Descoberta medieval revela história oculta sobre a Peste Negra em escavação na Torre de Londres
A recente escavação feita em 2025 pode ter trazido à tona algumas das primeiras vítimas da Peste Negra, bem como mais pistas intrigantes sobre a vida medieval quando Londres ainda era uma cidadela.

A maior escavação realizada na Torre de Londres em uma geração revelou a história medieval da cidadela. Entre as descobertas estava uma vala comum datada do século 14 que pode ter sido o local de descanso final de algumas das primeiras vítimas da Peste Negra.
A Torre de Londres se ergue sobre o rio Tâmisa desde a década de 1070, testemunhando tudo – desde execuções a rebeliões e pragas. Ela foi o lar de muitas das figuras mais infames da Grã-Bretanha, algumas das quais estavam condenadas a nunca sair para fora de suas paredes.
A Torre também é o local de alguns dos mistérios mais duradouros da história, incluindo o desaparecimento de dois jovens príncipes da dinastia Plantageneta (também conhecida como dinastia Angevina) e cujos destinos permanecem desconhecidos até hoje.
Mas, apesar de todas as vidas que terminaram brutalmente na Torre, por quase mil anos seus arredores estiveram repletos de pessoas, incluindo muitos residentes permanentes, incluindo guardas, funcionários e suas famílias.
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A Capela Real de São Pedro ad Vincula na Torre de Londres. O edifício atual foi encomendado por Henrique 8º, mas está assentado sobre fundações muito mais antigas.
O que as recentes escavações na Torre de Londres começam a revelar
Até recentemente, a vida medieval dos residentes da Torre — e a história mais antiga do próprio monumento — era um mistério, sem detalhes ricos e conhecimento mais íntimo. No entanto, uma escavação arqueológica recentemente concluída — supervisionada pela Historic Royal Palaces, a organização que administra a Torre — está lançando uma nova luz sobre como seus residentes medievais viviam e morriam.
“É a maior escavação realizada dentro do pátio interno da Torre em pelo menos 40 anos, e a maior escavação em geral em pelo menos 20 ou 30 anos”, diz Alfred Hawkins, curador de edifícios históricos da Torre de Londres, que liderou a escavação. A escavação concentrou-se na Capela Real de São Pedro ad Vincula (que no latim significaria “São Pedro acorrentado”), uma igreja paroquial para os residentes trabalhadores da Torre.
Embora mais conhecida como o local de descanso final de Ana Bolena (segunda esposa do rei Henrique 8º e rainha Consorte do Reino da Inglaterra até 1536), Catarina Howard (quinta esposa de Henrique 8º e rainha consorte da Inglaterra 1541) e Sir Thomas More (filósofo, estadista, diplomata, escritor, advogado e humanista inglês) – todos executados por traição pelo rei Tudor – a capela é muito anterior a essa história sangrenta.
A estrutura atual, encomendada por Henrique 8º e concluída em 1520, faz parte de uma linha do tempo muito mais antiga e contínua: “Ela tem esse incrível legado que remonta talvez ao século 9, mas com toda a certeza desde o século 12, de capelas que existiram nesse local”, diz Hawkins. Ele acrescenta que a “continuidade” da capela “pode ser mais longa do que a própria Torre Branca”.
As descobertas da escavação, que atualmente estão passando por testes adicionais na Universidade de Cardiff, no País de Gales, estão desvendando os segredos mais antigos da Torre, oferecendo uma visão mais completa de como os londrinos medievais vivenciavam o castelo e dando indícios sobre residentes ricos que podem ter frequentado a Capela Real de São Pedro ad Vincula, além de rituais funerários medievais e vítimas da peste enterradas às pressas nas profundezas do terreno da Torre.
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Uma representação da Torre de Londres e de sua torre de menagem, a Torre Branca, feita no final do século 15. A Torre Branca foi encomendada por Guilherme, o Conquistador, logo após sua vitória na Batalha de Hastings.
Testes científicos revelam como era a vida medieval na Torre
Os registros históricos são fontes ricas de informação sobre a Londres medieval, a Torre e seus residentes, mas a arqueologia pode preencher lacunas importantes. “Sabemos sobre o comércio em Londres, mas isso não nos diz necessariamente o que as pessoas comiam individualmente, ou como a dieta poderia variar de acordo com o status social”, diz French.
