
Quem foi o imperador romano que morreu de tanto comer queijo?
O imperador Nero contempla o "Grande Incêndio de Roma" no ano 64. Ilustração de Tancredi Scarpelli (1866-1937) retirada de “Storia d'Italia”, de Paolo Giudici, 1930. Nero é um dos polêmicos governantes que ascendeu e decaiu na história romana.
O Império Romano evoca imagens de poder militar, lutas de gladiadores e feitos de engenharia, mas para os homens que governavam, a vida era complicada e repleta de riscos.
Júlio César, cuja tomada do poder lançou as bases para a ascensão do primeiro imperador Augusto, não foi o único aspirante a tirano a morrer violentamente. Alguns imperadores governaram por somente semanas, enquanto outros tiveram fins trágicos nas mãos de guarda-costas e familiares de confiança.
Para aqueles que sobreviveram, seu status imperial lhes deu a oportunidade de satisfazer seus caprichos e exibir seu poder — e suas obsessões eram muitas vezes realmente estranhas. Desde exilar seus próprios filhos até introduzir um imposto sobre a urina, os imperadores de Roma aproveitaram ao máximo seu controle irrestrito.
Aqui estão alguns dos projetos mais ambiciosos, bizarros e egocêntricos que eles empreenderam — e algumas das maneiras mais desconfortáveis como estes imperadores romanos terminaram seus reinados.
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O imperador Augusto repudia Júlia após ela ter sido presa e considerada culpada de adultério por volta de 2 a.C. Gravura de “Storia di Roma”.
Augusto, o imperador que baniu a própria filha
Em 18 a.C., o imperador Augusto aprovou um conjunto abrangente de reformas morais conhecidas como Leis Julianas, que buscavam reviver a virtude romana tradicional, recompensando o casamento e punindo o adultério.
Pela primeira vez na história romana, a infidelidade tornou-se um crime público, em vez de um escândalo privado — um crime que acarretava penas de exílio e confisco de bens.
As leis tinham como objetivo modelar a disciplina cívica, mas sua vítima mais famosa foi a própria filha de Augusto, Júlia, cuja vida social glamorosa e notoriamente desenfreada logo se tornou um constrangimento público.
Escritores antigos como Suetônio, Cássio Dião e Veleio Patérculo relatam que, quando Júlia foi considerada culpada de adultério, seu pai a exilou na desolada ilha de Pandateria (atual Ventotene, na Itália). E de acordo com Suetônio, ela permaneceu lá por cinco anos antes que Augusto permitisse que retornasse ao continente.
No entanto, o imperador nunca chamou Júlia de volta do exílio e se sentia humilhado por seu comportamento. Quando uma das confidentes de Júlia, uma ex-escrava chamada Phoebe, se enforcou na mesma época, Augusto teria comentado: “Eu preferiria ter sido o pai de Phoebe”.
Mesmo que Júlia tenha sido a mais severamente tratada, o desejo de Augusto de controlar e moldar os membros de sua família não parou por aí. De acordo com Suetônio, que escreveu sua biografia dos doze Césares cerca de um século após a morte de Augusto, o imperador tinha um estilo de caligrafia muito particular.
Era tão distinto que Augusto insistia em ensinar seus herdeiros a escrever no mesmo estilo, treinando-os “para imitar sua caligrafia”. Esse tipo de “microgerenciamento da escrita”, escreve Tom Geue, professor de clássicos da Universidade Nacional da Austrália, “é exclusivo de Augusto” e oferece evidências de um desejo quase obsessivo de garantir seu legado, replicando-se em seus sucessores.
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Um busto do imperador Antonino Pio, que supostamente morreu após se empanturrar com uma iguaria deliciosa.
Cláudio, o imperador de Roma que tentou mudar o alfabeto
Assim como as leis da virtude de Augusto, o imperador Cláudio (41-54 d.C.) também queria mudar os fundamentos da sociedade romana. De acordo com Suetônio, ele tentou adicionar novas letras ao alfabeto latino.
Seriam elas o antisigma Ↄ – que soava como um bs ou ps; o Ⱶ, um meio H que parece ter sido um som vocálico curto; e o digamma Ⅎ, que soava como um “w”. Suetônio acrescenta que Cláudio chegou a escrever um livro para explicar a teoria por trás delas.
Embora isso possa parecer audacioso, as línguas antigas evoluíram e mudaram. Foi essa prática, escreve o historiador Tácito, que levou Cláudio a tentar essa mudança. Tácito observa que foi quando Cláudio “descobriu que nem mesmo a escrita grega foi iniciada e concluída de uma só vez”, que ele decidiu criar “algumas letras latinas adicionais”.
