Luta contra plásticos descartáveis é atropelada durante a pandemia

Além do uso na saúde e em equipamentos de proteção, plástico ganha terreno com a profusão de embalagens em serviços de entrega. Trabalhadores da reciclagem pararam para evitar contato com lixo contaminado.

Por Paulina Chamorro
Publicado 2 de jul. de 2020, 12:39 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
No dia internacional sem sacolas plásticas (03/07), um novo problema aparece: máscaras e luvas descartáveis estão ...

No dia internacional sem sacolas plásticas (03/07), um novo problema aparece: máscaras e luvas descartáveis estão pipocando em praias e mares.

Foto de Randy Olson, National Geographic

Julho é marcado, desde 2011, como o “mês sem plástico”. Muitas hashtags em diferentes países dominam as redes, impulsionando e estimulando atitudes que questionam os plásticos de uso único. O movimento, iniciado pelo Plastic Free July, chegou com força ao Brasil há dois anos. Julho de 2020, entretanto, será diferente.

É possível diminuir o uso de plásticos descartáveis durante uma pandemia?

Nos dias que correm, espalham-se pelas redes sociais imagens de praias e mares repletos de máscaras e luvas descartáveis – a maioria provavelmente usada para prevenir a covid-19. Também já se tem notícias do aumento do consumo de plástico descartável, principalmente de embalagens. Era de se esperar, já que o maior produtor de matéria plástica é o setor de embalagens. O descarte delas responde por mais da metade de todos os resíduos plásticos gerados globalmente – a maior parte nunca é reciclada ou incinerada.

O aumento do consumo de plástico é um problema que afeta o todo o planeta e traz novos desafios para uma cadeia de reciclagem ainda muito vulnerável. No Brasil, a questão ganha uma importante dimensão social: salvas raras exceções (como as únicas duas centrais de reciclagem mecanizadas de São Paulo), quase todo lixo reciclado passa pelas mãos de catadores.

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Mudança de perfil do lixo brasileiro

Relatório da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) mostra que a quantidade de resíduos recicláveis coletados por serviços de limpeza urbana aumentou 28% em maio de 2020, em relação ao mesmo período de 2019. O dado contrasta com uma queda de 9% na coleta de resíduos sólidos urbanos – juntando a coleta domiciliar e limpeza pública –, que vai direto para aterros sanitários. No entanto, o aumento na coleta não quer dizer aumento da reciclagem.

Essa mudança no perfil do consumo doméstico e as medidas de isolamento social afetaram profundamente o ciclo da reciclagem. “O impacto do nosso trabalho na cadeia da reciclagem foi algo que nós não imaginávamos”, observa Roberto Rocha, presidente Associação Nacional de Catadores e Catadoras do Brasil (Ancat). “Com a parada do trabalho dos catadores, a cadeia parou.”

Enquanto algumas cooperativas fecharam pela insegurança sanitária, outras chegaram a acordos com as prefeituras, inclusive de remuneração para os trabalhadores durante o período de pandemia. Os autônomos, catadores em situação de rua, também diminuíram o ritmo. Algumas cooperativas continuaram trabalhando, cumprindo contratos com prefeituras que não quiseram conversa.

 

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    Agora, à medida que a reciclagem se mostra essencial e a demanda pelo serviço aumenta, a pandemia deixou os trabalhadores do setor muito vulneráveis. “O Cempre [Centro Empresarial para a Reciclagem] calcula que pelo menos 90% de todo o material reciclável passa pela mão destes trabalhadores, informais ou cooperados, em algum momento”, diz Roberto Rocha.

    Como o manuseio do lixo para coleta e separação é inevitável, havia, no começo da pandemia, medo de contaminação através do vírus que sobrevive em superfícies, principalmente de resíduos plásticos. Com o tempo, a Ancat passou a entender melhor a lógica de transmissão. A associação aguarda dois estudos para saber como retomar as atividades nas cooperativas e orientar a categoria.

    A situação da pandemia aumentou a quantidade de recicláveis em lixões e aterros, e governos e empresas tiveram que investir no aumento da coleta, pois os catadores estavam parados. “O papel destes trabalhadores [catadores] não é visto como tinha que ser”, diz Rocha. “Não é remunerado dentro dessa cadeia que ele alimenta. Esse trabalho é também um trabalho essencial.”

    Autoestima em tempos de crise

    Contribuir para a valorização do serviço prestado por catadores – tanto do ponto de vista da autoestima, quanto do reconhecimento da sociedade e indústria a esses trabalhadores – é um dos objetivos do artista e ativista Mundano.

    Nos últimos anos, Mundano fundou o projeto Pimp my carroça e o aplicativo Cataki. No primeiro, ele convida catadores para terem suas carroças grafitadas por ele e por outros artistas em diferentes cidades do Brasil. A ideia já se espalhou por pelo menos 12 países, segundo os organizadores. Já o aplicativo Cataki conecta quem quer reciclar com catadores e catadores que recolhem o material e o destinam.

