
O legado de Sebastião Salgado: morre o renomado fotógrafo e ambientalista brasileiro que clicou a Amazônia em preto e branco
Sebastião Salgado sobrevoa a Amazônia na sua série de visitas ao bioma que renderam uma coleção fotográfica sobre a floresta e os povos originários que vivem em seu território.
Reconhecido mundialmente como um dos fotógrafos mais geniais da história, o brasileiro Sebastião Salgado transformou a maneira como um registro em preto e branco pode impactar as pessoas através de seu olhar sobre a natureza e os conflitos sociais e humanos, como guerras e a exploração de pessoas.
Sebastião Salgado morreu nesta sexta-feira, 23 de maio, aos 81 anos, como confirmaram informações dadas pelo Instituto Terra, organização não-governamental fundada pelo documentarista e sua mulher, Lélia Wanick Salgado, com quem ficou casado por 61 anos.
Lélia era sua parceira também na vida profissional: foi usando uma câmera comprada por ela que Salgado começou a fotografar; tempos depois, ela se tornou responsável por editar seus livros, além de organizar as exposições fotográficas do marido, que chegaram a diversas cidades do mundo.
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Sebastião Salgado e Lélia Wanick Salgado são os fundadores do Instituto Terra, uma organização não governamental focada na recuperação ambiental de ecossistemas.
Quem foi Sebastião Salgado?
Nascido em Aimorés, Minas Gerais, em 8 de fevereiro de 1944, Salgado iniciou sua carreira como economista antes de se dedicar à fotografia nos anos 1970. Tornou-se um dos nomes mais respeitados mundialmente, conhecido por seus projetos de longo prazo que retrataram questões humanitárias, migrações e a relação entre o homem e a natureza.
Entre suas obras mais celebradas estão as séries de fotos "Êxodos", dedicada a documentar deslocamentos humanos, refugiados e exilados devido à pobreza, guerras, repressão; "Amazônia", que registrou de paisagens intocadas e culturas tradicionais dos inúmeros povos originários que vivem neste território; além de "Trabalhadores", que retratou em uma série de imagens as condições laborais ao redor do globo.
Salgado também recebeu prêmios, como o Príncipe das Astúrias, em 1998 (reconhecimento espanhol dado ao trabalho de pessoas e instituições que se destacam em áreas como ciência, técnica, cultura, sociedade e humanidades); e o Kyoto Prize em 2022 – um equivalente japonês ao Prêmio Nobel.
National Geographic entrevistou o fotógrafo e relembra a conversa publicada em outubro de 2022.
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“Como fotógrafo, testemunhei coisas excepcionalmente terríveis”
NatGeo – O que o atraiu para a câmera?
Sebastião Salgado – Eu descrevo a fotografia como uma invasão total em minha vida. Eu estava fazendo um doutorado em economia em Paris quando minha esposa, Lélia, que estava estudando arquitetura, comprou uma câmera para seus projetos. Olhei pelo visor pela primeira vez e minha vida mudou completamente. O que eu amava, o que eu achava interessante, o que me deixava chateado – eu podia capturar tudo isso. A fotografia ocupou tanto espaço em minha vida que não sobrou nada para nenhuma outra atividade.
NatGeo – Como a sua infância influenciou as histórias socioeconômicas que você cobriu como fotojornalista?
SS – Eu vim de um país subdesenvolvido com enormes problemas sociais e, por um tempo, estudei e trabalhei como economista. Eu era marxista, depois me tornei maoista e, mais tarde, hippie. Esses movimentos me deram uma visão comunitária do planeta, o que inevitavelmente me levou a um tipo de fotografia humana e social. Concentrei-me nisso durante a maior parte de minha vida, até me tornar um ambientalista.

Um registro da exposição "Amazônia", de Sebastião Salgado, em Madrid, capital da Espanha, em 2023.
NatGeo – Por que você se voltou para o meio ambiente?
SS – Como fotógrafo, testemunhei coisas excepcionalmente terríveis. Depois de documentar o genocídio de Ruanda, em 1994, e suas consequências, meu corpo finalmente começou a dar sinais de que as coisas não estavam bem para mim. Fiquei doente e fiquei extremamente deprimido. Um médico recomendou que eu descansasse por alguns meses, então Lélia e eu nos mudamos de volta para o Brasil, para o sul do estado da Bahia, parte da região da Mata Atlântica do país. Morávamos na praia, perto de tribos antigas. Fiquei mais calmo e me senti melhor.
