Patrimônios Mundiais, áreas da Amazônia, Cerrado e Pantanal clamam por preservação

Compostos por belíssimas paisagens e riquíssimos ecossistemas, estes bens naturais brasileiros reconhecidos pela Unesco têm importância imensurável do ponto de vista ambiental.

Por João Paulo Vicente
Publicado 12 de jun. de 2019, 15:57 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT

Esta reportagem é ilustrada com imagens enviadas para o Sua Foto e organizadas na galeria: Fotos dos Patrimônios Culturais Mundiais do Brasil enviadas por nossos leitores. 

Gigantescas extensões do território brasileiro carregam um título que, mesmo grandioso, não dá conta de representar a importância desses espaços. São os Patrimônios Naturais Mundiais do país, que incluem faixas da Amazônia, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e ilhas oceânicas.

A série de reportagens da National Geographic sobre patrimônios vai, agora, a 1972, quando a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) assinou a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural. Abordaremos, então, a segunda das listas criadas pelo documento, a dos Patrimônios Naturais.

Na segunda metade do século 20, cresceu a demanda internacional por iniciativas de preservação de locais com importância histórica para a humanidade. Em paralelo, uma convenção organizada pelo governo americano em 1965 estabeleceu que políticas do tipo também precisariam levar em consideração a defesa de regiões ao redor do mundo em que a natureza se destacasse.

Área de Conservação do Pantanal | Tucano-toco flagrado próximo a Aquidauana (MS). O tucano é um dos símbolos da biodiversidade no Brasil e no Pantanal, um dos biomas contemplados como Patrimônio Mundial Natural pela Unesco.
Foto de Octavio Campos Salles, Sua Foto

“Nós deveríamos ter ainda mais bens inscritos no Brasil e vamos trabalhar ao longo dos próximos anos para que mais candidaturas a sítio do Patrimônio Natural possam ser apresentadas”

por Massimiliano Lombardo
Oficial de Meio Ambiente da Unesco no Brasil

Foi a partir daí que se construíram as duas linhas em paralelo - e uma terceira, de patrimônios mistos, tema de outra reportagem.

Entre os dez critérios utilizados pela Unesco para determinar se um bem vai ser considerado Patrimônio Mundial, quatro dizem respeito à lista dos naturais. Eles contemplam, por exemplo, “conter fenômenos naturais extraordinários ou áreas de uma beleza natural e uma importância estética excepcionais” e “conter os habitats naturais mais importantes e mais representativos para a conservação in situ da diversidade biológica, incluindo aqueles que abrigam espécies ameaçadas que possuam um valor universal excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação”.

Hoje, existem 209 bens na lista do Patrimônio Natural Mundial. No Brasil, eles são sete. Tanto no âmbito global quanto local, os números são bastante reduzidos se comparados aos do patrimônio cultural, mas há uma explicação para isso.

“Nós deveríamos ter ainda mais bens inscritos no Brasil e vamos trabalhar ao longo dos próximos anos para que mais candidaturas a sítio do Patrimônio Natural possam ser apresentadas”, diz Massimiliano Lombardo, oficial de Meio Ambiente da Unesco no Brasil. “Por outro lado, os sítios do Patrimônio Natural são bem mais extensos, abrangem áreas grandes e geralmente são sítios onde, além da questão do valor universal excepcional, há também uma função principal de promover a conservação da natureza”, explica.

A responsabilidade de lançar uma candidatura para Patrimônio Natural é do país de origem da área. A partir daí, a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), órgão consultivo da Unesco, analisa a proposta, que deve contar quais as políticas de preservação atuais na região e quais as perspectivas para o futuro.

No entanto, desde a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência da República, a área ambiental está em xeque no Brasil.

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    Ilhas Atlânticas Brasileiras: Fernando de Noronha e Atol das Rocas | Pôr-do-sol visto do Forte dos Remédios em Fernando de Noronha (PE). O lugar é uma das ilhas atlânticas brasileiras contempladas como Patrimônio Natural da Humanidade.
    Foto de Henry Fila, Sua Foto

    “Se você não tentar conservar, não vai ter sucesso em qualquer atividade econômica no futuro. Por isso, a importância dos órgãos de gestão como viabilizadores das atividades de pesquisa e de conservação.”

    por Bárbara Segal
    Laboratório de Ecologia de Ambientes Recifais da UFSC

    É verdade que Bolsonaro prometeu investir em políticas de turismo voltadas especificamente para os Patrimônios Mundiais brasileiros, o que pode trazer benefícios financeiros para os bens naturais. Por outro lado, o presidente tem se mostrado contrário a iniciativas internacionais para o controle do aquecimento global, defende a redução de áreas de preservação e desidrata os órgãos de fiscalização ambiental, o Ibama e o ICMBio – ambos foram as entidades mais afetadas por um bloqueio de R$ 187 milhões no orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

    O Ministério do Meio Ambiente não respondeu aos pedidos de entrevista da National Geographic. Da mesma forma, o ICMBio não atendeu pedidos de entrevistas com gestores de unidades de conservação que fazem parte de bens naturais mundiais brasileiros.

