Isso é uma pizza antiga? Saiba o que as pessoas comiam em Pompeia

As iguarias consumidas há séculos foram preservadas em cinzas do Monte Vesúvio, tornando Pompeia um local único no mundo da arqueologia.

Por Christina Sterbenz
Publicado 1 de ago. de 2023, 10:04 BRT
Esse afresco descoberto em Pompeia pode parecer uma pizza de 2000 anos, mas os arqueólogos dizem ...

Esse afresco descoberto em Pompeia pode parecer uma pizza de 2000 anos, mas os arqueólogos dizem que não – os tomates não eram cultivados na Itália naquela época. Ainda assim, as escavações da cidade preservada em cinzas vulcânicas produziram percepções fascinantes sobre o que os pompeianos realmente comiam.

Foto de Abaca Press Alamy

Quando os arqueólogos de Pompeia descobriram, em junho deste ano, um afresco de quase 2000 anos do que está sendo chamado de "proto-pizza", as pessoas quase perderam a cabeça. Embora o pedaço de pão achatado pudesse ter carnes, legumes ou frutas por cima, faltava o elemento definidor de uma pizza: o tomate.

A fruta saborosa não chegaria à Europa até o século 16, muito depois de o Monte Vesúvio ter entrado em erupção e dizimado as antigas cidades romanas de Pompeia e Herculano, em 79 d.C. A pizza como a conhecemos não seria inventada em Nápoles até o século 17.

Embora os moradores de Pompeia não comessem pizza, os arqueólogos e historiadores descobriram muito do que eles comiam, incluindo condimentos ricos em umami, arganazes recheados e um ancestral da lasanha.

Essas descobertas são parte do que torna Pompeia um sítio arqueológico tão único e importante. Embora se estime que a erupção do Vesúvio tenha sido 100 000 vezes mais poderosa do que as bombas atômicas lançadas sobre o Japão durante a Segunda Guerra Mundial, a cidade não foi queimada pela lava e destruída. Em vez disso, uma nuvem gigante de gás escaldante e cinzas a envolveu quase que imediatamente, carbonizando e preservando grande parte da matéria orgânica, inclusive alimentos, de acordo com Alessando Russo, arqueólogo do Pompeii Archaeological Park.

Os moradores da cidade também não tiveram tempo de evacuar e morreram repentinamente, em 15 minutos, de acordo com um estudo. Expressões faciais são até mesmo visíveis em alguns dos corpos que foram desenterrados. Mas suas mortes repentinas significam que os arqueólogos puderam aprender mais sobre suas tarefas cotidianas, como cozinhar e comer. Em 1930, por exemplo, um pão perfeitamente preservado, com um entalhe feito com alguma lâmina ou barbante para quebrar mais facilmente, foi encontrado em um forno em Herculano.

"Por essas razões, Pompeia é um unicórnio no mundo da arqueologia", diz Russo.

O amor de Pompeia pelo umami

Um dos alimentos mais populares de Pompeia foi um dos primeiros ancestrais de um sabor muito apreciado: o umami. A palavra japonesa, que se refere ao quinto sabor rico e saboroso, manifestou-se em um molho ou condimento à base de peixe chamado garum em Pompeia.

É salgado e um pouco picante, e os pompeianos, ricos e pobres, colocavam-no em tudo – como um "ketchup antigo", compara a arqueobotânica Chiara Comegna. Ela trabalha para a Ales, uma empresa do Ministério da Cultura da Itália dedicada à conversação do patrimônio cultural do país.

Em termos de sabor, no entanto, o garum é semelhante ao molho de peixe tailandês ou vietnamita, de acordo com o Pompeii Food and Drink Project, uma coalizão de historiadores, arqueólogos, engenheiros e voluntários que ajudou a desenterrar e estudar, de 2001 a 2019, a comida da cidade.

"Imagine se sua dieta, especialmente se você fosse uma pessoa pobre, fosse apenas grãos todos os dias. O que você faria para apimentar essa refeição e melhorar o conteúdo nutricional?", questiona Benedict Lowe, professor de história da Universidade do Norte do Alabama, EUA, que participou do Projeto de Alimentos e Bebidas de Pompeia. "Você adiciona garum. É picante, pungente. Mas é rico em proteínas."

O garum produzido em Pompeia era notável por sua qualidade. Para produzi-lo, as pessoas fermentavam peixes – uma espécie de anchova também conhecida como bogue – em sal e, às vezes, outros temperos por até três meses. À medida que a carne se decompõe, os ossos afundam, deixando um líquido, o garum, na parte superior.

"Quando [os tanques de garum] foram escavados, ainda era possível sentir o aroma", diz Lowe, que analisou a composição química do molho com um colega em 2009 e descobriu sua semelhança com o umami. "Tenho uma amostra dele. Toda vez que a abro, o cômodo fica fedido porque o aroma pungente dessa anchova salgada é horrível."

