Ilhas Cagarras, no Rio: o mais novo ponto de esperança na costa do Brasil
O monumento natural, que pode ser visto da praia de Ipanema, é o segundo Hope Spot do Brasil.
O arquipélago fica a cerca de 5 km da praia mais famosa do mundo, Ipanema, no Rio de Janeiro.
Da famosa orla de Ipanema, no Rio de Janeiro, é possível avistar as ilhas Cagarras, distantes apenas cinco quilômetros da linha da praia. É parte do cartão postal carioca.
O que poucos sabem é que, mesmo estando tão próximo da costa e de uma metrópole como o Rio de Janeiro, esse conjunto de três ilhas e duas ilhotas é um refúgio de biodiversidade que abriga espécies endêmicas e ameaçadas, um sítio arqueológico, um corredor migratório de baleias-jubartes, uma área de interação de mais cinco espécies de cetáceos e um importante ninhal de aves marinhas. Além disso, o arquipélago é área fundamental de reprodução de espécies comerciais de pesca.
Desde abril de 2021, as Ilhas Cagarras e as águas do entorno, incluindo as praias da Zona Sul carioca – do Leblon até a praia Vermelha e a ilha de Cotunduba, na região da entrada da baía de Guanabara –, são o mais novo Ponto de Esperança, ou Hope Spot, do Atlântico Sul. Até então, apenas Abrolhos tinha o reconhecimento no Brasil.
No mundo, são 130 Hope Spots, categoria definida pela Mission Blue – uma aliança de conservação marinha capitaneada pela exploradora da National Geographic Sylvia Earle – para reconhecer áreas marinhas com relevância biológica, capacidade de transbordamento de espécies de peixes de interesse comercial, importância econômica e cultural, presença de processos naturais e oportunidades de reversão de realidades – ou seja, lugares que tragam esperança e inspirem pessoas.
O anúncio acontece em um momento emblemático, no início da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, e é um reconhecimento para o trabalho de voluntários e cientistas no Monumento Natural (Mona) do Arquipélago das Ilhas Cagarras e para os esforços em levar o resultado dessas pesquisas para a sociedade.
“As pessoas sabiam mais de Fernando de Noronha do que dessas ilhas”, me conta por videochamada a bióloga marinha Aline Aguiar, fundadora do Instituto Mar Adentro e uma das proponentes do novo Ponto de Esperança através do projeto Ilhas do Rio.
Iniciativa do Mar Adentro, o Ilhas do Rio envolve uma rica rede de atores e completa 10 anos em 2021. Desde sua fundação, atua para promover pesquisas nas ilhas cariocas enquanto busca levar essa produção à população local.
Cardume de bonitos-pintados nada nas águas das ilhas Cagarras. Um dos maiores beneficiários com a proteção da área são os pescadores artesanais da Colônia Z-13, fundada em 1923 na praia de Copacabana.
Um número cada vez maior de jubartes tem passado próximo a costa do Rio de Janeiro. Elas utilizam as águas no entorno das ilhas Cagarras como local de alimentação, socialização e descanso.
Fragatas sobrevoam as ilhas Cagarras. Com cerca de cinco mil indivíduos, o arquipélago abriga um dos maiores ninhais de fragatas do Atlântico Sul.
“Muita gente que pensa nos Hope Spots pensa em paraísos como na Indonésia. Fiz o dever de casa, estudei e vi que as Cagarras cumpriam com todos os critérios”, diz Aline.
Além dos critérios científicos e da relevância cultural e econômica, outro fator determinante para um novo Ponto de Esperança ser reconhecido no litoral brasileiro foi o apoio da comunidade local e a capacidade de reverter impactos.
Outro proponente do novo Ponto de Esperança, o jornalista e mergulhador Caio Salles, do projeto Verde Mar, explica que a inclusão de áreas como a enseada da praia Vermelha e a ilha de Cotunduba ajuda no engajamento social e fortalece a proteção da região. “Essas áreas agregam um complexo de unidades de conservação municipais em um dos pontos mais visitados do Rio de Janeiro e importante berçário de espécies marinhas.”
Ponto para a pesca artesanal
A Colônia de Pesca Z-13, fundada em 1923 por pescadores artesanais na praia de Copacabana, participou de todo o processo e deve ser um dos grupos diretamente beneficiados.
“Eles são parceiros desde o início do projeto”, diz Fernando Moraes, biólogo marinho, idealizador do projeto Ilhas do Rio e pesquisador do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Jardim Botânico. “Os pescadores hoje reconhecem o valor de ter uma área que pode servir de repositório para novas gerações de pescado e outras espécies que já sofrem com a sobrepesca, como cavaquinha, polvo e lagosta. Portanto, é uma esperança inclusive para a pesca.”
Em entrevista por videochamada, Moraes defende que “temos que encarar o meio ambiente sadio como uma oportunidade de mostrar para a população que esses ambientes, quando mais próximos de seus passados pristinos, renderão muito mais para toda a sociedade.”
A forma como o projeto Ilhas do Rio construiu a proposta reflete bem a importância de integrar muitos elos da sociedade. O esforço contou com o apoio do WWF-Brasil, Conselhos Consultivos do Mona Cagarras e Mona Pão de Açúcar, Museu Nacional da UFRJ, Associação Brasileira de Combate ao Lixo no Mar, Associação IEP e JGP.
Para preencher todos os critérios científicos e de conservação observados pelo conselho da Mission Blue para os Pontos de Esperança, é preciso voltar dez anos no tempo. Um ano depois da criação do Mona Cagarras, em 2010, nasce o projeto Ilhas do Rio para suprir a falta de informações sobre a região. Com um primeiro financiamento do projeto Petrobras Ambiental, o Ilhas do Rio começou a reunir pesquisas que já vinham sendo desenvolvidas na área das ilhas e criar novas, desenhando uma estratégia para fazer ciência e ao, mesmo tempo, divulgar a então nova unidade de conservação.
