Assim foi o tsunami mais mortal da história: por que ninguém estava preparado para este desastre?

Em 2004, um terremoto no Oceano Índico liberou energia equivalente a 23 mil bombas atômicas, gerando um gigantesco tsunami. Cerca de duas décadas depois, relembre o rastro que este desastre deixou no Dia Mundial da Conscientização sobre Tsunamis.

Por Parissa DJangi
Publicado 3 de nov. de 2025, 16:59 BRT
Água e detritos cercam a Grande Mesquita de Banda Aceh após o tsunami.

Água e detritos cercam a Grande Mesquita de Banda Aceh após o tsunami.

Foto de Hotli Simanjuntak

Em 26 de dezembro de 2004, a faxineira de hotel Supharat Srilao estava em casa com seu filho de três anos em Khao Lak, Tailândia. A casa deles ficava perto do oceano. Por volta das 10h30 da manhã, ela percebeu algo estranho: “uma onda negra vindo do mar”, lembra ela. Era o tsunami mais mortal da história se aproximando da praia com uma força devastadora.

“Enquanto segurava meu filho a onda nos atingiu e ouvimos um estrondo. Vi a onda nos engolir. Meu filho foi levado emboraA onda me puxou para baixo. Então, rezei aos meus antepassados. ‘Tenho que sobreviver, tenho que sobreviver’. Pensei: ‘Tenho que sobreviver para encontrar meu filho’”.

A história de Srilao não é única entre os milhões de pessoas afetadas pelo tsunami de 2004 no Oceano Índico. Este tsunami é considerado o mais mortal da história – tendo matado mais de 225 mil pessoas, principalmente na IndonésiaSri Lanka, Índia e Tailândia

Pouco mais de 20 anos depois, o rastro deixado por este desastre natural ainda está bastante presente. Com a chegada do Dia Mundial da Conscientização sobre Tsunamis, uma data da ONU (Organização das Nações Unidas) que ocorre anualmente em 5 de novembro, vale se perguntar: o que tornou este evento da natureza tão destrutivo? E o que as regiões afetadas estão fazendo para se preparar para o próximo? 

Uma mulher lamenta a perda de sua família na vila de pescadores de Nagapattinam, na Índia. ...

Uma mulher lamenta a perda de sua família na vila de pescadores de Nagapattinam, na Índia. Cerca de 1,5 bilhão de pessoas que viviam ao longo da costa do Oceano Índico foram pegas de surpresa pelo terremoto e tsunami de 2004.

Foto de Santosh Verma, The New York Times, Redux

Não havia nenhuma preparação para enfrentar o mais mortal tsunami da história 

Os tsunamis ocorrem quando uma mudança geológica perturba o oceano, causando uma série de ondas gigantes que se dirigem para a terra. Normalmente, os terremotos sob o fundo do oceano são os responsáveis, mas eventos como deslizamentos de terra e erupções vulcânicas também podem provocá-los.

A região chamada “Anel de Fogo”, no Oceano Pacífico, é uma área com alta atividade sísmica, é responsável por 80% dos tsunamis do mundo.

Embora os seres humanos não possam impedir os tsunamis, eles podem mitigar os piores efeitos do desastre se estiverem preparados. A primeira iniciativa para rastrear tsunamis começou em 1941, quando as autoridades japonesas criaram o Observatório Meteorológico Local de Sendai. Ao observarem sinais de tsunamis, eles usavam estações de rádio locais para emitir alertas

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      Uma combinação de imagens de satélite mostra a costa de Meulaboh, na ilha de Sumatra, na Indonésia, em 18 de maio de 2004 (à esquerda) e em 7 de janeiro de 2005, após o tsunami no Oceano Índico.

      Foto de Stringer, Reuters, Redux

      Hoje, os sistemas de detecção gerenciados internacionais medem os níveis da águasoam o alarme ao redor do Oceano Pacífico, dando às autoridades tempo para evacuar as áreas costeiras quando um tsunami se aproxima.

      Não havia nenhum sistema deste tipo para proteger os 1,5 bilhão de pessoas que vivem em pequenas cidadesregiões costeiras ao redor do Oceano Índico, a terceira maior bacia do mundo. Até porque, os tsunamis não fazem parte da vida cotidiana destes locais e raramente são fatais. 

