Descoberto o RNA mais antigo do mundo: é de um mamute-lanoso congelado há cerca de 40 mil anos
Essas moléculas raras fornecem informações essenciais sobre os momentos finais da vida do jovem mamute da Era do Gelo.

Yuka, o mamute-lanoso de aproximadamente 40 mil anos, foi exibido no museu Permafrost Kingdom, em Yakutsk, na Sibéria, Rússia.
Em 2010, caçadores de presas que vasculhavam a margem de um rio perto da costa ártica da Sibéria, na Rússia, descobriram a múmia de um mamute juvenil. O animal, apelidado de “Yuka” em homenagem à vila vizinha de Yukagir, estava congelado há quase 40 mil anos. O permafrost preservou sua carcaça com detalhes impressionantes, com manchas de pelo avermelhado, uma tromba retorcida e até mesmo seu cérebro intacto.
Agora, pesquisadores relatam que os tecidos de Yuka preservam outro tesouro pré-histórico raro: traços de ácido ribonucleico (RNA), moléculas genéticas que são cruciais para a vida, mas geralmente se deterioram logo após a morte. As descobertas da equipe, publicadas recentemente em novembro de 2025 na revista científica Cell, representam as sequências de RNA mais antigas já recuperadas na história e a primeira vez que as moléculas foram extraídas de um mamute-lanoso (Mammuthus primigenius).
Os cientistas passaram décadas estudando fragmentos de DNA antigo de espécimes de mamutes-lanosos bem preservados, como Yuka. Esses pedaços de material genético ajudaram a construir o genoma da espécie, revelando o quão próximos os mamutes estão dos elefantes vivos.
(Leia também: O cérebro dos pterossauros reinventou o voo do zero, revela um fóssil encontrado no Brasil)
No entanto, vestígios de RNA antigo têm se mostrado difíceis de encontrar. Esses compostos, que normalmente existem como uma única cadeia de moléculas, são essenciais para ativar genes específicos e criar proteínas importantes, mas são menos duráveis que o DNA.
“O RNA antigo nos dá um olhar instantâneo de quais genes estão ativos em um determinado tecido”, explica Love Dalén, que estuda genômica evolutiva na Universidade de Estocolmo, na Suécia, e foi coautor do novo estudo. “Isso é algo que nunca poderíamos ver apenas no DNA.”
O RNA também é famoso por sua relação com vírus, como a gripe e coronavírus, como o SARS-CoV-2, responsável pela Covid-19. Esses patógenos armazenam suas informações genéticas em cadeias de RNA. Dalén acredita que o RNA antigo será fundamental para detectar vestígios de vírus da Era do Gelo que estão preservados junto com a megafauna mumificada.
Embora a equipe tenha examinado Yuka em busca de vírus de RNA e descobriu que o jovem mamute tinha um histórico de saúde relativamente bom, pode haver outros restos pré-históricos a serem descobertos cujo material genético abrigue a assinatura de patógenos antigos. “Se você estiver investigando um espécime que tenha uma carga viral relativamente alta no tecido, devemos ser capazes de isolar esses vírus de RNA”, diz ele.
“O RNA antigo nos dá um olhar de quais genes estão ativos em um determinado tecido, é algo que nunca poderíamos ver apenas no DNA”
A busca pelo RNA mais antigo do mundo
Os pesquisadores pensaram durante muito tempo que o RNA era demasiado frágil para sobreviver séculos, quanto mais milhares de anos. Mas esforços recentes desafiaram essa suposição. Em 2023, Dalén e sua equipe recuperaram RNA da pele e do tecido muscular de um espécime extinto de tigre da Tasmânia que estava em uma coleção de museu há mais de 130 anos. Em 2017, outro grupo de pesquisadores extraiu RNA muito mais antigo dos tecidos estomacais de uma múmia congelada de 5.300 anos.
