Mudanças climáticas estão levando planeta a “ponto de inflexão” perigoso

Cientistas acreditam que as pessoas não se deram conta do pouco tempo que resta para deter mudanças irreversíveis e desastrosas nos sistemas climáticos da Terra. Mas há esperança.

Por Stephen Leahy
Publicado 9 de dez. de 2019, 15:34 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Os oceanos e os corais estão sob estresse extremo devido às mudanças climáticas e podem ter ...
Os oceanos e os corais estão sob estresse extremo devido às mudanças climáticas e podem ter sofrido tamanha degradação que não são mais capazes de se recuperar.
Foto de Alexis Rosenfeld, Getty Images

EVIDÊNCIAS DE QUE OCORRERAM MUDANÇAS irreversíveis nos sistemas climáticos da Terra indicam que estamos em uma situação de emergência planetária, alertam os principais cientistas climáticos. Diversos pontos de inflexão podem culminar com um ponto de inflexão global, em que vários sistemas terrestres ultrapassam o ponto sem retorno, dizem os cientistas.

Essa possibilidade é “uma ameaça existencial à civilização”, escrevem Tim Lenton e colegas na revista científica Nature.

Tal colapso dos sistemas da Terra pode levar a condições de “Terra-estufa”, com um aumento de 5oC na temperatura global, à elevação do nível do mar entre 5 a 9 metros, ao desaparecimento total dos recifes de coral no mundo e da Floresta Amazônica e à transformação de grande parte do planeta em regiões inabitáveis.

Cientistas alertam que é necessária uma resposta global emergencial para limitar o aquecimento a 1,5oC. “A estabilidade e a resiliência do nosso planeta estão em risco”, afirmam.

“Foi um choque perceber que os pontos de inflexão que pensávamos que ocorreriam no futuro já foram alcançados”, afirma Lenton em uma entrevista.

Por exemplo, tudo indica que o lento colapso da camada de gelo da Antártica Ocidental já está em andamento. Os últimos dados mostram que o mesmo pode estar acontecendo com parte da camada de gelo da Antártica Oriental, afirma Lenton, cientista climático da Universidade de Exeter, no sudoeste da Inglaterra. Se ambas as camadas derretessem, poderiam elevar o nível do mar em 7 metros nas próximas centenas de anos.

“A cidade de Exeter, onde moro, foi fundada pelos romanos há 1,9 mil anos. Provavelmente estará embaixo d'água daqui a 1,5 mil anos”, afirma ele. “Não devemos desprezar o legado que deixaremos para as futuras gerações, ainda que venham em um futuro longínquo.”

As camadas de gelo da Antártica Ocidental e Oriental são apenas dois dos nove pontos críticos — ou gigantes do sistema climático — que mostram sinais nítidos de que estão chegando a um ponto sem retorno.

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É provável que muitos pontos de inflexão climática sejam fenômenos graduais, como o colapso das camadas de gelo da Antártida, que ocorrerá por centenas ou mesmo milhares de anos, afirma Glen Peters, diretor de pesquisa do Centro Climático Internacional da Noruega.

“Não está claro quando ocorrerá a maioria dos pontos de inflexão”, afirma Peters, que não participou do artigo da revista científica Nature.

Declaração de emergência climática planetária

É importante destacar que as temperaturas globais não são impulsionadas apenas pelas emissões de carbono causadas pelo homem, afirma Katherine Richardson, coautora do relatório e professora de oceanografia biológica da Universidade de Copenhague. Os sistemas naturais da Terra, como florestas, regiões polares e oceanos, também desempenham papéis importantes.

“Temos que prestar atenção a eles”, afirma Richardson em entrevista.

Já é tarde demais para impedir a ocorrência de alguns pontos de inflexão, pois há evidências de que ao menos nove já foram desencadeados, disse ela. O risco de provocarem um ponto de inflexão global irreversível com profundos impactos na civilização humana justifica uma declaração de emergência climática planetária.

Para minimizar o risco, é preciso manter o aquecimento global o mais próximo possível de 1,5oC, com redução das emissões de carbono para zero. Ao menos 30 anos serão necessários para alcançar a neutralidade do carbono, conta Richardson. “Essa é a nossa estimativa de tempo mais otimista.”

“Acredito que as pessoas não se deram conta do pouco tempo que resta”, afirma Owen Gaffney, analista de sustentabilidade global do Centro de Resiliência de Estocolmo da Universidade de Estocolmo. “Alcançaremos 1,5oC em uma ou duas décadas e, restando somente três décadas para eliminar o carbono, é evidentemente uma situação de emergência”, afirma Gaffney, outro coautor do comentário.

“Se não forem tomadas medidas de emergência, nossos filhos provavelmente herdarão um planeta perigosamente desestabilizado”, disse ele em entrevista.