“A história humana guardada nos ossos é algo que há muito tempo está faltando na história da Torre, porque muito pouco foi recuperado e muito pouco foi analisado”, diz Richard Madgwick, cientista arqueológico da Universidade de Cardiff e membro da equipe que analisa os restos mortais. “Eles nos dão um nível de resolução bastante individual em termos de onde essas pessoas vieram, o que consumiam e também seu estado de saúde no passado.”
O projeto começou com uma vala de teste, escavada em 2019 para avaliar o local. A equipe recuperou os restos mortais de dois indivíduos, que foram transferidos para a Universidade de Cardiff, onde os pesquisadores usaram uma combinação de métodos, incluindo análise macroscópica dos ossos para revelar informações como idade, sexo, doenças e saúde, bem como análise de isótopos, para aprender mais.
“Outros edifícios da Torre serviram a diversos propósitos: armazéns, prisões, residências e até mesmo uma casa de elefantes. Mas a capela sempre foi uma capela.”
“A análise de isótopos envolve ciência complexa, mas os princípios por trás dela são realmente muito simples”, disse Madgwick: “Você é o que você come, você é onde você come e, até certo ponto, você também é como você come”. Alimentos e bebidas deixam sinais químicos em tudo, desde o cabelo humano até os dentes e ossos. Paisagens diferentes também têm composições químicas diferentes; Londres, por exemplo, tem certas variações de enxofre e estrôncio. Isso permite que os arqueólogos construam uma imagem de onde exatamente um londrino medieval pode ter vivido e o que comia.
A equipe de Cardiff descobriu que um dos indivíduos escavados era uma mulher de meia-idade, que morreu entre 1480 e 1550. Ela provavelmente era abastada, pois foi enterrada em um caixão e tinha uma dieta rica que incluía açúcar, um ingrediente raro e caro. Os sinais químicos em seus dentes indicam que ela não era originalmente de Londres e provavelmente se mudou para pelo menos dois lugares diferentes — potencialmente a Península Sudoeste, Cornualha e Devon, ou mesmo o País de Gales.
O segundo indivíduo era um homem mais jovem, da mesma época e aproximadamente na idade de aprendizagem, possivelmente do norte, mas de algum lugar mais próximo de Londres, como Kent. Os pesquisadores encontraram evidências de estresse significativo na infância; sua dieta não era tão rica e ele provavelmente foi enterrado em um sudário. Em conjunto, as descobertas sugerem a diversidade de experiências de vida na Torre. (Não há sinais de que nenhum dos dois tenha morrido de forma violenta; muito provavelmente, eles eram paroquianos.)

Vista interna da Capela Real de São Pedro ad Vincula. Embora mais conhecida como o local de descanso final de Ana Bolena, Catarina Howard e Sir Thomas More, ela tem uma longa história que remonta ao século 9.
As pistas intrigantes sobre a Peste Negra na Torre de Londres
A escavação experimental de 2019 apenas arranhou a superfície. A equipe de Cardiff irá agora realizar os mesmos tipos de exames nos restos mortais da escavação mais recente. “No momento, temos essas duas biografias encantadoras”, diz Madgwick. “Elas sugerem o movimento dinâmico das pessoas e as trajetórias de vida de quem foi enterrado na Torre, mas será realmente emocionante ver se escolhemos duas anomalias ou se veremos uma gama mais ampla de modos de vida de quem foi enterrado aqui.”
Um mistério que os pesquisadores esperam desvendar é de onde vieram os trabalhadores da Torre. “É uma daquelas grandes questões: a comunidade da Torre de Londres é uma comunidade ou é uma espécie de coleção transitória de pessoas que vêm daqui, dali e de todos os lugares?”, pergunta Hawkins.
A composição da comunidade da Torre torna este projeto particularmente interessante porque os pesquisadores estão analisando essencialmente uma comunidade de classe média, de acordo com Katie Faillace, antropóloga dentária e bioarqueóloga, que faz parte da equipe de Cardiff. Embora vários indivíduos tenham sido enterrados em caixões, “a maioria das pessoas enterradas aqui não pertencem à elite. Estamos analisando essa classe média que não costumamos encontrar em escavações arqueológicas”.