Delícias de Pompeia

Evidências do que os pompeianos comiam foram descobertas carbonizadas, mas as receitas, escritas em papiro e traduzidas por monges na Idade Média, também oferecem pistas, de acordo com Comegna. Uma receita detalhava o que Comegna chamou de "ancestral da lasanha".

"Sem tomates, apenas com carne e queijo ricota, e camadas de massa", disse Comegna. "Lasanha é o nome moderno, embora a ideia seja exatamente a mesma."

Outro prato – principalmente uma iguaria para os ricos – era o arganaz recheado, um ancestral maior e mais carnudo dos camundongos modernos. Os arganazes vivos eram colocados em um glirarium, um pote de cerâmica com tampa e perfurações que permitiam que eles respirassem. Normalmente, o pote era cheio de nozes para que eles pudessem comer, engordar e depois serem cozidos.

"De acordo com o livro de receitas escrito por Apicius, os arganazes eram recheados com carne de porco, pimenta, pinhões e molho de peixe", descreve Lowe.

Apesar da evidência literária de que as classes mais altas comiam flamingos, nenhuma descoberta ainda comprovou isso, pondera Lowe. Ele também adverte que não se deve levar a literatura do período ao pé da letra, pois ela foi escrita principalmente por senadores e outros membros da classe alta, que tinham interesse em retratar sua sociedade da forma mais positiva possível.

Em 2005, pesquisadores do sítio arqueológico recriaram muitas das receitas da antiga Pompeia e replantaram algumas das frutas e vegetais que os moradores comiam, como figos, azeitonas, ameixas e uvas. (Os pompeianos também comercializavam tâmaras com o norte da África.) Os visitantes do parque podiam saborear pratos como savillum, uma sobremesa favorita semelhante a um cheesecake ou creme de leite, pêssegos com mel e presunto.

Além do consumo de garum, a dieta dos pompeianos girava muito em torno de peixes. Em um esgoto em Herculano, foram encontradas 43 espécies de espinhas de peixe, de acordo com Lowe. Os moradores também obtinham suas proteínas de ovelhas, frango, lentilhas e feijões, cita Comegna. Cereais, como aveia e cevada, também eram comuns.

Sabores de Pompeia

A maioria dos alimentos em Pompeia era insípida. Os antigos romanos tinham sal em abundância, mas não muitos outros sabores. Por isso, faziam comércio com a Índia para obter especiarias como cinábrio e pimenta. De fato, os romanos gastavam tanto dinheiro em especiarias que os indianos usaram a moeda romana como sua própria moeda por um tempo, detalha Lowe.

Mas somente os ricos podiam comprar especiarias. As casas dos extremamente ricos tinham até mesmo lagos de água salgada ao lado de suas salas de jantar, onde eles estocavam com peixes para pescar logo antes da refeição, de acordo com Lowe. Ele ressalta que Sêneca, um importante filósofo estoico da época, escreveu com certo sarcasmo que um romano não consideraria um peixe fresco a menos que o matassem em seu prato.

De acordo com Comegna, o povo de Pompeia também aromatizava seu vinho e mudava sua cor, usando favas. Em uma Thermopolia (bar de vinhos ou lanches) notavelmente bem preservada, desenterrada em 2020, foram encontradas favas no fundo de jarras de vinho.

Como e onde os pompeianos comiam

As barracas Thermopolia eram essencialmente as lanchonetes de fast-food de antigamente. Pompeia tem aproximadamente 80 desses locais, onde os residentes, principalmente trabalhadores, faziam um pequeno almoço quente ou compravam mantimentos para o jantar, diz Lowe.

Além de vinho, há evidências de que eles serviam caracóis, patos, porcos, cabras e peixes, em recipientes embutidos no balcão.

Como não foram encontrados utensílios de cozinha em Pompeia, Lowe diz que suas refeições provavelmente consistiam em petiscos. As pequenas porções também eram mais convenientes, pois os pompeianos comiam deitados em sofás de jantar, que foram encontrados em várias casas da cidade. No entanto, os pompeianos tinham alguns utensílios de serviço impressionantes, como tigelas complexas feitas de terracota e jarros de vidro colorido.

Ninguém tomava café da manhã, com exceção de um imperador glutão ocasional, e o almoço era geralmente escasso. Os pompeianos, especialmente os ricos, guardavam todo o seu espaço para o jantar. As mulheres faziam uma refeição noturna modesta com suas famílias. Mas os homens, especialmente os ricos, realizavam jantares ostensivos, que começavam por volta das três ou quatro da tarde e às vezes duravam até as primeiras horas da manhã.

"Se você estivesse tentando ser moralmente correto, a festa terminava ao anoitecer ou no início da noite", cita Lowe. "Você comia uns 10 pratos, até passar mal. Você vomitava e depois continuava comendo."

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