Nova descoberta levanta um mistério sobre as tartarugas
Comportamento recém-descoberto pode oferecer uma pista de como esses répteis responderão a um planeta em aquecimento.
Uma tartaruga-pintada se aquece à noite em uma árvore caída na Wyman Meadow Conservation Area em Bridgewater, Massachusetts, Estados Unidos.
Em uma noite quente de primavera na cidade costeira de Townsville, na Austrália, dois cientistas se acomodaram em uma canoa no rio Ross. Com câmeras no colo e binóculos na mão, eles seguiram pela água.
Em pouco tempo, notaram algo estranho: as tartarugas fluviais de Krefft se aquecendo à luz da Lua, exatamente como fazem durante o dia.
"Na época, não pensei muito sobre isso", diz Eric Nordberg, ecologista da Universidade de New England, na Austrália. "Hoje em dia, é muito raro descobrir algo que ninguém mais tenha visto."
Mas depois daquela noite em 2017, “descobrimos que outros cientistas não tinham ouvido falar de tartarugas se aquecendo à noite, e não havia estudos sobre o comportamento”, acrescenta. Nordberg e Don McKnight, biólogo da Universidade de La Trobe, se encarregaram de preencher essa lacuna de conhecimento.
Agora, seis anos depois, o encontro casual levou a um novo artigo na Global Ecology and Conservation, que mostra que não apenas as tartarugas de todo o mundo exibem esse comportamento, mas que isso poderia ajudar os especialistas a entender como os répteis ameaçados reagirão a um mundo em aquecimento.
Uma imagem de câmera de trilha mostra várias tartarugas fluviais de Krefft se aquecendo à noite em Townsville, Austrália.
Um fenômeno mundial
Por serem ectotérmicas, ou animais de sangue frio, as tartarugas de água doce não conseguem controlar a temperatura do corpo, e é por isso que elas descansam em objetos fixos fora da água, como pedras e troncos, para se aquecerem ao Sol.
Para descobrir se as tartarugas de Townsville que descansam à noite eram uma anomalia, Nordberg e McKnight elaboraram uma pesquisa global. Em 2019, a dupla fez uma chamada internacional para que os colaboradores observassem o aquecimento noturno e compartilhassem seus dados.
Apesar das interrupções devido à Covid-19, o estudo foi frutífero. Pesquisadores da América do Norte, do Caribe, da Europa, da Ásia, da África, das Seychelles e da Austrália coletaram quase 900 mil fotos de 29 espécies diferentes, representando sete das 11 famílias de tartarugas de água doce.
Treze dessas espécies, em seis famílias, foram vistas se aquecendo à noite. Além disso, essas tartarugas tendiam a se aquecer à noite por mais tempo do que durante o dia.
"Parece que isso é algo bastante comum entre as tartarugas, algo que não havia sido relatado antes, o que é muito legal", disse McKnight.
O estudo também encontrou variações entre as espécies. Algumas se aqueciam à noite com mais regularidade do que outras; especificamente, as tartarugas de Townsville foram as que mais se aqueciam à noite.
Por que se aquecer à luz da Lua?
O próximo desafio foi descobrir o motivo. A pesquisa da dupla descartou fatores como a fase da Lua, ventos e sanguessugas. McKnight e Nordberg também viram tartarugas se aquecendo perto de crocodilos e até mesmo em cima deles, eliminando a hipótese de que o aquecer noturno proporciona distância dos predadores.
No estudo global, apenas as tartarugas de áreas tropicais e subtropicais se aqueciam à noite, e o fenômeno era mais comum próximo à linha do Equador – possivelmente, um indício de que o controle da temperatura corporal desempenhava um papel importante.
Rosie Kidman decidiu estudar a teoria da termorregulação como estudante de honra na James Cook University, na Austrália. "Eu estava realmente curiosa, e isso me atraiu", conta.
Kidman capturou 25 tartarugas fluviais de Krefft no Ross River e as levou para um ambiente de laboratório, onde controlou a temperatura da água e do ar, e a luz do dia. Lá, ela observou como elas se comportavam quando a temperatura da água era mais alta ou mais baixa do que o comum para as tartarugas.
Embora Kidman achasse que os répteis evitariam tanto as temperaturas altas quanto as baixas da água, ela descobriu que as tartarugas se aqueciam mais durante o dia e a noite quando a água estava mais quente do que o normal. Isso sugere que, pelo menos no caso das tartarugas do rio Krefft, o aquecimento noturno permite que as tartarugas se refresquem quando a água está quente.
"É muito legal, porque é o oposto do que elas fazem durante o dia", diz McKnight.
Tartarugas no limite
O estudo do aquecimento noturno pode nos ajudar a entender como as tartarugas reagem ao aquecimento da Terra devido às mudanças climáticas. A projeção é de que as temperaturas globais aumentem cerca de 1,3 graus Celsius até 2030.
Isso também é relevante, pois a pesquisa de Kidman sugere que as tartarugas de água doce evitam o calor mais do que se pensava anteriormente. Um estudo recente previu que os aumentos de temperatura decorrentes da mudança climática, especialmente as ondas de calor, matariam imediatamente muitos ectotérmicos sensíveis ao calor, como as tartarugas.
"Agora temos uma linha de base", diz Kidman. "Quando quisermos estudar esses animais no futuro, poderemos monitorar como eles estão mudando seu comportamento."
A descoberta também é um lembrete de humildade, acrescenta McKnight. "Isso realmente mostra como é importante continuar estudando até mesmo as espécies que achamos que conhecemos muito bem."
Isso será especialmente importante para as tartarugas, pois cerca de 60% das espécies de tartarugas de água doce estão ameaçadas ou extintas, devido a fatores como caça ilegal, doenças e perda de habitat, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza.