O que fazer com uma invasão de caranguejos verdes?

Os crustáceos, não nativos e ferozes, estão tomando conta do Golfo do Maine, nos Estados Unidos. Comê-los poderia ajudar a diminuir a população?

Mike Mais, um ex-professor de biologia marinha do ensino médio, puxa uma armadilha cheia de caranguejos verdes em seu esquife em York, Maine. Ele e seu parceiro Sam Sewall, um pescador de quarta geração, fazem parte de um pequeno movimento que busca comercializar os caranguejos invasores.

Foto de Brian Skerry National Geographic
Por Kea Krause
Publicado 18 de jul. de 2022, 14:46 BRT

Se você fechar os olhos, um caranguejo verde subindo pelo seu antebraço vai parecer mais uma aranha do que uma criatura marinha: suas perninhas se movem como se ele estivesse tecendo seda. Se você abrir os olhos, verá o trabalho forjado de 200 milhões de anos: carapaça serrilhada, revestimento folheado e pinças calcificadas. Os pequenos caranguejos são requintados, aparentemente esculpidos em jade. Os grandes têm aparência monstruosa. Eles são ligeiros e caóticos, e, provavelmente, se encontram sob qualquer rocha da praia no Golfo do Maine, nos Estados Unidos.

O caranguejo verde não é nativo da região. É um invasor, uma espécie que viajou da Europa para a América do Norte no século 19 na água de lastro de navios mercantes. Nos séculos que se seguiram, os caranguejos estabeleceram uma população próspera, se deleitando com moluscos e mexilhões azuis. Desta forma, resistiram à pesca que sustentava o estado há séculos. Eles têm um apetite assombroso e uma capacidade incrível de adaptação e reprodução, portanto superaram qualquer esforço para removê-los.

Os caranguejos verdes (Carcinus maenas) são uma espécie invasora que apareceu pela primeira vez nas águas da Nova Inglaterra em 1800, provavelmente chegando na água de lastro de grandes navios oceânicos. A população da espécie explodiu nos últimos anos devido ao aquecimento da água do mar no Golfo do Maine.

Foto de Brian Skerry National Geographic

Agora, uma das últimas defesas contra essas criaturas saqueadoras não é erradicá-las, mas comê-las. Em uma manhã nublada, de maré baixa, Marissa McMahan, diretora de pesca da organização ambiental sem fins lucrativos Manomet, e Jessica Batchelder, uma técnica de pesquisa de sua equipe, estão contando caranguejos verdes, algo que fazem três vezes por ano, na primavera, no verão e no outono. A contagem envolve um aparelho de tubo de PVC de um metro quadrado chamado quad, um balde para os caranguejos que fogem e várias mãos dispostas a serem beliscadas enquanto mergulham em algas marinhas em busca dos crustáceos.

Em um ponto durante a contagem, McMahan casualmente levanta uma pedra para encontrar um grupo inteiro de caranguejos verdes se contorcendo, lutando entre si para fugir. McMahan joga vários no balde, mas alguns fogem rápido demais para serem contados.

O objetivo do projeto de McMahan é contar caranguejos verdes em toda a região costeira do Maine para ajudar a determinar a viabilidade de criar a primeira pescaria de caranguejos verdes de casca mole nos Estados Unidos.

Caranguejo louco 

Pergunte a qualquer especialista sobre os caranguejos verdes e muitas vezes você obterá respostas curiosas. Um especialista os chama de “perversos e robustos”. McMahan diz que a melhor descrição vem de seu nome latino: carcinus maenas, ou caranguejo louco delirante. Eles são agressivos e canibais, aniquilam qualquer espécie com quem compartilham um espaço, até eles mesmos.

A chef Ali Waks Adams usa um palavrão para descrever os caranguejos verdes e também diz que, se fossem do tamanho dos humanos, esta seria a única espécie no planeta Terra. Eles vivem em água quente e fria; podem viver fora da água por um período de tempo; e se reproduzem como loucos. Eles são, em sua essência, espécies invasoras por excelência.

Eles estão em boa companhia. O Golfo do Maine está esquentando mais rápido do que 99% dos oceanos do mundo, como consequência do aquecimento da Corrente de Labrador – que historicamente trouxe para o golfo águas geladas do Ártico –, e do deslocamento para o norte da Corrente do Golfo, que traz consigo correntes de ar e água mais quentes. Esses dois fatores apresentaram muitos obstáculos para a pesca do Maine, como o aumento de espécies invasoras. De acordo com um relatório, pelo menos 64 invasões foram documentadas no Golfo, mas já existem outras antecipadas e possivelmente muitas outras ainda não contabilizadas.