Olhos apenas para a economia

Enquanto isso, um relatório recente da ONU revelou que os Estados Unidos, China, Rússia, Arábia Saudita, Índia, Canadá, Austrália e outros países planejam produzir 120% mais combustíveis fósseis até 2030. Esses mesmos governos concordaram em limitar o aquecimento global a 1,5oC, conforme previsto no acordo climático de Paris, mas, ao que parece, estão mais preocupados com seu crescimento econômico.

Nenhuma análise econômica de custo-benefício nos ajudará agora que estamos diante de uma ameaça existencial à civilização, escrevem Gaffney e seus coautores. Os governos dependem muito dos conselhos dos economistas, mas, com poucas exceções, a profissão fez um enorme desserviço à humanidade, ignorando as mudanças climáticas em suas pesquisas e bolsas de estudos, lamenta Gaffney. Apenas uma fração dos artigos e publicações em periódicos de economia trata das mudanças climáticas, lamenta ele.

Os riscos representados pelos pontos de inflexão climática não fazem parte de nenhuma análise econômica das políticas climáticas, admite Geoffrey Heal, economista da Faculdade de Negócios de Colúmbia, em Nova York. “Se fossem considerados, fariam uma enorme diferença (...) e sugeririam que reforçássemos amplamente nossas políticas climáticas”, afirmou Heal por e-mail.

“Ultrapassar os pontos de inflexão (...) implica um grande risco para ativos financeiros, a estabilidade econômica e a vida como a conhecemos hoje”, afirma Stephanie Pfeifer, Presidente do Grupo de Investidores Institucionais sobre Mudanças Climáticas (IIGCC, na sigla em inglês), grupo de investidores que administra mais de US$ 30 trilhões em ativos. É infinitamente mais barato prevenir um maior aquecimento global do que enfrentar seus efeitos, afirma Pfeifer por e-mail.

“Precisamos de ações muito mais enérgicas e urgentes para enfrentar as mudanças climáticas”, prossegue ela.

O lado positivo

A eliminação global do carbono tem aumentado desde 2010 e pode estar a ponto de restringir o aquecimento global a 2oC, segundo um novo relatório a ser publicado na revista científica Environmental Research Letters em 2 de dezembro. Apesar do aumento das emissões globais de carbono, a eliminação do carbono manteve o aumento em um nível baixo e está prestes a reduzir as emissões.

Os grandes avanços na eliminação do carbono obtidos com eficiência energética, moderna energia térmica renovável, energia solar e energia eólica estão permitindo alcançar as metas climáticas de Paris “se tomarmos medidas ousadas em todos os setores da economia”, afirma Daniel Kammen, coautor do estudo, professor de energia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, em comunicado.

Também existem pontos de inflexão social, conta Gaffney, incluindo um ponto de inflexão econômica em que o preço da energia renovável fica mais baixo do que o dos combustíveis fósseis em um mercado por vez. “Os preços das energias renováveis continuam caindo e seu desempenho, melhorando. Essa é uma combinação imbatível.”

Cada vez mais países como o Reino Unido atingiram um ponto de inflexão política e adotaram metas de carbono zero líquido até 2050. “Agora estamos confiantes de que seja viável e possível”, afirma ele.

E, nos Estados Unidos, os candidatos às eleições presidenciais de 2020 estão lançando ambiciosos planos de ações climáticas.

Nos últimos 12 meses, parece ter sido alcançado um amplo ponto de inflexão de conscientização social — o efeito Greta Thunberg — com milhões de jovens alunos fazendo greve e muitos outros exigindo ações climáticas urgentes, diz ele. Ao mesmo tempo, cada vez mais instituições financeiras, estabelecimentos comerciais e cidades adotam metas climáticas ousadas.

“Esses pontos de inflexão estão convergindo e podem fazer da década de 2020 a transição econômica mais acelerada da história”, afirma Gaffney.

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    “Não está claro quando ocorrerá a maioria dos pontos de inflexão”, afirma Peters, que não participou do artigo da revista científica Nature.

    Declaração de emergência climática planetária

    É importante destacar que as temperaturas globais não são impulsionadas apenas pelas emissões de carbono causadas pelo homem, afirma Katherine Richardson, coautora do relatório e professora de oceanografia biológica da Universidade de Copenhague. Os sistemas naturais da Terra, como florestas, regiões polares e oceanos, também desempenham papéis importantes.

    “Temos que prestar atenção a eles”, afirma Richardson em entrevista.

    Já é tarde demais para impedir a ocorrência de alguns pontos de inflexão, pois há evidências de que ao menos nove já foram desencadeados, disse ela. O risco de provocarem um ponto de inflexão global irreversível com profundos impactos na civilização humana justifica uma declaração de emergência climática planetária.