    Desde o começo da pandemia, o trabalho de pintura das carroças está suspenso, mas a ajuda, não. Com parcerias e doações, o galpão do projeto se transformou em armazém de cestas básicas. A equipe de 17 pessoas também criou o programa Renda mínima para os catadores, que está distribuindo um cartão de ajuda financeira para os trabalhadores cadastrados no aplicativo Cataki.

    No período da pandemia, o artista também lançou o Desafio Água e Sabão, um sistema de colaboração que tem impacto direto na saúde de pessoas em situação de rua. Trata-se de uma simples ideia: espalhar por pontos estratégicos das cidades kits de higiene pessoal. Nas redes sociais, o artista ensina o passo a passo.

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    “Está vindo muita luva, muita máscara. E isso prejudica o trabalho dos catadores”, comenta Rocha. “Neste momento de incerteza, a gente pede aos moradores que tiveram situação de covid-19 em casa, que não entreguem seus materiais [para reciclar] aos catadores e nem à coleta [por caminhão], até que se recuperem do vírus.”

    Para quem vive a pandemia na pele e segue coletando, o problema do aumento de plásticos descartáveis é visível. Anne Caroline Barbosa, 28 anos, é catadora de recicláveis junto com o marido e, por necessidade, continua saindo em São Paulo.

    “Tenho visto, no dia-a-dia, o aumento de plásticos, mas de descartáveis. Por causa do novo hábito das pessoas de pedir delivery, de se alimentar em casa. Mas, para nós, catadores, é considerado lixo porque não tem reciclagem, não gerenciamos, e o ferro velho não compra”, conta Barbosa. “Infelizmente, vemos o aumento desse material, mas a maior quantidade vai para o aterro. Como não tem reciclagem, não tem valor para o catador, vai para o aterro ser queimado.” O isolamento social não é uma realidade para todos, ela pontua. E a necessidade de estar na rua é sua luta “pelo pão”.

    A falta de cuidados no nosso manejo do lixo reciclável piora a situação. Barbosa explica que ainda existe muito desconhecimento sobre coisas simples, como limpar os descartáveis.

    “Antes da pandemia, já corríamos o risco de doenças ao gerenciar materiais que poderiam estar contaminados, mas, agora, o perigo é dobrado”, alerta. “[Perigo de,] além de tudo, ter que lidar com uma doença que a gente não conhece. Ou a gente trabalha e se expõe a esse risco, ou a gente vê a fome bater a nossa porta.”

    Volte duas casas

    No momento em que politicas públicas de manejo de resíduos plásticos avançam em todo o mundo – com leis que restringem o uso de descartáveis como sacolas e canudinhos, por exemplo – a pandemia chegou para que voltássemos algumas casinhas neste jogo. No mundo e no Brasil.

    De acordo com o WWF, o país é o quarto maior gerador de lixo plástico no mundo, pelo menos antes da pandemia. Mas dados sobre o destino dos resíduos ainda são raros e esse vácuo de informações vai demorar para ser atualizado com a nova realidade de uso de descartáveis.

    A dificuldade em gerir o lixo e ampliar a reciclagem mostra como estamos atrasados na resolução de problemas que já deveriam ter sido encarados, antes de uma emergência como a da pandemia. A incorporação formal dos trabalhadores de recicláveis, por exemplo, já foi prevista na lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovada ainda em 2010, mas, até hoje, como a maioria dos termos da política, não saiu do papel.

    Recentemente, o movimento Break Free From Plastic divulgou declaração de quase 120 pesquisadores, acadêmicos e médicos de 18 países, afirmando que materiais e objetos reutilizáveis, contando que há higienização básica, .

    O manifesto deixa clara a importância do material plástico nos serviços de saúde e na proteção de trabalhadores essenciais. Porém, o movimento alega que há uma grande diferença entre o uso sanitário, como em equipamentos de proteção individual, e as embalagens comuns. Segundo os pesquisadores, a indústria do petróleo e do plástico tem, intencionalmente, levado consumidores a pensar que seus produtos só estarão livres do vírus se estiverem embalados por plástico descartável. Não é verdade: estudos apontam que, sim, é seguro reutilizar.

    O que podemos fazer neste momento? Separar o material, um hábito que não se pode perder. Limpar vasilhas, garrafas e outros recicláveis antes de mandar para a coleta. Não descartar luvas e máscaras em dias de coleta seletiva e, se possível, separá-las em sacolas próprias ou no lixo do banheiro. Por último, é importante valorizar e contribuir com iniciativas que ajudem os trabalhadores de materiais recicláveis.

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