      Entre 1852 e 2002, apenas sete dos 50 tsunamis registrados no Oceano Índico resultaram em perda de vidas, e o total combinado de vítimas ao longo desse período de 150 anos foi inferior a 50 mil.

      Por causa disso, as respostas a tsunamis não foram implementadas ao redor do Oceano Índico como foram em lugares como o Japão, onde os estudantes passam por simulados regulares de evacuação e os edifícios são construídos para resistir a terremotos que precedem os tsunamis.

      Em Nagapattinam, mulheres choram a morte de uma criança vítima do tsunami.

      Em Nagapattinam, mulheres choram a morte de uma criança vítima do tsunami.

      Foto de Chris Stowers, Panos Pictures, Redux

      Um grande terremoto submarino provocou o tsunami do Índico

      Sumatra, na Indonésia, fica perto da junção entre duas placas tectônicas: a placa indiana e a microplaca birmanesa. Em 26 de dezembro de 2004, essas placas colidiram sob o fundo do oceano, produzindo um grande terremoto de magnitude 9,1 às 7h29 da manhã.

      A energia liberada por esse terremoto foi tão grande que deve ter se acumulado lentamente ao longo de centenas de anos[Foi] uma energia equivalente a 23 mil bombas atômicas do tipo Hiroshima”, diz o sismólogo Barry Hirshorn. A força e a magnitude do terremoto alteraram o movimento polar da Terra em cerca de 2,5 cm, uma mudança que encurtou os dias em 2,68 microssegundos.

      “Um terremoto que ocorre sob as águas realmente eleva o fundo do oceano. Imagine uma linha de 1 mil km de água sendo elevada verticalmente; a água, então, atinge um pico e, em seguida, a gravidade a puxa para baixo”, explica Hirschhorn. “À medida que você se aproxima da costa, não verá o que consideramos ondas do mar. Eu penso nisso mais como um rolo compressor de água abrindo caminho para o interior.” 

      Moradores locais e equipes de socorro correm para se proteger após um alerta de outro tsunami ...

      Moradores locais e equipes de socorro correm para se proteger após um alerta de outro tsunami ter sido emitido pela televisão em Cuddalore, Índia, em 30 de dezembro de 2004.

      Foto de Photography By Arko Datta, Reuters, Redux

      Um tsunami que transformou a terra em mar

      Na província de Aceh, na Indonésia, eram pouco mais de 8h da manhã quando as pessoas saíram de suas casas e prédios para avaliar os danos causados pelo terremoto. Então, elas viram outro desastre se aproximando: 20 minutos após o terremoto, uma série de ondas de até 51 metros começou a atingir a costa, derrubando árvores, transformando ruas em corredeiras e levando pessoas embora.

      Nas horas seguintes, ondas gigantes correram a 800 km/h — quase a velocidade de cruzeiro de um jato — pelo Oceano Índico. Duas horas após o terremoto, elas atingiram a Tailândiao Sri Lanka e a Índia. Horas depois, tsunami inundou partes da África.

      Para as pessoas que estavam no local, a experiência foi horrível. O turista britânico Louis Mullan, de 16 anos, estava de férias com seus pais e seu irmão mais novo, Theo, em Khao Lak, na Tailândia, quando a onda atingiu e separou a família. Alguém puxou Louis para um local seguro.

      Lembro-me da vista, da pura carnificina da água corrente”, recorda ele. “Eu estava olhando para o mar, mas não havia nenhuma linha onde o mar terminava. A água estava por toda parte. E eu simplesmente gritei. Era a única coisa que eu podia fazer. Gritei por minha mãe, meu pai e Theo, mas não ouvi nada.”

      Sobreviventes procuram seus pertences entre os escombros de suas casas em Nagapattinam, na Índia.

      Sobreviventes procuram seus pertences entre os escombros de suas casas em Nagapattinam, na Índia.

