
Abolição da Escravatura no Brasil: os 3 fatos essenciais que levaram ao fim da escravidão
Escravizados trabalhando em uma fazenda de café brasileira em 1882.
No dia 13 de maio de 1888, pressionada por movimentos abolicionistas e revoltas internas, além de exigências de países estrangeiros com interesses mercantilistas no país (como a Inglaterra), a Princesa Isabel (que na ocasião era a princesa regente), sancionou a Lei Áurea para a Abolição da Escravatura no Brasil.
As razões que a levaram tomar tal decisão foram várias e o processo que culminou no fim oficial da escravidão foi muito longo. A demora para a abolição foi tanta, que “o Brasil é o último país do Ocidente a ter abolido a escravidão”, como disse a historiadora e membro imortal da Academia Brasileira de Letras, Lilia Schwarcz, no livro “Dicionário da Escravidão e Liberdade” (2018) – em que é coautora com Flávio dos Santos Gomes.
Por ocasião da data, National Geographic Brasil apresenta como foi esse longo processo de questões políticas e comerciais que culminaram na tão tardia Abolição da Escravatura por meio de uma lei oficial, há 137 anos.
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Princesa Isabel - filha do Imperador D. Pedro 2º e responsável por assinar a lei que finalizou o longo processo de abolição da escravidão no Brasil.
Acima, a Lei Áurea (Lei Imperial nº. 3353) que foi assinada somente em 13 de maio de 1888, pela então princesa regente Isabel e oficializou tardiamente o fim da escravidão, mas não determinou nenhuma reparação aos escravizados.
Por que o processo para o fim da escravidão no Brasil foi tão longo?
Chegar até a Lei Áurea (oficialmente Lei Imperial nº. 3353) foi um processo histórico gradual e conflituoso. A abolição não foi apenas um ato isolado da Princesa Isabel, mas resultado de pressões internas e externas, incluindo ações dos escravizados, mobilização abolicionista e mudanças econômicas, como afirma o artigo artigo "A Batalha da Abolição", publicado na “Revista Pesquisa Fapesp” (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
A Abolição da Escravatura está até hoje muito vinculada à imagem da Princesa Isabel, que assinou a Lei Áurea em “uma manobra da família real que visava preservar a monarquia em tempos de crise, legitimando um possível futuro reinado de Isabel em um momento em que a escravidão perdia legitimidade na sociedade brasileira”, explica Marcelo Ferraro, professor e doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), em uma entrevista sobre o tema no site da universidade.
Porém, “a estratégia da princesa fracassou politicamente com a Proclamação da República já no ano seguinte, mas foi bem sucedida na construção da memória nacional”, afirma Ferraro. O papel de diferentes atores e razões nesse processo é muito maior que o ato final da princesa, como relatado no texto da Fapesp – que destaca cada um desses fatores.

No quadro do pintor francês Jean-Baptiste Debret, mulheres escravizadas no Brasil são retratadas vendendo comida na rua.
1. Papel dos escravizados na abolição
Desde os primórdios da escravidão, os escravizados lutaram por sua liberdade por meio de fugas e revoltas que, de alguma forma, pressionaram o sistema escravista.
Em outro texto publicado no site da USP, o professor Flávio dos Santos Gomes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diz que as duas rebeliões de escravizados mais conhecidas: a do Quilombo dos Palmares (Alagoas) e a Revolta do Malês, em Salvador (Bahia) não tiveram relação direta com a abolição.
Segundo o professor Gomes, os quilombos não tinham o caráter de libertação, mas sim de acomodação dos fugidos. Em algumas situações, os quilombolas foram os protagonistas de ações de enfrentamento da escravidão. Gomes citou a Revolta de Viana, em 1867, no Maranhão, na qual um grande grupo de escravizados fugidos de diversos quilombos foram até a sede da cidade de Viana para entregar um tratado pedindo liberdade.
A professora e escritora Lilia Schwarcz, em entrevista à BBC Brasil na época do lançamento do livro acima citado, complementou dizendo: “É importante destacar a atuação dos negros escravizados e dos libertos, que pressionaram o tempo todo, seja por insurreições, por rebeliões coletivas, rebeliões individuais e até envenenamentos.”
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Escravizados trabalhando na plantação de café em uma fazenda em 1882, no Vale do Paraíba (São Paulo), forte região cafeeira do Brasil na época.
2. Movimento abolicionista no mundo e no Brasil
O movimento abolicionista do mundo conquistou seus resultados no século 19, em meio ao processo de consolidação de uma nova divisão do trabalho pós-Revolução Industrial. Muitos países entram no processo de abolir a escravidão definitivamente.