A pesquisadora Aline Aguiar explica que primeiro passo foi a caracterização marinha e terrestre para entender o que eram as quatro ilhas e dois ilhotes do arquipélago Cagarras: ilha das Palmas, Comprida, Cagarra, Filhote de Cagarra, Redonda e Filhote da Redonda. “Fizemos o georreferenciamento com proposições de áreas de preservação e outras que poderiam ser abertas para uso público e para entender mais sobre o sítio arqueológico e os ninhais”, explica Aline. “São informações importantes para comparar com outras áreas protegidas em sistemas insulares do Rio, como a Ilha Rasa. E contamos sempre com o apoio muito importante do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade para as pesquisas.”
Os números começaram a aparecer. Já são 220 espécies catalogadas na unidade de conservação e ilhas do entorno. Entre elas, algumas novas – peixe-borboleta-bicudo, peixe-cara-de-gato e peixe-pena-branco – e outras ameaçadas de extinção, como o cavalo-marinho.
Duas espécies de interesse comercial muito importante têm os costões do Mona Cagarras como local de espera. Xernes e garoupas juvenis com potencial de transbordamento – ou seja, que podem atingir tamanho permitido para pesca – usam os paredões para crescer em segurança.
Outra história fascinante sobre o lugar, e que atende ao critério cultural na proposta para Ponto de Esperança, é a descoberta do sítio arqueológico na Ilha Redonda, hoje resguardado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional. “São os primeiros cariocas”, me conta Aline. “Em 2012, quando foi feita a expedição de flora na região, encontramos artefatos arqueológicos, alguns ligados a rituais funerários e outros para alimentação.”
Corredor de baleias-jubartes
Integrante desde o início do projeto Ilhas do Rio, a doutora em biologia marinha e referência em estudo de cetáceos no Brasil Liliane Lodi também me conta empolgada ao telefone sobre as espécies de baleias e golfinhos monitoradas na região desde 2011.
“Até o momento, temos seis espécies de cetáceos, tanto no Mona quanto no entorno, justamente na área aprovada pelo Mission Blue. Golfinho-flíper, golfinho-de-dentes-rugosos, orca, baleia-de-bryde, baleia-jubarte e baleia-franca-austral”, conta Liliane.
O lixo, principalmente plástico, também é um problema grave até mesmo na parte terrestre das ilhas, onde as aves marinhas fazem ninho.
Esses animais utilizam a área como alimentação, socialização e descanso. Mas o caso das jubartes é especial. “Elas passam pelo Rio de Janeiro, em especial em junho e julho, seguindo sua rota migratória, rumo a Abrolhos, principal área de reprodução de jubartes no Atlântico Sul”, diz Liliane. “O que temos observado é que indivíduos mais novos passam mais próximo da costa e a usam de abrigo e descanso para seguir a jornada.” Esse corredor migratório é observado desde 2017, mas embora se conecte com o outro Ponto de Esperança do Brasil, Abrolhos, as baleias que passam pelo Rio de Janeiro ainda não foram identificadas por lá, no litoral sul da Bahia.
Enquanto indivíduos adultos passam mais longe da costa, é a presença cada vez maior e cada vez mais cedo das juvenis jubartes que tem ajudado nas pesquisas de Liliane. Com o aparecimento das grandes baleias, e tão próximas da costa, uma verdadeira rede de ciência cidadã se formou. A bióloga me conta que um número crescente de pessoas participam ativamente com informações de avistamentos e imagens em um grupo que coordena no Facebook.
Outro conhecimento trazido pelas pesquisas de longo prazo na unidade de conservação é sobre as aves marinhas, em especial fragatas. Graças ao monitoramento ao longo dos anos, descobriu-se a presença de cinco mil indivíduos, o que faz do lugar um dos maiores ninhais do Atlântico Sul, ao lado do Refúgio de Vida Silvestre de Alcatrazes, no litoral de São Paulo.
Ameaças
Tanto fragatas quanto baleias e golfinhos sofrem diretamente com a proximidade da costa. Em mergulhos de limpeza subaquática ou nas expedições pela parte terrestre das ilhas, o impacto do lixo é visível. Principalmente de plástico. Trazidos pelas águas, ou mesmo pelas próprias aves, é possível encontrar os mais diferentes tipos de lixo vindo do continente nos ninhais.
No caso dos cetáceos, o que preocupa sobre o trânsito próximo à costa é a “degradação do habitat, depredação dos estoques pesqueiros, capturas acidentais em redes de pesca e risco de colisão com grandes navios”, aponta Liliane. “Sem esquecer a grande carga de esgoto doméstico despejado por uma das maiores cidades do país”, ali, bem pertinho desse caldeirão de biodiversidade.
“Chamamos [as baleias] de heróis da resistência e temos a oportunidade de mostrar como elas estão sobrevivendo!”, brinca Aline. A esperança da pesquisadora é que a visibilidade internacional traga engajamento e educação ambiental. “Esperança de mostrar para o mundo que, mesmo em locais superocupados, como essas metrópoles, ainda tem vida. Precisamos comunicar para preservar.”
Para Fernando Moraes, a chegada de um novo Ponto de Esperança justamente no início da Década da Ciência Oceânica é muito significativa. Ele espera que o título gere mudanças de comportamento na sociedade e que o “avanço e reconhecimento da ciência atraiam mais recursos para pesquisas".
E quem poderá olhar da mesma forma para as ilhas do Rio depois de saber tudo o que sabemos?