A análise da dentina também revelará informações sobre como e quando as crianças da época foram desmamadas. A escavação inclui restos mortais de pessoas bem mais jovens, refletindo a brutal taxa de mortalidade infantil da época e oferecendo uma visão incomum da vida familiar medieval na Torre.
“Uma das descobertas mais intrigantes entre os túmulos mais profundos (e mais antigos) foi um par de incensários funerários que datam de entre 1150 e 1250. ”
Outra informação que esta profunda análise poderá nos revelar é se algumas dessas pessoas morreram devido à Peste Negra, que assolou Londres a partir de 1348. “Temos uma coleção de sete sepulturas do meio do século 14 que parecem ter sido feitas às pressas”, diz Hawkins.
Se os testes de DNA encontrarem vestígios da bactéria Yersinia pestis (a responsável pela doença), essas sepulturas se tornarão particularmente interessantes. Isso porque os londrinos medievais rapidamente perceberam que os mortos pela peste precisavam de tratamento especial, e as autoridades criaram cemitérios de emergência especificamente para lidar com as vítimas, dois dos quais ficavam próximos à Torre.
As pessoas enterradas na capela de São Pedro, em vez de “cemitérios da peste”, são intrigantes para os pesquisadores, pois podem ser algumas das primeiras vítimas da Peste Negra. Se for esse o caso, a descoberta pode fornecer um vislumbre de como era a vida durante o início da epidemia, provavelmente confusa.
Os restos mortais da escavação de 2025 estão sendo transferidos para a Universidade de Cardiff para mais testes nos próximos meses. E os corpos serão, eventualmente, enterrados outra vez na cripta da capela de São Pedro.
“Na verdade, não é um buraco muito grande no chão, não é?”, diz Madgwick. “Mas o potencial transformador não apenas para compreender as pessoas e as atividades da Torre, mas também a tecnologia, o comércio, a conectividade em toda a Inglaterra e talvez além, é simplesmente emocionante.”

A fundação da capela remonta ao reinado de Eduardo 1º, que foi o rei da Inglaterra entre 1272 e 1306. A capela da Torre é invulgar porque, ao contrário de outros edifícios da fortaleza, sempre foi utilizada como local de culto.
Os 22 corpos descobertos na mais recente escavação histórica da Torre
Os historiadores sabem que a estrutura pedida pelos Tudor substituiu uma capela construída no século 13 que foi destruída por um incêndio na década de 1510. Mas essa capela medieval não foi a primeira; ela provavelmente substituiu uma anterior, e talvez até mesmo várias outras. “Durante o trabalho, descobrimos potencialmente quatro edifícios medievais de alto status, provavelmente as capelas anteriores que foram erguidas umas sobre as outras”, diz Hawkins.
Embora fosse de conhecimento geral que havia sepulturas na capela real de São Pedro ad Vincula que datavam de séculos atrás, o local nunca havia sido escavado até agora, motivado pela necessidade de adicionar um elevador ao edifício, tornando o local histórico mais acessível.
A nova escavação teve cerca de 3 metros de profundidade, abrangendo cerca de 60 metros quadrados de entulho (termo arqueológico para o material que sai de uma escavação), em um local onde é raro escavar a mais de 30 centímetros de profundidade. Efetivamente, os arqueólogos escavaram até o início do século 18. “Esta é uma oportunidade muito, muito rara de obter essas informações”, diz Hawkins.
Os arqueólogos, diz Hawkins, “encontraram elementos relacionados com quase todos os aspectos da vida humana”, desde peças de joalharia a fragmentos de vitrais e até fragmentos de mortalhas funerárias excepcionalmente raras. Os tecidos são delicados e difíceis de preservar, mesmo que seja feito deliberadamente; normalmente, eles só sobrevivem em condições anaeróbicas. Parece que eles tiveram sorte na forma como as peças ficaram na argila: “Eles não tinham como sobreviver onde estavam”, diz Hawkins. Exames mais aprofundados dirão mais sobre a trama e a composição do tecido, aprofundando nossa compreensão das práticas funerárias da época.
Os arqueólogos também encontraram “22 indivíduos articulados e uma quantidade significativa de ossos”, segundo Hawkins, datados do século 13 ao século 16. As pistas sugerem que muitas dessas pessoas eram de status elevado: a maioria parece ter sido enterradas em caixões, em vez de mortalhas, que eram mais comuns, e parece que os enterros mais profundos estavam originalmente dentro de uma versão mais antiga da capela, o que também sugere importância social.