Porém, no Brasil e nos Estados Unidos as mudanças não foram imediatas, como afirmou o professor Marcelo Ferraro no site da USP. “Esses países até expandiram suas produções escravistas no período, atendendo às demandas do mercado mundial por algodão e café”.
Com as pressões de países com interesses mercantis e econômicos no Brasil, como a Grã-Bretanha, o movimento abolicionista ganhou força. “Nesse sentido, o abolicionismo ganhava corpo tanto pela militância sincera de movimentos e associações quanto por seu valor retórico nas relações internacionais”, disse Ferraro.
Havia setores econômicos no Brasil (como os cafeicultores do Vale do Paraíba) que resistiam à abolição por querer manter a mão de obra escrava. Já outros grupos, especialmente em regiões urbanas, defendiam o fim da escravidão por questões morais, econômicas e ainda, pela imagem do país internacionalmente.
“A abolição foi um processo de luta da sociedade brasileira. Não foi só uma lei de ‘presente da princesa (Isabel)’. Muitos setores de classe média e de profissionais liberais aderiram à causa abolicionista, que vira suprapartidária na década de 1880”, afirmou Schwarcz.
“A abolição foi um processo de luta da sociedade brasileira. Não foi só uma lei de ‘presente da princesa (Isabel)’”
3. O passo a passo da Abolição da Escravatura no Brasil: muitas leis e um processo que se arrastou
Segundo o site do Ministério da Gestão e Inovação do Governo Federal, o tráfico de pessoas escravizadas da África para o Brasil foi responsável por movimentar 40% do comércio de seres humanos no mundo, utilizados, majoritariamente, como mão de obra na agricultura de exportação e na exploração de metais por mais de 300 anos.
No final do século 18, as campanhas para a proibição do tráfico cresceram na Europa e, em 1807, foi aprovado na Inglaterra o Ato contra o Comércio de Escravos, que proibiu o comércio de pessoas no Império Britânico. Depois disso, iniciou-se um movimento para a abolição do tráfico internacional que refletiu, por exemplo, em tratados diplomáticos entre Inglaterra e Portugal, como conta o texto governamental.
Só que com a Independência do Brasil em 1822, esses acordos perderam a validade. Por conta disso, a Inglaterra condicionou o reconhecimento do novo país à proibição da importação de escravizados para o Brasil e então o novo governo imperial se comprometeu a extinguir a escravidão – porém, não o fez em décadas.
Como o Brasil não cumpria suas promessas em relação ao fim da escravidão, o governo inglês instituiu a lei Bill Aberdeen em 1845, que autorizou a apreensão de embarcações que praticassem tráfico de escravizados. Essa medida influenciou o governo brasileiro a promulgar, em 4 de setembro de 1850, a Lei Eusébio de Queirós – que também proibia o tráfico de escravizados por meio de navios.
De acordo com o artigo do Ministério, na década seguinte a questão abolicionista ganhou um novo impulso com a extinção da escravidão nos Estados Unidos. Porém, só em 1871 foi promulgada a Lei do Ventre Livre, que determinou a liberdade dos filhos de mulheres escravizadas que nascessem no Império. Essa lei também regulamentou a alforria, uma liberdade dada ou vendida.

O governo Imperial queria exaltar a Abolição da Escravatura e melhorar sua imagem junto à sociedade brasileira da época, como se vê nesse cartaz de propaganda (hoje do acervo do Arquivo Nacional do Brasil), feito em 1888 por uma fábrica de tecidos.
Só em 1885 veio a Lei dos Sexagenários, que determinava a libertação dos escravizados com mais de 60 anos. Só que as críticas à escravidão continuaram, sobretudo, após as eleições de 1886. No início de maio de 1888, a Assembleia Geral iniciou as discussões sobre o fim da escravidão e seu impacto político, com a presença da princesa regente Isabel, que governava o país quando D. Pedro 2º estava ausente viajando.
Após decidirem que este era o passo a ser dado para manter o Império, venceu a proposta de André Rebouças, um engenheiro abolicionista. Em 13 de maio de 1888 a Princesa Isabel assinava a Lei Áurea, que extinguiu a escravidão no Brasil, mas não regulou os caminhos a serem seguidos após a liberdade. “Os ex-escravizados ficaram largados à própria sorte, sem uma política agrária, trabalhista ou educacional que os incluísse na sociedade”, afirma o texto do Ministério.
O professor Ferraro também comentou no artigo da USP como a abolição tardia refletiu na sociedade brasileira até os dias atuais. ‘Deixados sem nenhuma reparação, alguns libertos se submeteram a formas de trabalho semelhantes a de cativeiro para sobreviver no campo, enquanto outros foram para as cidades, formando comunidades periféricas”.