    É importante frisar que, em meados de março de 2019, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, determinou que servidores do Ibama e o ICMBio não falassem com a imprensa sem autorização expressa do Ministério.

    Frente a esse cenário, os Patrimônios Naturais Mundiais do Brasil resistem. E resistem com muita beleza. Perguntado qual deles é seu preferido, Massimiliano, da Unesco, desconversou. “É como perguntar para uma mãe se ela tem preferência entre os filhos. São lugares maravilhosos que merecem o espaço na lista”, avalia.

    Parques e biomas

    O Parque Nacional do Jaú foi inscrito na lista dos Patrimônios Naturais Mundiais em 2000. Três anos depois, o Parque Nacional de Anavilhanas, e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável Amanã e Mamirauá se juntaram ao Jaú para formar o bem nomeado como Complexo de Áreas Protegidas da Amazônia Central. As quatro unidades de conservação ficam no estado do Amazonas.

    Criado em 1980 para proteger a bacia do Jaú, um rio de águas pretas, de forma integral, o Parque Nacional do Jaú foi até a década de 1990 a maior unidade de conservação brasileira - são quase 2,5 milhões de hectares. Em termos comparativos, um hectare equivale a cerca de um campo de futebol.

    “Este é um dos únicos parques que se propõe a proteger uma bacia hidrográfica por completo”, diz Fabiano Silva, coordenador executivo da Fundação Vitória Amazônica (FVA). “Em termos de recorte, é muito significativo.” A FVA começou a trabalhar na região no começo dos anos 1990 e atuou de maneira intensa em iniciativas de conservação e desenvolvimento sustentável até a virada do século, quando primeiro o Ibama e depois o ICMBio assumiram o protagonismo dessas atividades.

    Marcos Pinheiro, cientista ambiental que trabalhou uma década na FVA e assinou o dossiê de candidatura do Parque Nacional do Jaú a lista de Patrimônio Natural, conta que os resultados das políticas de conservação são visíveis. “Um indicador disso é a presença de ariranhas, um dos animais que era difícil de encontrar. Descendo o rio de voadeira, você vê a natureza explodindo ao redor”, conta.

    O Jaú é muito diverso em termos de espécies animais. No entanto, por ser um sistema de águas pretas, menos abundante em nutrientes, tem um número de animais reduzidos. Há sociólogos, inclusive, que chamam o rio Negro de rio da fome.

    O Parque Nacional de Anavilhanas, por outro lado, apresenta uma abundância de vida mesmo na região do rio Negro. Isso porque Anavilhanas engloba um dos maiores arquipélagos fluviais do mundo. Nas florestas de igapó das ilhas, inúmeras espécies de peixes e animais encontram um berçário.

    Uma nova espécie é descoberta por dia na região da Amazônia
    Estudo feito pela WWF e o Instituto Mamirauá, relatou que 381 novas espécies foram encontradas entre 2014 e 2015.

    Aos poucos, porém, a região começa a sentir os efeitos do desprezo do atual governo federal pela área ambiental. “Mesmo que o Bolsonaro não faça nada diretamente, o problema é o que os outros fazem em nome dele”, diz Marcos.

    No Jaú, por exemplo, por mais que as políticas de conservação sejam eficientes, problemas com pesca ilegal de pirarucus e coleta de quelônios – animais de casco, como tartarugas e cágados – são constantes. “Esses caras eram multados e ficavam coagidos. Hoje, estão batendo no peito e falando que vão entrar no parque pegar quelônio e não vão poder fazer nada”, explica ele.

    Além disso, há alguns anos, os efeitos do aquecimento global têm sido sentidos. Antes, quando moradores usavam o fogo para limpar pequenos trechos de roça – uma prática conhecida como coivara –, as chamas não penetravam na floresta fechada por conta do excesso de umidade. Hoje, isso mudou.