Em seu livro “Empire of Letters” (“Império das Letras”, em tradução livre), a professora Stephanie Frampton, do MIT (Massachusetts Institute of Technology), o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, explica que a introdução de novas letras por Cláudio foi vista como parte de uma tradição pela qual a língua e o alfabeto se desenvolveram ao longo do tempo.
Embora exemplos das cartas claudianas tenham sido encontrados em descobertas arqueológicas, a iniciativa deste imperador foi efetivamente um fracasso. Suetônio observa que as letras rapidamente caíram em desuso. Nem mesmo o imperador de Roma conseguiu mudar a forma como as pessoas escreviam.
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Pintura chamada “Vespasiano coroado imperador em Cesareia”, de Baldi Lazzaro (1624-1709).
O Imperador Nero obrigava as pessoas a ouvi-lo cantar
Se Augusto queria administrar sua casa e o império com o mesmo fervor, o famoso imperador Nero, que governou de 54 a 68 d.C., estava mais interessado em entretenimento e performances.
Destinado a uma vida política, Nero ansiava por pisar nos palcos. Além de escrever poesia e participar de corridas de bigas, ele regularmente obrigava seus súditos a assistir a seus recitais musicais.
De acordo com Suetônio, “enquanto ele cantava, ninguém tinha permissão para sair do teatro, mesmo que fosse por motivos urgentes”. Suetônio acrescenta que mulheres grávidas entravam em trabalho de parto e davam à luz enquanto ele se apresentava.
Outros, cansados de aplaudir seus esforços, tentavam escapar dos portões trancados que os mantinham literalmente como uma plateia cativa, arriscando-se a se ferir ao pular das paredes do teatro. Os mais desesperados, escreveu Suetônio, fingiam estar mortos para que fossem levados para o enterro. A história provavelmente é exagerada, mas mesmo assim dá o que falar.
Muitas outras histórias sobre Nero, no entanto, são bem menos encantadoras: suas relações com as mulheres em sua vida eram marcadas pela violência.
Quando se cansou das intervenções políticas de sua controladora mãe, Agripina, ele planejou sua morte. Após várias tentativas fracassadas de envenenamento, ele orquestrou um naufrágio do qual ela conseguiu sobreviver nadando até a costa. Quando a notícia de sua sobrevivência chegou ao imperador, ele finalmente mandou apunhalá-la e alegou que ela havia cometido suicídio.
Após a morte de Agripina, o comportamento de Nero tornou-se cada vez mais sanguinário. Depois de se divorciar e exilar sua esposa Otávia, ele a acusou de adultério e mandou executá-la. Suetônio afirma que ele chutou sua segunda esposa, Poppaea, até a morte enquanto ela estava grávida de seu filho. Como muitas das histórias de Suetônio, essa pode ter sido inventada para exagerar a crueldade de Nero.
A disposição de Nero de descartar aqueles que lhe eram próximos se estendeu aos seus vizinhos na cidade de Roma. Muitos historiadores antigos acusam Nero de ter iniciado o Grande Incêndio de Roma em 64 d.C. para limpar o terreno para seus extravagantes projetos de construção.
Cassius Dio escreve que, enquanto o fogo queimava, ele subiu ao telhado de seu palácio vestido como um tocador de lira e cantou a canção “A Captura de Roma”. Esse detalhe provavelmente falso é a origem do mito de que Nero tocava violino enquanto Roma ardia, mas consolida sua reputação de músico obsessivo.
A história do imperador Vespasiano e seu passado questionável
Vespasiano (69-79 d.C.) trouxe estabilidade ao Império Romano depois de um ano de guerra civil caótica após a morte de Nero, mas seu passado era suspeito: o fundador da dinastia Flávia, mais conhecido por conquistar a maior parte da Judeia durante a Primeira Guerra Judaica, pode ter feito sua fortuna inicial como comerciante de escravos especializado em castrati ou eunucos.
Por volta de 62 d.C., o futuro imperador terminou seu mandato como procônsul da África em dificuldades financeiras. Seu crédito estava arruinado e ele hipotecou suas propriedades ao irmão. Ele, então, se voltou para o comércio do tipo mais duvidoso. Suetônio escreve que Vespasiano era um “mango” (uma espécie de comerciante inútil) que negociava com “mulas”.
Em 2002, A. B. Bosworth publicou um argumento convincente na revista acadêmica “Classical Quarterly” explica que o termo mulio (mula) era usado para se referir àqueles que negociavam seres humanos – e que as “mulas” em questão não eram burros, mas meninos que haviam sido escravizados e castrados à força. Os eunucos eram uma mercadoria valiosa no comércio de escravos romano e, se Vespasiano estivesse envolvido nesse tipo de negócio, isso explicaria como ele restaurou sua fortuna tão rapidamente.