      Foto de Arko Datta, Reuters, Redux

      Uma escala de devastação impressionante: assim foi o tsunami que veio do Índico

      Banda Aceh, a maior cidade de Aceh, na Indonésia, sofreu perdas significativas com o tsunami, que matou um quarto de sua populaçãoLhoknga, uma cidade costeira a sudoeste de Banda Aceh, teve um destino ainda pior: uma onda de 30 metros atingiu a cidade, destruindo completamente a comunidade cuja população caiu de 7 mil para apenas 400 pessoas.

      O tsunami teve um efeito dominó devastador. No Sri Lanka, o evento causou o pior desastre ferroviário da história ao derrubar um trem dos trilhos, matando cerca de 1.700 pessoas.

      Eranthie Mendis estava no trem com sua mãe. O vagão delas encheu de água e capotou, prendendo todos dentro. Embora Mendis tenha conseguido passar por uma janela e puxar outros passageiros para um local seguro, sua mãe ficou presa no caos. 

      “Em algum momento, o nível da água baixou”, ela lembra. “Encontrei minha mãe rapidamente”. Ela estava morta. “Peguei sua aliança de casamento, beijei-a e disse à minha mãe que voltaria para buscá-la, e então partimos. Deixamos ela no trem.”

      O desastre afetou países distantes do Oceano Índico, já que, assim como a família Mullan, milhares de turistas da Europa e dos Estados Unidos haviam viajado para lá para passar as férias de inverno. A Suécia, por exemplo, perdeu quase 550 cidadãos que estavam de férias na região; outros 1.500 ficaram feridos.

      O mundo foi fundamentalmente transformado. “Cerca de 1,8 milhão de pessoas ficaram desabrigadas. Cerca de 460 mil casas acabaram danificadas ou destruídas. Mesmo uma década depois, muitos desses números ainda são semi-provisórios. O evento foi grande demais para se avaliar toda a verdade”, escreveu o jornalista Chris McCall na revista científica “The Lancet” em 13 de dezembro de 2014.

      Sobreviventes do tsunami na Índia pedem ajuda humanitária, como alimentos e água, em uma vila de ...

      Sobreviventes do tsunami na Índia pedem ajuda humanitária, como alimentos e água, em uma vila de pescadores em Nagapattinam, em 6 de janeiro de 2005.

      Foto de Kamal Kishore, Reuters, Redux

      O grande tsunami inspirou uma ação global

       O mundo respondeu rapidamente ao desastre. As Nações Unidas criaram um fundo de ajuda humanitária que arrecadou US$6,25 bilhões. Embora o fundo tivesse como objetivo ajudar 14 países, a maioria dos recursos foi destinada à Indonésia e ao Sri Lanka, os locais mais afetados.

      O processo de recuperação também incluiu planos para mitigar o impacto de futuros desastres naturais. Os países não tinham um sistema de alerta quando o tsunami de 2004 atingiu, e rapidamente corrigiram o curso. Em 2005, o COI ajudou a estabelecer o Sistema de Alerta e Mitigação de Tsunamis no Oceano Índico para detectar os primeiros sinais de tsunamis e alertar rapidamente as comunidades locais em 27 países.

      Nos anos seguintes, sistemas de alerta aprimorados foram instalados também nos oceanos Pacífico e Atlântico, garantindo que as comunidades tenham mais tempo para chegar a terrenos mais elevados quando um tsunami se aproxima da costa. Governos e organizações não governamentais também investiram em programas para educar as comunidades locais sobre o que fazer em caso de tsunami, para que elas saibam como reagir.

      Embora tenham chegado tarde demais para o desastre de 2004, espera-se que esses programas poupem as pessoas do que Supharat Srilao passou: a visão de uma onda gigante arrancando seu filho de seus braços.

      Depois de sair da água, ela e o marido passaram os dias seguintes procurando pelo filho perdido, sem saber se ele estava vivo ou morto. Finalmente, no terceiro dia, o marido o encontrou, são e salvo.

      “Foi um verdadeiro milagre”, diz ela. 

      As famílias das 225 mil vítimas do tsunami não tiveram tanta sorte. Mas, com os novos planos de preparação em vigor, as pessoas em todo o Oceano Índico terão mais chances de sobreviver quando o próximo tsunami atingir a região.

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