“Normalmente, se você é enterrado mais perto da igreja, você é mais importante, e se você é enterrado dentro da igreja, você é muito, muito mais importante, e se você é enterrado sob o altar, você é a pessoa mais importante”, explica Hawkins.
Talvez uma das descobertas mais intrigantes tenha sido entre os túmulos mais profundos e, portanto, mais antigos: um par de incensários funerários que provavelmente datam de algum momento entre 1150 e 1250.
Tal descoberta é excepcionalmente rara: “Objetos funerários na Inglaterra medieval não são realmente comuns”, diz Hawkins. Eles simplesmente não eram uma prática cultural comum na época, e objetos semelhantes só foram identificados duas vezes no país, em Oxford e na Escócia.
A descoberta sugere que o indivíduo pode ter vindo do norte da França ou da Dinamarca, onde os objetos funerários eram uma prática comum. Se os fragmentos de carvão nos potes de incenso forem grandes o suficiente, a Historic Royal Palaces poderá contratar um arqueobotânico, especialista em restos de plantas antigas, para reconstruir o incenso.
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Um par de incensários funerários que datam provavelmente de algum momento entre 1150 e 1250 e um enterro posterior a 1240. Os incensários foram um achado particularmente significativo, uma vez que os objetos funerários eram raros no Reino Unido.
Perseguições e prisioneiros célebres: a história medieval da Torre de Londres
A Torre de Londres que os visitantes veem hoje é um pouco enganadora: “Parece muito limpa e organizada, mas isso é principalmente resultado da reapresentação vitoriana do local”, diz Hawkins. O desenvolvimento da Torre foi orgânico: os edifícios e o espaço se expandiram e evoluíram ao longo do tempo, transformando-se para servir a novos usos de geração em geração.
O coração da atual Torre de Londres — a agora icônica Torre Branca — foi encomendado por Guilherme, o Conquistador, logo após sua histórica vitória em 1066, como parte de seus esforços para solidificar rapidamente o controle normando sobre a Inglaterra.
A partir daí, as adições começaram quase imediatamente: muralhas, torres, uma residência real bem equipada. A construção se tornou uma marca registrada do horizonte de Londres. Considere que a maioria das casas na Londres medieval tinha aproximadamente três andares, enquanto a Torre ficava em uma elevação, ligeiramente afastada da cidade, cercada por muralhas e um fosso, defendida e de difícil acesso. “É definitivamente uma grande presença”, explica Katherine French, professora de história medieval inglesa da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, que não esteve envolvida na escavação.
O castelo era um símbolo do poder real absoluto — e sua localização estratégica e arquitetura impenetrável o tornavam um local ideal para um rei se refugiar em tempos de turbulência, como a Revolta Camponesa de 1381, quando Ricardo 2º fugiu para a Torre em busca de proteção. Isso salvou Ricardo, mas não seu odiado Lorde Chanceler, que foi arrastado para a vizinha Tower Hill e decapitado. Mas também serviu como prisão para pessoas de alto status, incluindo o rei Henrique 6º, do século 15, que acabou morrendo na Torre em circunstâncias suspeitas.
Mas, além dos momentos de grande drama e turbulência sangrenta, a Torre de Londres também foi um centro administrativo para toda a Inglaterra, abrigando a Casa da Moeda Real e produzindo todas as moedas do país durante séculos. A Torre, diz Hawkins, é “bastante fria, bastante empoeirada, não é muito bem organizada. Por isso, sempre foi útil para administração e armazenamento, com os palácios reais propriamente ditos localizados em Westminster, Greenwich e vários outros lugares”.
Houve um local de culto onde foi feita a igreja de São Pedro ao longo dessa história tumultuada, o que o torna esta parte do edifício particularmente especial: “Fundamentalmente, sempre foi apenas uma coisa”, diz Hawkins, referindo-se à vocação religiosa desta parte da Torre.
Outros edifícios da Torre serviram a diversos propósitos, desde armazéns a prisões, residências e até mesmo uma casa de elefantes. Mas a capela sempre foi uma capela. “Parece que ela serviu principalmente como igreja paroquial da fortaleza”, diz Hawkins. “Como a religião era tão importante para as pessoas, ao observar esse edifício, é possível ver as histórias de cada elemento diferente do local.”
