Os grandes tubarões brancos, como este retratado em 2014, já foram residentes comuns nas águas ao ...

Tubarões brancos e um mistério: por que eles desapareceram deste habitat na África?

Um novo estudo baseado em duas décadas de dados mostra o que aconteceu em um ecossistema oceânico sul-africano em que os grandes tubarões brancos sumiram.

Os grandes tubarões brancos, como este retratado em 2014, já foram residentes comuns nas águas ao redor da Ilha Seal, em False Bay, na África do Sul.

Foto de Nature Picture Library, Alamy Stock Photo
Por Melissa Hobson
Publicado 10 de jul. de 2025, 06:01 BRT

Construído como um torpedo com fileiras de terríveis dentes de cerca de 6,3 cm,maior tubarão predador do mundo é uma visão intimidadora. Tão intimidante que alguns poderiam pensar que um oceano sem grandes tubarões brancos (Carcharodon carcharias) seria uma coisa boa. Porém, a sua perda causa um efeito cascata que transformaria todo o ecossistema da Terra.

Um novo estudo publicado recentemente na revista científica Frontiers in Marine Science mostra o que acontece quando os tubarões brancos desaparecem. A ilha Seal, ao largo da False Bayna África do Sul, já foi um grande ponto de encontro de tubarões brancos – um dos poucos lugares na Terra onde os tubarões podiam ser vistos saindo da água para capturar suas presas.

Era como no memorável filme ‘Tubarão’”, diz o ecologista marinho Neil Hammerschlag, diretor executivo da Shark Research Foundation Inc. e coautor do novo estudo. “Acho que não há nada mais extraordinário na natureza do que ver um grande tubarão branco de mais de 900 quilos voando no ar para fora do mar com uma foca em sua boca.”

Quando os predadores desapareceram dessa ilha sul-africana, os pesquisadores e conservacionistas apontaram as orcas invasoras e os humanos como os culpados. Mas Hammerschlag e seus colegas, que começaram a estudar o ecossistema ao redor da ilha em 2000, muito antes do desaparecimento, observaram algumas mudanças surpreendentes.


Vinte anos atrás, a ilha Seal era “o melhor lugar do mundo para ver grandes tubarões brancos”, lembra Hammerschlag, que também é presidente da Atlantic Shark Expeditions. 

Por volta de 2010, o número de tubarões brancos em False Bay começou a cair, e o declínio ficou mais acentuado a partir de 2015. Já em 2018, os grandes tubarões brancos haviam desaparecido.

O motivo exato do desaparecimento dos tubarões continua sendo um mistério. “A partida do tubarão-branco da ilha Seal é realmente passível de discussão”, diz Greg Skomal, biólogo de tubarões da Divisão de Pesca Marinha de Massachusetts, nos Estados Unidos, que não participou do estudo.

Alguns sugerem que os animais fugiram porque as orcas assassinas se aproximaram. As orcas podem matar um tubarão em minutos, cortando com precisão seu fígado rico em nutrientes.

Hammerschlag acredita que os seres humanos também podem ser os culpados, já que as redes de tubarões próximas matam “algo entre 25 e 30 tubarões brancos por ano”. Mesmo uma pequena perda pode levar a população ao declínio, comenta ele, porque os grandes tubarões brancos se tornam sexualmente maduros tarde na vida (machos na faixa dos 20 anos e fêmeas na faixa dos 30) e têm ninhadas pequenas de até 12 filhotes.

O apresentador Bertie Gregory filmando um tubarão embaixo d'água. “Tubarões de Perto com Bertie Gregory”, um ...

O apresentador Bertie Gregory filmando um tubarão embaixo d'água. “Tubarões de Perto com Bertie Gregory”, um especial documental da National Geographic que estreou recentemente no Disney+.

Foto de Dan Beecham, National Geographic

Quando os tubarões brancos desapareceram do seu local preferido?


Acredita-se que os tubarões mantenham os habitats marinhos saudáveis, removendo animais fracos e doentes da cadeia alimentar e mantendo o equilíbrio. Mas provar esses impactos em um habitat do mundo real é um desafio. “Esses tipos de efeitos sobre o ecossistema são muito difíceis de serem descobertos porque exigem conjuntos de dados de longo prazo”, afirma Skomal.

Em False Bay, Hammerschlag e seus colegas fizeram uma parceria com uma empresa de ecoturismo, o que lhes permitiu passar “dias inteiros na água, 200 dias por ano”. A equipe coletou mais de 20 anos de dados, de antes, durante e depois do desaparecimento dos grandes tubarões brancos.

“Vimos acontecer coisas que jamais esperaríamos”, diz Hammerschlag.

Os tubarões-de-sete-barbas (Notorynchus cepedianusaparecem de repente – às vezes até 15 em um dia. Esses animais geralmente ficam a vários quilômetros de distância, em leitos de algas, que oferecem proteção contra ataques de tubarões brancos. "De nada a dois dígitos. É simplesmente alucinante", diz ele.

