Misterioso e peculiar, minissapo brasileiro descoberto no século 21 já está criticamente ameaçado

Descrito há quase uma década pelo biólogo e explorador da National Geographic Pedro Peloso, o sapinho-da- restinga, encontrado apenas no Espírito Santo, ainda é uma incógnita para os cientistas.

Por Gabriel de Sá
Publicado 10 de abr. de 2020, 11:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT

O caso do sapinho-da-restinga é gravíssimo, já que a espécie é conhecida de apenas uma única localidade, em Guarapari (ES). As restingas são ambientes frágeis e cobiçados pelo mercado imobiliário, mas a área habitada pelo anfíbio é relativamente bem protegida.

Foto de Pedro Peloso

“Esse animalzinho é um tanto estranho”, comenta o biólogo Pedro Peloso, explorador da National Geographic, sobre o sapinho-da-restinga (Melanophryniscus setiba), descoberto por ele em 2005, em Guarapari (ES). A espécie foi descrita por Peloso e outros cientistas em publicação de 2012, e pouco tempo depois, mais precisamente em 2014, o anfíbio apareceu como criticamente em perigo na lista de animais ameaçados de extinção. “Diversas espécies estão desaparecendo de florestas bem preservadas e não sabemos os motivos exatos”, diz Peloso em entrevista. “Devemos prestar atenção na extinção dos anfíbios como um todo, mas também estudar cada espécie individualmente”. O biólogo lidera o projeto DoTS, que busca estudar e retratar a vastidão de espécies de anfíbios brasileiros para fins de conservação. Entre eles está o sapinho-da-restinga, que tem menos de 2 cm, come formigas e deposita poucos ovos – mas ainda há muito a se saber sobre ele.

Com colegas e artistas, o biólogo Pedro Peloso coordena o projeto DoTS, que estuda, documenta e divulga para o mundo espécies brasileiras ameaçadas de extinção.

Foto de Pablo Cerqueira

Como foi o processo de “descobrir” e descrever o sapinho-da-restinga?

Descobri essa espécie quando ainda era um estudante de Biologia, em 2006, mas a descrição formal da espécie – quando ela recebe seu nome científico – só foi publicada em 2012. Eu encontrei o animal quando estudava a diversidade de anfíbios e répteis do local onde a espécie ocorre. A descrição demorou um pouco, pois esse animalzinho é um tanto estranho, ele possui muitas características únicas que, se por um lado nos fez ter certeza de que se tratava de uma espécie não conhecida pela ciência, por outro nos deixou em dúvida sobre qual grupo de sapos o animal faz parte. Para sanar essa dúvida, foram necessárias análises genéticas e um minucioso estudo da sua anatomia.

E o que torna o animal tão único, como você mencionou?

Trata-se de um animal muito pequeno, com menos de dois centímetros. A média do tamanho dos adultos é de 15 mm, e o maior indivíduo registrado tinha 16,1 mm. Durante sua evolução, a espécie passou por um processo que chamamos de miniaturização — com perda de diversos ossos do corpo, perda de alguns dedos, entre outras características. É um verdadeiro minissapo. Apesar de ter sido descrita há quase 10 anos, pouco se sabe sobre essa espécie. Sabemos que é um animal que habita o chão da floresta, alimenta-se de pequenos invertebrados (formigas e ácaros) e deposita poucos ovos, menos de 10. Mas não conhecemos muitas coisas importantes, como a vocalização dos machos e onde são depositados os ovos, por exemplo.

Qual é a importância desses animais nos ecossistemas que eles habitam?

A verdade é que sabemos ainda muito pouco sobre a biologia desse animal. Apesar de ter sido descoberto faz alguns anos, nunca descobrimos, por exemplo, como se dá a reprodução da espécie. É difícil saber a importância pontual da espécie no ecossistema, mas certamente eles fazem parte de um sistema equilibrado, que inclui essa espécie e dezenas de outras que interagem com ela.

O sapinho-da-restinga, como o próprio nome já diz, habita um ambiente de restinga, mais precisamente o Parque Estadual Paulo Cesar Vinha, em Guarapari, no Espírito Santo. As restingas são ambientes extremamente frágeis e a degradação desses ecossistemas pode trazer consequências irreversíveis, entre elas a perda de diversidade e de espécies exclusivas desse ambiente.