A aquicultura, o comércio e as mudanças climáticas contribuem com o aumento de invasores. Tanto as algas vermelhas e verdes quanto a pervinca e o caracol de orelha de rato chegaram ao Golfo do Maine da mesma forma que o caranguejo verde. Com a introdução da aquicultura de espécies de ostras não nativas, como a europeia, vieram vários tunicados mais destrutivos, incluindo o didemnum vexillum, que também é comumente chamado de “vômito do mar”. Embora o momento da chegada dessas espécies varie, nenhuma estaria presente sem os humanos, que impulsionam essas mudanças.

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    À esquerda: No alto:

    Os caranguejos verdes são populares em restaurantes em Veneza, Itália, há algum tempo. O desafio é fazer com que ocorra o mesmo na Nova Inglaterra, nos EUA.

    À direita: Acima:

    Mike Masi classifica e identifica caranguejos verdes. Eles são destrutivos para as populações nativas de moluscos, pesca fundamental no Golfo do Maine. Os caranguejos também se enterram em leitos de ervas marinhas, destruindo as raízes dessas plantas.

    fotos de Brian Skerry National Geographic

    Espécies invasoras vivem tanto na terra quanto na água. Mas as aquáticas não nativas são mais difíceis de rastrear e é mais difícil demonstrar seus efeitos negativos sobre os seres humanos. Para McMahan, no entanto, a questão sempre foi clara. Ela vem de uma família de pescadores de lagosta e está familiarizada com caranguejos verdes desde sua infância em Georgetown, uma cidade na costa central do Maine. Depois de se tornar bióloga marinha, ela decidiu focar seu estudo no invasor que conhecia tão intimamente.

    Durante a contagem de caranguejos na costa, McMahan fica de olho em um aglomerado de rochas densas com algas marinhas, joga o quad e navega cuidadosamente até onde ele pousa. Ela gentilmente começa a tirar os nós das algas dentro do quad, descobre uma rocha abaixo dele e metodicamente passa os dedos sobre ela e algas marinhas. "Há um!", diz, e desembaraça do matagal um caranguejo do tamanho de uma tampa de garrafa.

    Criar conjuntos de dados como os de McMahan é importante para estabelecer quantos caranguejos há no ambiente e em que estágio de vida se encontram. Mas para estabelecer uma pescaria há outros fatores a considerar, e a abordagem, muitas vezes, depende da espécie. O peixe-leão, por exemplo, tem uma carne branca e escamosa, o que lhe dá um apelo culinário, pois lembra o bacalhau ou o linguado – que já são amplamente consumidos. Se você o colocar no cardápio, as pessoas vão pedir.

    O caranguejo verde é mais complicado e exige uma estratégia de marketing. “Um dos maiores desafios com a criação de um mercado para qualquer espécie invasora é: se concentrar na oferta ou na demanda? E como você divide seu esforço entre as duas coisas?”, questiona McMahan. 

    Como o caranguejo verde é uma entidade culinária praticamente desconhecida, McMahan está se concentrando em aumentar o interesse. Ela está entrando em contato com donos de restaurantes, chefs e educadores, para mostrar o potencial do caranguejo como ingrediente principal.

    Há também a questão da regulamentação. Atualmente, não há nenhuma para pescar caranguejos verdes, mas ela pode ser necessária se a pesca se tornar lucrativa. Mike Masi, cofundador da Southern Maine Sustainable Shellfish, colhe caranguejos verdes com armadilhas sob uma licença para lagostas e caranguejos, e dessa forma pode vendê-los comercialmente. O ex-professor de biologia marinha do ensino médio iniciou uma pequena operação de caranguejo verde que evoluiu de um de seus projetos de classe; ele a sustenta com a ajuda de ex-alunos. Neste verão, Masi está em sua primeira temporada comercial e, embora não tenha atingido sua meta ambiciosa de 3 mil caranguejos, está na metade do caminho, o que considera uma vitória.

    Os planos de McMahan e Masi estão em fase inicial, mas ambos estão convencidos de que Maine é o lugar certo. Ao contrário da Costa Oeste, que está apenas começando a lidar com a invasão do caranguejo verde e, portanto, ainda está focada na erradicação, a população do Golfo do Maine está bem estabelecida e não pode ser totalmente eliminada.

    “Não há desvantagens em explorar uma espécie ridiculamente abundante que causa danos ecológicos”, diz Masi.

    Existem mercados de caranguejos verdes no exterior, o que é positivo para o projeto, e o potencial de pesca parece ser alto. Mas os críticos dizem que comer espécies invasoras não é uma ferramenta eficaz para abatê-las, apenas espalhará as populações para diferentes regiões.