A população de focas-do-cabo (Arctocephalus pusillus pusillustambém aumentou. A salvo da ameaça dos tubarões, as focas estavam fazendo balsas flutuando em grupos, como uma balsa viva – e indo atrás da isca dos mergulhadores de gaiola. “Isso teria sido suicídio apenas alguns anos antes”, diz ele.

As focas estavam no cardápio dos tubarões brancos antes de desaparecerem dali, portanto, fazia sentido ver o aumento de seus números. Mas Hammerschlag e seus colegas também queriam descobrir se as populações de animais que as focas comem também haviam mudado.

(Você pode se interessar também: Por que os tubarões brancos atacam as pessoas?)

Por sorte, a cientista Lauren De Vos havia instalado câmeras em 2012 para obter um instantâneo das populações de peixes na época para outro estudo. A equipe de Hammerschlag seguiu o mesmo método, inclusive pegando emprestado o mesmo equipamento. Como era de se esperar, os novos dados mostraram um declínio nas presas das focas, como anchovas e carapau do Cabo.

Esse ziguezague de impactos no mar desse local – os tubarões brancos desaparecem, suas presas aumentam e, por sua vez, os animais que eles comem diminuem – sugere que isso não é causado por problemas como poluição ou desenvolvimento.

Se a destruição do habitat estivesse ocorrendo, seria de se esperar que tudo diminuísse”, em vez de algumas espécies diminuírem e outras aumentarem, explica Hammerschlag. Mas os números do estudo não refletem isso.

A pequena área da False Bay, com relativamente poucas espécies, facilitou o cálculo de alguns desses impactos na cadeia alimentar. “Hammerschlag tem essa conectividade mapeada porque ele sabe o que come o quê”, diz Skomal. 

Quanto maior o número de espécies em um ecossistema, mais difícil é mapear a cadeia alimentar e rastrear os impactos quando um animal é perdido. Estabelecer as relações entre os animais em uma área mais ampla, como o Golfo do Maine, que tem centenas de espécies, seria muito mais difícil, diz ele.

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    Um grande tubarão branco salta para pegar uma isca.

    Foto de Fiona Ayerst National Geographic

    Mudanças em toda a África do Sul


    Cientistas da África do Sul notaram mudanças na população de tubarões brancos em outros ecossistemas também, e os pesquisadores acreditam que os fatores que impulsionam essas mudanças são semelhantes aos citados em False Bay. A ecologista comportamental de tubarões Lacey Williams observou “mudanças bastante significativas” em Mossel Bay e Plettenberg Bay, ou “Plett”.

    Em Plett, a aparição de tubarões costumava ser “aleatória”, diz ela. Então, por volta de 2022, os moradores locais começaram a notar os tubarões “em um local muito previsível” ao redor da Península de Robberg. Em pouco tempo, os tubarões começaram a chegar mais tarde na temporada e depois os avistamentos diminuíram.

    Em Mossel Bay, os avistamentos de tubarões brancos permaneceram relativamente estáveis até por volta de 2021, mas diminuíram desde então. Em maio de 2022, surgiram imagens de drone de duas orcas matando um tubarão branco

    “Esse foi realmente o início das mudanças significativas dos tubarões brancos em Mossel Bay”, afirma ela. No ano passado, a empresa de mergulho em gaiola com a qual Williams trabalha registrou “menos de um punhado” de avistamentos entre abril e dezembro, diz ela.

    população de tubarões brancos da África do Sul já estava em declínio “antes da chegada desses dois bodes expiatórios muito famosos e sensuais”, diz Williams. “As orcas são como jogar querosene em uma fogueira já em chamas”.

    Segundo ela, os seres humanos também provocaram declínios mais amplos. Há décadas, a pesca com palangre tem como alvo os tubarões demersais, que vivem logo acima do leito marinho, como os tubarões-sobrancelha (Galeorhinus galeus) e os tubarões-lisocriticamente ameaçados de extinção. Essas espécies são uma importante fonte de alimento para os tubarões brancos, portanto, removê-las tem um efeito cascata.

    Assim como em False Bay, as redes de tubarão são outra preocupação. Muitas pessoas acreditam erroneamente que elas formam uma barreira para proteger os nadadores dos tubarões. “Na verdade, elas não protegem as pessoas de nada”, explica Williams. “A única coisa que realmente faz é matar a vida selvagem indiscriminadamente.”

    Embora não exista uma solução milagrosa, as possíveis soluções incluem Shark Spottersdrones e a tecnologia SharkSafe BarrierTM. Esse dispositivo magnético, que imita florestas de algas, parece deter os tubarões brancos. Esses sistemas são caros, mas o investimento vale a pena, diz Williams. “Se não tivermos um ecossistema, perderemos o turismo.”

    Atualmente, parece ser muito cedo para dizer como o declínio dos tubarões brancos em Mossel Bay e Plettenberg pode afetar o ecossistema mais amplo. “Mas vale a pena dar uma olhada”, diz Williams. “Acho que é seguro dizer que veremos mudanças.”

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