    “A floresta perdeu a capacidade de resistir a incêndios”, diz Marcos. Por conta disso, novas iniciativas de prevenção e combate a incêndios foram instituídas na região.

    Algas calcárias

    Juntamente com o arquipélago de Fernando de Noronha, o Atol das Rocas tornou-se um Patrimônio Natural Mundial em 2001, sob o nome de Ilhas Atlânticas Brasileiras.

    Atol é um anel recifal que surge ao redor de ilhas ou no topo de montanhas submersas. No caso do Atol das Rocas – o único atol do Atlântico Sul inteiro –, existe uma particularidade pelo fato de maior parte da estrutura ser composta por algas calcárias, e não recifes de coral.

    “O Atol das Rocas tem uma importância de formação estrutural, de testemunho da evolução de áreas isoladas e também uma importância como berçário, um local de agregação de espécies, inclusive espécies comercialmente importantes”, diz Bárbara Segal, do Laboratório de Ecologia de Ambientes Recifais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

    Bárbara explica que, por conta do isolamento, a região é importante para pesquisas que buscam compreender os impactos das mudanças climáticas. “Na costa, tem tudo acontecendo ao mesmo tempo: poluentes na água do mar, efluentes de grandes cidades, tudo se confunde. Em áreas isoladas, não”, conta ela, que coordenada um estudo sobre como os corais Atol reagem frente a esse panorama.

    Após a temporada de 2015 e 2016 do El Niño, por exemplo, o grupo dela identificou certo grau de branqueamento em boa parte dos corais, o que é um mal sinal. A boa notícia é que, desde então, há uma recuperação desses organismos.

    Fazer pesquisas no Atol das Rocas, no entanto, não é fácil. Distante 267 km de Natal, capital do Rio Grande do Norte, e 148 km de Fernando de Noronha, a reserva biológica demanda uma logística considerável para ser visitada. “Nesse sentido, é muito importante a parceria e o apoio do ICMBio para as atividades de pesquisa”, diz a professora da UFSC.

    A importância da região também resvala no potencial pesqueiro do Brasil. Ainda que a pesca seja proibida por lá, diversas espécies se reproduzem e multiplicam nas águas rasas e protegidas do Atol.

    “Não estamos falando de questões ideológicas, mas científicas”, observa Bárbara. “Se você não tentar conservar, não vai ter sucesso em qualquer atividade econômica no futuro. Por isso, a importância dos órgãos de gestão como viabilizadores das atividades de pesquisa e de conservação.”

    Os Parques Nacionais do Jaú e de Anavilhanas são destinos turísticos famosos. Com um pouco de planejamento, é possível ver ao vivo o que faz deles Patrimônios Naturais Mundiais.

    Para a maior parte dos leitores da National Geographic, no entanto, as belezas do Atol das Rocas são inalcançáveis. As visitas ao Atol são controladas ao extremo. Quem foi, garante que é inesquecível.

    “A beleza é ímpar, mas o mais bonito é a vida que existe lá”, avalia Bárbara. “Tem gente que não gosta tanto, mas testemunhar interações ecológicas naquele local, mergulhar e ver um tubarão-limão de mais de dois metros a seu lado é uma sensação única.”

    Patrimônio dividido

    O primeiro Patrimônio Natural Mundial brasileiro é dividido com a Argentina. O Parque Nacional do Iguaçu, reconhecido em 1986, destaca-se pelos paredões de cachoeiras que se estendem por quase três quilômetros.

    Em 1999, foi o ano da Mata Atlântica. Dois bens brasileiros diferentes que contemplam esse bioma foram inscritos na lista da Unesco à época: Mata Atlântica – Reservas do Sudeste, em São Paulo e Paraná; e Costa do Descobrimento – Reservas da Mata Atlântica, na Bahia e Espírito Santo.

    No ano seguinte, 2000, foi a vez do Complexo das Áreas Protegidas do Pantanal, quatro unidades de conservação no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O Complexo engloba 1,3% do todo o bioma do Pantanal no Brasil.

    Por fim, em 2001, foi a vez de o Cerrado ganhar seu lugar ao sol. As Áreas Protegidas do Cerrado: Chapada dos Veadeiros e Parque Nacional das Emas são um recorte de um dos ecossistemas mais diversos de todo o mundo.

    Além das belíssimas paisagens e riquíssimos ecossistemas, os Patrimônios Naturais Mundiais brasileiros têm importância imensurável do ponto de vista ambiental. Preservá-los, então, vai muito além de questões ideológicas – são ações necessárias.

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