Por volta dessa época, meus pais me deixaram como herança a fazenda da família no Vale do Rio Doce, no estado de Minas Gerais. Decidimos abandonar a fotografia e eu e Lélia queríamos nos tornar fazendeiros para sempre. Mas quando chegamos lá, descobrimos que a terra havia sofrido uma erosão completa. Era uma fazenda linda, toda arborizada, com um rio que passava por ela, onde eu nadava quando criança. O solo estava morto, e era impossível viver em uma terra morta. Foi Lélia quem me perguntou: “Sebastião, por que você não replanta a floresta?”.
NatGeo – Em 1998, você e Lélia criaram o Instituto Terra, uma organização sem fins lucrativos voltada para a restauração ambiental no Vale do Rio Doce. Como foi o processo?
SS – Foi a primeira vez que alguém plantou uma floresta tropical em grande escala no Brasil. Para reabilitar toda a propriedade, tivemos que plantar cerca de três milhões de árvores. Eu tinha um nome na fotografia, então consegui arrecadar dinheiro e começamos a plantar uma média de 150 mil árvores por ano.
Depois, criamos um viveiro, um laboratório para as sementes, que nos permitiu plantar mais de duzentas espécies diferentes de árvores tropicais nativas. Posteriormente, criamos um centro de treinamento para técnicos ambientais e inscrevemos 20 agricultores por ano. Não fizemos isso por causa de uma ideologia ou ativismo; éramos apenas cidadãos comuns que decidiram plantar uma floresta.
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NatGeo – Como é a fazenda agora?
SS – Nós plantamos essas três milhões de árvores, e o Instituto Terra se tornou o maior instituto ecológico rural do Brasil. Quando se constrói uma floresta, é preciso fazer isso em uma sequência. Primeiro, você planta as espécies de árvores “pioneiras”, que criam as condições para o crescimento da floresta.
Em seguida, vêm as árvores secundárias. Duas décadas após o início do projeto, estamos plantando um milhão de árvores “clímax” [espécies duráveis que se desenvolvem em condições estáveis]. Muitas desaparecerão, mas as que não desaparecerem continuarão existindo por 1 mil anos. Em nossa fazenda, trouxemos de volta uma enorme quantidade de biodiversidade. Temos praticamente todos os insetos da região, 173 espécies diferentes de pássaros, mamíferos – já vimos até onças-pintadas. Agora, esses bolsões de biodiversidade estão começando a se espalhar para outras áreas.

O antes e depois do terreno onde fica a fazenda de Sebastião Salgado e Lélia Wanick Salgado: o casal comandou o reflorestamento da região trazendo de volta à região insetos, aves e mamíferos – incluindo onças-pintadas, que já foram vistas no local.
NatGeo – O que ainda está por vir?
SS – Criamos um projeto para todo o Vale do Rio Doce. O vale foi batizado com o nome do rio que o atravessa, o Rio Doce. Quando eu era criança, ele era grande, cheio de jacarés; hoje, resta muito pouca água. Estamos reabilitando toda a bacia hidrográfica – cada pequeno riacho que alimenta o rio e 370 mil nascentes.
Para reabilitar uma fonte de água, é preciso plantar, em média, 500 árvores em um hectare de terra. Até o momento, já plantamos cerca de 2.100 dessas pequenas florestas e acabamos de receber financiamento para plantar mais 4.200 em 3.000 fazendas diferentes.
NatGeo – Como sua relação com a natureza mudou?
SS – Quando voltei para a fazenda, voltei às minhas origens. Eu a conheço como conheço as linhas da palma da minha mão; são cerca de 600 hectares na cidade mineira de Aimorés, mas conheço cada ângulo, cada pedra. Eu a conheci quando era uma floresta, e estou vendo-a como uma floresta novamente. Hoje, percebo que estou fechando um círculo, e esse círculo é a minha vida.
No momento, sempre que Lélia e eu visitamos o local, ficamos no centro de treinamento, mas estamos construindo uma casa lá porque é onde queremos terminar nossos dias. Você não pode imaginar como isso me deixa feliz.
*Com colaboração da reportagem local de National Geographic Brasil por ocasião da morte de Sebastião Salgado.