Para encontrar RNA ainda mais antigo, Dalén e seus colegas se concentraram em espécimes do permafrost do norte da Sibéria. À medida que o solo congelado da região derrete, moradores locais e cientistas se deparam com várias descobertas notáveis, incluindo um filhote mumificado de gato dente-de-sabre e uma miríade de espécimes de mamutes que mantêm tecidos da pele e musculares.
A equipe examinou amostras de Yuka e outros nove mamutes siberianos. Enquanto três mamutes tinham RNA isolado de seus tecidos, Yuka tinha as cadeias mais longas, e somente Yuka tinha moléculas de RNA envolvidas na ativação genética essencial para o desenvolvimento do tecido muscular.
Essas moléculas de RNA também fornecem insights sobre os momentos finais da vida do jovem mamute. Por exemplo, os cientistas observaram um alto número de seções de RNA que são marcadores de estresse celular.
“Poderíamos dizer que a vida de Yuka logo antes de sua morte foi bastante estressante e isso acabou ficando impresso no panorama molecular de seus músculos”, afirma Emilio Mármol, pesquisador de pós-doutorado da Universidade de Copenhague, Dinamarca, e principal autor do novo estudo. Alguns cientistas especularam que o mamute juvenil foi atacado por leões das cavernas (Panthera spelaea) antes de cair em um lago ou lagoa rasa, embora seja difícil determinar as circunstâncias exatas, disse Mármol.
(Você pode se interessar: O que matou os últimos mamutes que viveram na Terra?)
Uma inversão de gênero na Era do Gelo
Ao examinar o material genético do mamute juvenil em busca de vestígios de RNA, a equipe fez outra descoberta surpreendente: Yuka era geneticamente macho. A descoberta desafia várias análises iniciais do espécime, que concluíram que Yuka era uma mamute fêmea jovem com base em suas características anatômicas.
Inicialmente, os pesquisadores pensaram que haviam confundido as amostras de mamute. Para verificar suas descobertas, os pesquisadores também examinaram seções do DNA antigo de Yuka coletadas por duas outras equipes de pesquisa e confirmaram que o mamute tinha cromossomos X e Y.
Daniel Fisher, paleontólogo da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, que estuda mamutes, mas não participou do novo artigo, não se surpreendeu com essa reviravolta. “Este não é um sistema fácil de interpretar, especialmente com os extensos danos pós-morte que o corpo de Yuka sofreu”, comentou ele. Ele acredita que a confirmação de que Yuka era geneticamente macho forçará os pesquisadores a reinterpretar vários aspectos da história de vida do famoso mamute, como a forma como ele amadureceu e cresceu.
(Conteúdo relacionado: O maior chifre de rinoceronte do mundo foi descoberto por conta do derretimento de permafrost na Sibéria)
Implicações para o retorno dos mamutes
Embora a ideia de trazer de volta o mamute-lanoso da extinção tenha ganhado destaque nos últimos anos, os trechos específicos de RNA destacados no novo artigo têm pouco valor direto para os esforços de “desextinção”, diz Dalén. Isso porque esses RNAs controlam as bases genéticas do desenvolvimento muscular, que são essencialmente as mesmas para mamutes e elefantes modernos.
Mas encontrar RNA antigo é um marco científico crucial que pode eventualmente ajudar nos esforços de ressurgimento, afirma Beth Shapiro, bióloga evolucionária que não participou do novo estudo e atua como diretora científica da Colossal Biosciences, uma empresa que tenta reviver geneticamente mamutes peludos e várias outras espécies extintas. (Dalén também é membro do comitê consultivo científico da Colossal).
“No futuro, devemos ser capazes de usar essa abordagem para explorar como a expressão gênica difere entre espécies extintas e vivas”, explica Beth Shapiro.
Um exemplo poderia ser identificar os genes responsáveis pela pelagem felpuda dos mamutes. Dalén afirma que encontrar RNA antigo nos folículos capilares dos mamutes poderia esclarecer as vias genéticas que ativam os genes, ajudando potencialmente os cientistas a reproduzir a pelagem espessa do animal em um análogo moderno.
Ele acha a possibilidade intrigante: “Quem não gostaria de saber quais genes tornavam os mamutes peludos?”