Mesmo depois de se tornar imperador, Vespasiano não se opôs a lucrar com indústrias tabu. Sarah E. Bond, professora associada de história antiga da universidade norte-americana de Iowa, disse que quando o frugal Vespasiano se tornou imperador, ele herdou um império “em sérias dificuldades financeiras”.
Como parte de suas medidas de austeridade, ele reintroduziu um imposto sobre a urina (vectigal urinae), um produto importante nas indústrias de lavanderia e curtimento da Roma Antiga. “A urina”, disse Bond, “vinha de latrinas públicas e de penicos de cerâmica esvaziados nas ruas a partir dos apartamentos acima”.
Não sabemos exatamente quanto dinheiro foi arrecadado, acrescentou ela, mas “em uma cidade de 1 milhão de habitantes” haveria “centenas de curtidores [e tintureiros]” que “precisariam usar esses resíduos humanos para seus negócios”. O imposto deve ter gerado uma quantia considerável para Vespasiano.
Tanto Suetônio quanto Cássio Dio escrevem que, quando Tito – o filho de Vespasiano – achou todo o empreendimento bastante impróprio para o status deles e expressou sua repulsa, Vespasiano ergueu uma moeda de ouro e perguntou a Tito se elas tinham algum mau cheiro. Essa anedota é a origem da expressão “dinheiro não fede”.
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“Antonino morreu de uma febre que ele mesmo provocou ao comer queijo alpino.”
Antonino Pio morreu de overdose de queijo
Nem todas as excentricidades do Império Romano são tão incompreensíveis. Antonino Pio (138-161 d.C.) era um homem caseiro que gostava de queijo.
Dono de modos suaves e atitudes eficazes, ele é conhecido pelos historiadores posteriores como um dos “bons imperadores”, pois guiou Roma por um reinado relativamente pacífico de 23 anos. Infelizmente, seu amor por laticínios acabou sendo sua ruína.
De acordo com a “Historia Augusta”, uma coleção de biografias do século 4, “Antonino morreu de uma febre que ele mesmo provocou ao comer queijo alpino com muita voracidade. Depois de tomar um banho no terceiro dia [de febre], ele se deitou, chamou seus amigos e deu ordens para que Marco [Aurélio] fosse recomendado aos soldados como imperador. Então, como se estivesse dormindo, ele faleceu”.
A “Historia Augusta” é nossa única fonte para essa curiosidade, mas também tem fama de não ser historicamente confiável. No entanto, se for verdade, a morte de Antonino foi uma das mais comoventes – e desastradas – entre os governantes romanos.
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Valeriano terminou sua vida como um banquinho
Outros imperadores romanos tiveram fins muito mais sangrentos do que Antonino, amante de queijo. Nero cometeu suicídio; Galba foi assassinado por seus guarda-costas, os pretorianos; e Geta foi morto por seu irmão Caracala — com a ajuda de sua mãe. Provavelmente, o fim mais degradante coube a Valeriano, que governou em meados do século 3 d.C.
Valeriano passou a maior parte de sua carreira lutando contra os persas na fronteira oriental, onde acabou sendo capturado pelo rei Shapur 1º, que provou ser um vencedor cruel.
Depois de fazer Valeriano prisioneiro, ele manteve o imperador derrotado vivo como um troféu e se deleitava em humilhá-lo regularmente. De acordo com o escritor Lactâncio, do século 4, sempre que “Shapur desejava montar seu cavalo ou carruagem, Valeriano era obrigado a oferecer suas costas, e o rei colocava o pé sobre o imperador romano como um degrau”.
Após um longo período como escabelo humano (escabelo é um tipo de banco antigo usado para apoiar os pés) – escreve Lactâncio –, Valeriano foi transformado em um espantalho macabro. Acabou sendo “esfolado vivo, e sua pele, enchida com palha e tingida de vermelho, foi exibida em um templo persa como um memorial perpétuo da vitória do rei”.
É claro que a precisão histórica destes fatos é debatido. Ela vem da sensacional obra “Sobre as Mortes dos Perseguidores”, de Lactâncio, um autor cristão que desprezava os maus-tratos de Valeriano aos cristãos. Embora outras fontes históricas descrevam a captura e zombaria de Valeriano pelos persas, e um relevo em Naqsh-e-Rustam, no atual Irã, o retrate em cativeiro, nenhuma outra referência ao seu esfolamento sobreviveu.