessibilidade), têm um centro de restaurantes e lojas (ativação) e prédios com tijolos de barro natural e pedras, muitas vezes cobertos de vegetação (natureza). 

“Quando os lugares podem nos ajudar a nos sentir mais seguros e calmos, o que é uma grande parte do que a natureza oferece, isso pode ajudar as pessoas a se sentirem mais abertas, sociáveis e tranquilas”, comenta a arquiteta.

Essas ideias também se refletem em um campus residencial para estudantes da Universidade da Califórnia em San Diego, na Califórnia (Estados Unidos) projetado em conjunto pela Safdie Rabines Architects e pela HKS Architects, onde a Peavey é líder em design na área de saúde e bem-estar

Ele conta com espaços compartilhados para cozinhar e socializar, escadas interconectadas e grandes janelas com vista para as áreas comuns, a fim de promover interações sociais e acadêmicas. Após a conclusão, estudos mostraram uma queda de 8,2% na depressão auto-relatada pelos estudantes e um aumento de quase 28% na satisfação com os espaços residenciais.

Em outro lugar, uma empresa de consultoria canadense chamada Happy Cities está ajudando a aplicar ideias semelhantes à habitação urbana. Com uma crescente crise global de habitação, Emma Avery, urbanista e líder de comunicação da empresa, diz que tem havido um interesse maior em sua abordagem para habitações multifamiliares, como prédios de apartamentos e casas geminadas.

“Temos a questão da moradia inacessível. Temos a crise climática. Temos a crise do isolamento social e da solidão, e realmente precisamos trabalhar juntos para resolver todas essas questões de uma vez”, afirma Avery. “Se estamos construindo milhares de novas casas nessas torres altas envidraçadas, como podemos garantir que não estamos agravando o isolamento social?”

Para esse fim, a Happy Cities e o Hey Neighbour Collective coproduziram um kit de ferramentas baseado em mais de uma década de pesquisa. As principais recomendações incluem integrar os edifícios ao bairro circundante, criar transições graduais entre espaços públicos e privados e co-localizar comodidades compartilhadas.

Esses conceitos orientaram o desenvolvimento do Our Urban Village em Vancouver, no Canadá, um projeto de “co-habitação leve” de 12 unidades onde os residentes vivem de forma colaborativa. Em linha com seu princípio de convite, por exemplo, há amplas passarelas externas, um pátio compartilhado e recantos sociais para incentivar a permanência e a interação. Um estudo mostrou que, seis meses após a mudança, 100% dos residentes disseram que nunca ou raramente se sentiam solitários, e 88% consideravam dois ou mais vizinhos como amigos.

A solidão não está necessariamente relacionada à falta de relações sociais, mas sim ao grau de satisfação que você sente nessas relações”, explica Avery. É por isso que “estamos realmente focados em criar esses espaços convidativos para que as pessoas possam fazer uma pausa e se sintam mais abertas à conexão, no seu próprio ritmo”.

Os espaços públicos são outra área em que têm observado mais interesse, especialmente desde a pandemia. Embora o seu conjunto de ferramentas se concentre na habitação, Avery afirma que alguns conceitos também se podem aplicar aos espaços públicos. Um deles é a ativação, em que o espaço é ativado com coisas intencionais para ver e fazer, sejam elas assentos, um parque infantil ou uma horta comunitária.

Um estudo recente realizado por Gehl e pesquisadores de saúde pública da Universidade de Toronto, no Canadá, destaca o valor da ativação de espaços públicos. Eles examinaram o The Bentway, um espaço antes esquecido sob uma importante rodovia em Toronto que foi transformado por meio de design e programação. A maioria dos visitantes disse se sentir mais saudável e socialmente conectada no espaço, especialmente com a inclusão de elementos paisagísticos, assentos públicos e eventos artísticos.

Day afirma que, embora os planejadores urbanos reconheçam cada vez mais o valor dessas características, os profissionais de saúde pública muitas vezes precisam de dados mais concretos sobre os benefícios para apoiar sua inclusão.

“Obter mais pesquisas sobre isso, como o projeto The Bentway, é realmente útil para formar parcerias mais significativas entre a saúde pública e os planejadores e desenvolvedores urbanos, que podem então realmente trabalhar juntos conforme necessário e garantir que o combate ao isolamento social seja uma parte essencial do briefing do projeto”, diz ela.

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    “Parcerias mais significativas entre a saúde pública e os planejadores e desenvolvedores urbanos... Para garantir que o combate ao isolamento social seja uma parte essencial dos projetos.”

    por Julia Day
    Sócia da empresa global de estratégia urbana Gehl

    Desafios e possibilidades


    Traduzir essas ideias de design em realidade está longe de ser simples. Os ambientes construídos são fortemente regulamentados e negociados entre várias partes interessadas, incluindo incorporadoras, governos locais e estaduais e membros da comunidade, que muitas vezes têm interesses conflitantes. As prioridades e políticas também podem mudar com a mudança de governo em cada cidade.

    É necessária mais colaboração intersetorial e mais pesquisaCandice Ji, urbanista e designer da Gehl, diz que havia poucos dados sistemáticos disponíveis quando começaram a analisar essa questão. “Continuamos a construir uma base de evidências para ação por meio dos diferentes estudos que estamos realizando”, comenta a urbanista.

    Eric Klinenberg, professor de sociologia da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, e autor do livro “Palaces for the People”, afirma que houve um maior reconhecimento do valor da infraestrutura social na última década, mas isso nem sempre levou a mais recursos. 

    “O investimento em espaços públicos e infraestrutura social continua sendo mesquinho e desigual”, afirma ele. “Os cortes nos gastos sociais do governo com parques, escolas, bibliotecas e espaços públicos ameaçam aumentar o risco de solidão e isolamento justamente no momento em que as pessoas precisam de laços mais fortes.”

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