“Restingas são ambientes extremamente frágeis e a degradação delas pode trazer consequências como a perda de diversidade e de espécies exclusivas desse ambiente.”

por Pedro Peloso
Biólogo

E como podemos definir os riscos que os sapinhos correm atualmente no país?

Tenho viajado bastante pelo Brasil para tentar entender melhor quais são os riscos imediatos para os sapos e salamandras. Sem dúvida, os fatores mais importantes são o desmatamento e a degradação do ambiente, que afetam a grande maioria das espécies. Por outro lado, temos fatores locais ou específicos de algumas espécies que precisam ser levados em consideração. Dentre esses fatores que afetam algumas espécies e outras não, há doenças, o fato de elas possuírem uma área de existência muito pequena, mudanças nos ciclos de chuvas, entre outros. Tem ainda um fator extra, mas que é muito importante: diversas espécies estão desaparecendo de florestas bem preservadas e não sabemos os motivos exatos. Isso quer dizer que devemos prestar atenção para a extinção dos anfíbios como um todo, mas que também é necessário estudar cada espécie individualmente.

Em 2014, o minissapo entrou para a lista de espécies ameaçadas de extinção na categoria mais alta: criticamente em perigo.

Foto de Pedro Peloso

Por que devemos focar na conservação de espécies específicas da biodiversidade brasileira?

Existem diversas iniciativas que focam na preservação da biodiversidade global. O problema é que, como já mencionei, muitos dos problemas enfrentados pelas espécies são específicos daquele animal ou planta, ou da região onde ela se encontra. O Brasil é um dos países com a maior diversidade biológica do planeta o que leva a um acúmulo de casos únicos, com demandas específicas de atenção. É por isso que precisamos agir para a preservação, não só em escala global, mas também em escalas regionais e locais.

Conte um pouco sobre o trabalho desenvolvido por você no DoTS.

O DoTS (Documenting Threatened Species) é uma iniciativa minha junto a colegas, biólogos e artistas, para estudar, documentar e divulgar para o mundo as espécies brasileiras ameaçadas de extinção. Temos viajado o Brasil todo documentando essas espécies em seu ambiente natural, mas também em retratos feitos em estúdio, com o objetivo de criar um banco de imagens que possa ser usado para aumentar a conscientização do público sobre a importância de conhecer e preservar a nossa enorme biodiversidade.

O caso do sapinho-da-restinga é especial, pois descobri essa espécie quase 15 anos atrás. Agora, depois de todo esse tempo, voltei à restinga para reencontrar o sapinho e fazer os registros para o DoTS, pois em 2014 ele entrou para a lista das espécies ameaçadas de extinção, em sua categoria mais alta, criticamente-em-perigo.

“Diversas espécies estão desaparecendo de florestas bem preservadas e não sabemos os motivos exatos”

por Pedro Peloso
Biólogo

Se os projetos de conservação continuarem, qual é a projeção que essa espécie poderá ter em 10 anos?

O caso do sapinho-da-restinga é gravíssimo. A espécie só é conhecida de uma única localidade, que felizmente é uma área protegida por lei. Salvo algum desastre ambiental, a espécie está relativamente bem protegida por ali. O problema é que as restingas são ambientes frágeis e muito cobiçados pelo mercado imobiliário. O melhor que podemos fazer é torcer para que as coisas fiquem como estão. No caso do Melanophryniscus setiba, se nada mudar, em 10 anos a espécie deve continuar sendo avaliada como criticamente em perigo de extinção.

Como o cidadão comum pode colaborar com a conservação da biodiversidade?

Existem várias maneiras, algumas óbvias e outras nem tanto. Obviamente, cuidar melhor do meio ambiente e prestar atenção no seu impacto no planeta é um início. Alguns exemplos bem difundidos são desperdiçar menos água, reduzir o lixo familiar, e diminuir o consumo de coisas desnecessárias. Além disso, qualquer cidadão pode se envolver de maneira ainda mais efetiva, atuando, por exemplo, junto às lideranças locais na criação de novas unidades de conservação e na fiscalização daquelas áreas já existentes.

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