    Para minimizar o risco, é preciso manter o aquecimento global o mais próximo possível de 1,5oC, com redução das emissões de carbono para zero. Ao menos 30 anos serão necessários para alcançar a neutralidade do carbono, conta Richardson. “Essa é a nossa estimativa de tempo mais otimista.”

    “Acredito que as pessoas não se deram conta do pouco tempo que resta”, afirma Owen Gaffney, analista de sustentabilidade global do Centro de Resiliência de Estocolmo da Universidade de Estocolmo. “Alcançaremos 1,5oC em uma ou duas décadas e, restando somente três décadas para eliminar o carbono, é evidentemente uma situação de emergência”, afirma Gaffney, outro coautor do comentário.

    “Se não forem tomadas medidas de emergência, nossos filhos provavelmente herdarão um planeta perigosamente desestabilizado”, disse ele em entrevista.

    Olhos apenas para a economia

    Enquanto isso, um relatório recente da ONU revelou que os Estados Unidos, China, Rússia, Arábia Saudita, Índia, Canadá, Austrália e outros países planejam produzir 120% mais combustíveis fósseis até 2030. Esses mesmos governos concordaram em limitar o aquecimento global a 1,5oC, conforme previsto no acordo climático de Paris, mas, ao que parece, estão mais preocupados com seu crescimento econômico.

    Nenhuma análise econômica de custo-benefício nos ajudará agora que estamos diante de uma ameaça existencial à civilização, escrevem Gaffney e seus coautores. Os governos dependem muito dos conselhos dos economistas, mas, com poucas exceções, a profissão fez um enorme desserviço à humanidade, ignorando as mudanças climáticas em suas pesquisas e bolsas de estudos, lamenta Gaffney. Apenas uma fração dos artigos e publicações em periódicos de economia trata das mudanças climáticas, lamenta ele.

    Os riscos representados pelos pontos de inflexão climática não fazem parte de nenhuma análise econômica das políticas climáticas, admite Geoffrey Heal, economista da Faculdade de Negócios de Colúmbia, em Nova York. “Se fossem considerados, fariam uma enorme diferença (...) e sugeririam que reforçássemos amplamente nossas políticas climáticas”, afirmou Heal por e-mail.

    “Ultrapassar os pontos de inflexão (...) implica um grande risco para ativos financeiros, a estabilidade econômica e a vida como a conhecemos hoje”, afirma Stephanie Pfeifer, Presidente do Grupo de Investidores Institucionais sobre Mudanças Climáticas (IIGCC, na sigla em inglês), grupo de investidores que administra mais de US$ 30 trilhões em ativos. É infinitamente mais barato prevenir um maior aquecimento global do que enfrentar seus efeitos, afirma Pfeifer por e-mail.

    “Precisamos de ações muito mais enérgicas e urgentes para enfrentar as mudanças climáticas”, prossegue ela.

    O lado positivo

    A eliminação global do carbono tem aumentado desde 2010 e pode estar a ponto de restringir o aquecimento global a 2oC, segundo um novo relatório a ser publicado na revista científica Environmental Research Letters em 2 de dezembro. Apesar do aumento das emissões globais de carbono, a eliminação do carbono manteve o aumento em um nível baixo e está prestes a reduzir as emissões.

    Os grandes avanços na eliminação do carbono obtidos com eficiência energética, moderna energia térmica renovável, energia solar e energia eólica estão permitindo alcançar as metas climáticas de Paris “se tomarmos medidas ousadas em todos os setores da economia”, afirma Daniel Kammen, coautor do estudo, professor de energia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, em comunicado.

    Também existem pontos de inflexão social, conta Gaffney, incluindo um ponto de inflexão econômica em que o preço da energia renovável fica mais baixo do que o dos combustíveis fósseis em um mercado por vez. “Os preços das energias renováveis continuam caindo e seu desempenho, melhorando. Essa é uma combinação imbatível.”

    Cada vez mais países como o Reino Unido atingiram um ponto de inflexão política e adotaram metas de carbono zero líquido até 2050. “Agora estamos confiantes de que seja viável e possível”, afirma ele.

    E, nos Estados Unidos, os candidatos às eleições presidenciais de 2020 estão lançando ambiciosos planos de ações climáticas.

    Nos últimos 12 meses, parece ter sido alcançado um amplo ponto de inflexão de conscientização social — o efeito Greta Thunberg — com milhões de jovens alunos fazendo greve e muitos outros exigindo ações climáticas urgentes, diz ele. Ao mesmo tempo, cada vez mais instituições financeiras, estabelecimentos comerciais e cidades adotam metas climáticas ousadas.

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