    Superar o fator medo

    Tanto a terra quanto o mar oferecem espécies invasoras para consumo – uma prática chamada invasivorismo – embora alguns sejam mais difíceis de vender do que outros. O ratão-do-banhado, por exemplo, roedor de 15 quilos que se assemelha a um híbrido de castor-rato, se estabeleceu em 16 estados dos EUA e se alimenta de plantas nativas ao longo dos leitos fluviais, além de destruir ecossistemas inteiros. E eles são comestíveis: você pode defumar sua carne e desfiá-la ou combiná-la com outros invasores, como o camarão tigre e carpa asiática em um rolinho primavera. Mas ainda assim, o ratão não chegou à cozinha convencional.

    Waks Adams trabalha com McMahan para apresentar caranguejos verdes aos clientes da área. Ela realiza degustações pop-up e espera que os donos de restaurantes coloquem as espécies no cardápio. Waks Adams, que atualmente é chef particular, mas já dirigiu restaurantes no passado, usa caranguejos em suas receitas e tem uma visão prática de como utilizar invasores na culinária. Mas ela enfrenta resistência. “Como você cria um mercado para algo que ninguém está realmente procurando?”, questiona.

    A resposta está na preparação do próprio caranguejo, que é difícil, mas saboroso. Os caranguejos verdes são geralmente de corpo pequeno, e muitos não chegam a seis ou sete anos, quando têm o tamanho suficiente para serem colhidos como carne. Outras espécies, como o caranguejo azul ou das neves, são frequentemente comidas com ferramentas para extrair a carne suculenta ou misturadas com migalhas de pão e ervas em uma torta de caranguejo.

    Os caranguejos verdes são melhores quando suas conchas são macias. Em qualquer fase de suas vidas, eles são uma excelente base para o caldo, fato que Waks Adams particularmente adora, e pode ser usado para fazer um condimento semelhante a um molho de peixe. Nos restaurantes onde Masi fornece os caranguejos verdes de casca mole, eles são fritos e servidos como hambúrgueres.

    A preparação do caranguejo verde é, em grande parte, onde entram os dados de McMahan. Uma das informações que ela coleta é quão macia é a casca de cada caranguejo e quão perto está da muda. Determinar a idade e estação em que os caranguejos verdes têm cascas macias ajudará a revelar quando colhê-los.

    Para entender como funciona a pesca internacional de caranguejo verde e como prepará-los, McMahan viajou para Veneza, onde o caranguejo verde mediterrâneo está nos cardápios há centenas de anos e é vendido por cerca de 40 dólares o meio quilo. Lá, o caviar do caranguejo é servido em um prato chamado manzanetta, ou empanado e frito inteiro com limão.

    Tanto McMahan quanto Waks Adams são realistas sobre o trabalho que será necessário para viabilizar o negócio, mas ainda veem oportunidades no caranguejo verde. Até certo ponto, depende dos clientes e seu nível de conforto com novos alimentos. “Não acredito que seja a parte invasiva que atrai as pessoas”, diz Waks Adams.

    Mas a novidade nos EUA de algo como um caranguejo verde pode ser um grande obstáculo. As pessoas dispostas a comê-los são provavelmente as mais aventureiras.

    Aquisição do restaurante é fundamental

    O estudo de McMahan dependerá dos dados em longo prazo depois de décadas de monitoramento de caranguejos verdes. Embora ela tenha recebido recentemente uma bolsa da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (Noaa, na sigla em inglês), o financiamento pode ser intermitente. 

    Aplicativos gratuitos e de código aberto para cientistas, como o Anecdata, podem ajudar. Com ele, os usuários podem contar caranguejos verdes eles mesmos e enviar seus dados para o site de monitoramento de McMahan. Marissa trabalha em seu projeto desde 2016, mas a criação de uma pescaria pode levar muitos anos para acontecer.

    A participação do restaurante é fundamental. “Acho que tivemos mais sucesso quando conseguimos incluir caranguejos verdes no cardápio de restaurantes comprometidos em aprender sobre o assunto, educar seus funcionários e informar os clientes”, diz McMahan.

    Mas talvez o Maine já conte com uma vantagem inicial para comer invasores oceânicos por causa de sua reputação de ser uma região de frutos do mar. “Em minha opinião, a beleza de cozinhar para outras pessoas é que você cria esses momentos efêmeros”, diz Waks Adams. “Quando você usa algo local e invasivo e está dizendo que esse pote de cioppino é feito com caranguejo verde, lagosta, mexilhões e amêijoas, e todas essas coisas crescem juntas, e algas marinhas no estoque que vieram do mesmo momento… Você está capturando esta cápsula do tempo.”

    De certa forma, a atmosfera já foi estabelecida. “Maine tem uma grande cultura de comidas locais e uma reputação incrível de frutos do mar em geral”, diz McMahan. “Então, sim, é um ótimo lugar para comer espécies invasoras, principalmente as marinhas”.

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